Obra de arte exposta em São Paulo conta com a colaboração de crocheteiras cearenses

O trabalho das mulheres de Várzea Alegre e Jericoacoara poderá ser visto em breve também em Milão

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@diariodonordeste.com.br
Legenda: As tramas de crochê feitas com os fios reciclados estão espalhadas na loja conceito da Melissa

Entre São Paulo e Ceará há mais de 2.700 km, mas essa distância é facilmente encurtada quando se tem internet à disposição. Em alguns cliques, por exemplo, a produção da nova coleção Melissa + Irmãos Campana chegou a crocheteiras do litoral e do sertão cearense. As mulheres da Associação Comunitária de Mocotó, em Várzea Alegre, e Mundo Jeri, em Jericoacoara, foram surpreendidas com uma ligação há cerca de dois meses. Interessados nos trabalhos de crochê por elas realizados, os produtores contrataram seus serviços para uma obra de arte coletiva, hoje exposta na Oscar Freire, em São Paulo, e que, em 2019, será apresentada em Milão.

A colaboração das cearenses se deu com a construção de quadrados de 40x40cm de crochê com os fios reciclados da Melissa. As tramas produzidas aqui e em outras localidades do País - pelos mais de 20 coletivos convidados e com colaboração do Projeto Arrastão (SP) - revestem grandes e longas almofadas tubulares que cobrem as paredes e ganham o piso da fachada da loja conceito, em São Paulo.

Legenda: O crochê reveste grandes e longas almofadas tubulares

Rosinha foi a representante de Várzea Alegre que manteve contato com a produção do Sudeste. Ela e a irmã Ceilda, ambas com deficiência congênita, coordenam o trabalho de mais de 300 crocheteiras cuja especialidade é o trabalho com redes, mas esse número já foi maior. "Antes da crise, há uns três anos, nós trabalhávamos com mais de 600 pessoas, mas depois diminuiu bastante", conta. A parceria com os Irmãos Campana + Melissa, de certa forma, deu novo fôlego à Associação Comunitária de Mocotó. "A minha expectativa é de que sejamos divulgadas, cada vez mais valorizadas", aposta Rosinha.

Foi por meio de vídeo que ela recebeu a orientação do que deveria fazer com os fios reciclados. Depois de aprender, transmitiu para outras cinco mulheres, das quais apenas três participaram ativamente do processo. Do Sudeste, veio todo o material necessário para produzir 10 quadrados de crochê, além dos fios reciclados, duas agulhas número 10 para trabalhar com o plástico.

"Fizemos os pontos mais simples, que a gente já estava acostumada a fazer. O mais difícil foi só porque o fio era duro, aí tinha que aprender um jeito para poder correr o fio na agulha e ele puxar o ponto. Quando aprendi isso, foi super-rápido. Aliás, quando a gente aprende o jeitinho não tem trabalho que não se consiga fazer", conta Rosinha.

Difusão

Em Jericoacoara, as crocheteiras também não tiveram dificuldade. Em apenas um dia, elas produziram nove quadrados de crochê com os fios reciclados da Melissa. Antônia Janiele da Silva foi quem recebeu a ligação de São Paulo. "Na hora eu falei que a gente topava", lembra Jani, que, a princípio, nem quis saber se o trabalho seria remunerado ou não. "Depois falaram que ia ter sim uma gratificação e mandaram pra gente mil reais", conta. Sobre o material, as artesãs do litoral tiveram a mesma impressão que as do sertão. "Ele é mais pesado, mais grosso, tem que ter força. Não é macio como a linha de crochê, mas fica muito bonito o resultado", reconhece Jani. Após o término do trabalho, elas enviaram tanto as sobras como as agulhas de volta para São Paulo.

Legenda: Crocheteira de Jericoacoara realiza trabalho para Melissa e Irmãos Campana

Especializadas em moda praia, as crocheteiras da Associação Mundo Jeri já exportaram suas peças para vários países, tais como França, Argentina, Estados Unidos. Elas também enxergam nova oportunidade com a difusão via São Paulo e Milão. "Valorização e reconhecimento são duas palavras-chave. A gente não faz de qualquer jeito; capricha, valoriza os detalhes. É muito importante ter um estímulo, saber que as coisas ainda são valorizadas, que não fica só no industrial", identifica Jani.

A coordenadora institucional do Projeto Arrastão (SP), Katya Delfino, ressaltou a importância desse diálogo entre os coletivos em âmbito nacional. "Existe um movimento de resgate das tradições, um laço afetivo nesse fazer, e esse reconhecimento é muito importante para o Brasil não perder sua identidade, e para essas artesãs se sentirem reconhecidas pela importância e beleza do trabalho que realizam".

Ainda no primeiro semestre de 2019, a obra de arte colaborativa será apresentada no Fuori Salone, em Milão, um dos eventos mais importante do mundo para o setor de design industrial, especialmente para a área de mobiliário. As tramas cearenses atravessarão o oceano na mesma velocidade com a qual, em 2018, cruzaram o país.

Saiba Mais

- A nova coleção Melissa + Irmãos Campana apresenta três produtos que carregam aspectos da trama manual: duas sapatilhas, uma adulta e outra infantil, e uma bolsa.

- Parte da renda das vendas das coleções assinadas pelos irmãos é revertida para o Instituto Campana, cuja missão é utilizar o design como ferramenta de transformação social.

- A Associação de Crocheteiras Mundo Jeri existe desde 2010 e é formada por 18 mulheres que resolveram driblar a falta de dinheiro produzindo peças voltadas para moda praia em Jericoacoara.  Evilsa Marciano da Silva iniciou o trabalho com as filhas Jeiciele e Janiele, que aprenderam desde a infância a arte em crochê. 

- A Associação Comunitária de Mocotó, a 12 km do centro de Várzea Alegre, tem um trabalho voltado para produção de redes e outras peças de crochê que são vendidas para todo o estado. As irmãs Francisca Reinaldo (Ceilda), Maria Miguel (Rosinha) e Francisca Reinaldo (Cinete), esta última já falecida, fundaram o grupo em 1989.  

 

Assuntos Relacionados