O samba é feminino

Projeto em Fortaleza fomenta discussão sobre o protagonismo das mulheres nas rodas de samba da cidade há quase um ano

Escrito por Redação ,
Legenda: A cantora Marilene Sales é madrinha do projeto Samba Delas
Foto: Foto: Helene Santos

Desde que surgiram os primeiros batuques do samba, a presença feminina foi essencial para que essa cultura se perpetuasse. A afirmação é feita pela diretora e roteirista Susanna Lira em artigo escrito para a 23ª Ocupação do Itaú Cultural, que homenageou a cantora e compositora Dona Ivone Lara (1921-2018), em São Paulo, no ano de 2015.

Segundo ela, a trajetória representativa do feminino no samba passou por uma série de modificações até chegar ao panorama de atuação que temos hoje. "A visibilidade da mulher só ganhou notoriedade quando ela surgiu como musa inspiradora de grandes poesias que se tornaram clássicas canções. Pelo prazer de amar ou pela dor de ser traído, os compositores sambistas imortalizaram as suas paixões", dimensiona.

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"Com o passar do tempo, a imagem mais marcante e representativa do samba passou a ser o corpo feminino, especialmente o da passista, que carrega a coreografia da dança e a plasticidade da beleza hipnotizante da mulata", completa.

Distante desses simbolismos iniciais, a ascensão de figuras como a já citada Ivone Lara e também Dona Mocinha (1935-2011) e Pedrina de Deus (1951-2017) na seara musical local deram novo conceito e imagem ao samba feito por mulheres, influenciando gerações.

O Projeto Samba Delas é um dos que bebem dessa fonte de protagonismo. Nascido em dezembro do ano passado durante a comemoração do Dia Nacional do Samba, no Mercado dos Pinhões, o grupo de samba de roda foi idealizado por Michele Militão e a Astron Produções com a motivação de promover um espaço no ritmo que fosse para além das cantoras, apresentando também ao público as compositoras e instrumentistas da cidade.

"Afinal, o samba é extremamente fomentado por mulheres, como lá no início com a Tia Ciata e, por aqui, com a Dona Mocinha e Pedrina de Deus", explica Michele, destacando que o grupo se apresenta uma vez por mês dentro do projeto Quarta Iracema, promovido pelo Instituto Iracema e a Prefeitura Municipal de Fortaleza no Estoril, na Praia de Iracema.

Integração

Pelo desejo de agregar novas cantoras e instrumentistas ao grupo, não é possível mensurar quantas mulheres são envolvidas no Samba Delas. A cada mês, novas artistas são convidadas para compor a roda, em conformidade com a temática que é levada para o círculo. No último dia 26 de setembro, o tema foi amor, e músicas de Martinho da Vila, Alcione, Beth Carvalho, entre outros nomes de respeito no segmento, foram entoadas.

"Nossa base fixa, porém, conta com Marilene Sales, nossa madrinha e veterana nas rodas de samba da cidade; Micaela Gomes, como cantora, compositora e na direção musical; Clarisse Aires na flauta transversal; Clara Galvão no cavaco; Joyce Farias no violão de 7 cordas; e Kássia Oliveira e Flávia Soledade na percussão", enumera a idealizadora.

De Jovelina Pérola Negra (1944-1998) a Teresa Cristina, as referências da trupe são diversas, feito que se propaga na recepção do público. Conforme aponta Michele, a cada edição o retorno é positivo, apesar de algumas questões que insistem em permanecer.

Em suas palavras, "sempre somos questionadas de por que uma roda de samba só de mulheres e, vez ou outra, ouvimos uma crítica, mas são todas construtivas. O simples fato de o projeto existir já se criou uma normalidade de ter mulheres no circuito cultural da cidade sem ser no mês de março. E isso é um sentimento de construção. O carinho e amor que cada mulher envolvida tem pelo projeto tem sido o segredo do nosso sucesso".

Valorização

Indagada sobre o que falta para consolidar a cena de samba feita por mulheres na Capital, Michele é categórica: "Valorização, e falo como um todo. Toda casa de show quer samba em seu espaço, mas não valoriza os grupos em termos de cachê. Isso é importante, pois aqui temos um celeiro grandioso de músicos".

Por outro lado, pondera: "Quanto ao fato de sermos mulheres, precisamos lutar pela quebra do preconceito. Sinto que temos espaço para cantoras, mas as instrumentistas ainda têm um caminho grande para conquistar esse reconhecimento. É um ambiente ainda muito masculino".

O que falta alcançar em representatividade, sobra em movimento. Assim, as próximas apresentações do Samba Delas já podem ser marcadas na agenda. Além de eventos particulares, no dia 31 de outubro elas tocam no já tradicional encontro da Quarta Iracema, no Estoril.

Também participarão, no dia 24 de novembro, do Encontro Nacional de Roda de Samba de Mulheres, ação que envolverá dez capitais do Brasil e uma em Buenos Aires com a proposta de um batuque simultâneo dos grupos envolvidos, a partir das 17h. Por aqui, o som vai ecoar no entorno da Mocinha com o Bar Teresa e Jorge, na Rua João Cordeiro, tradicional espaço de samba da cidade. 

Saiba mais

Conforme aponta Michele Militão, o projeto Samba Delas é o único feminino da cidade no formato roda de samba. Embora contemplando outros vieses do gênero, mais grupos da Capital dão especial relevo à presença das mulheres em sua formação. Conheça alguns deles:

Samba da Vadiagem

Projeto da cantora e compositora cearense Micaela Gomes, iniciou as atividades com uma parceria entre músicos amigos. O objetivo era exaltar o sentido genuíno do samba de raiz, samba de roda e cirandas, ou seja, ritmos de tempos atrás tidos como "vagabundagem". "Subliminar", primeiro CD solo da turma - composta majoritariamente por mulheres - traz músicas de autoria de Micaela, transitando entre samba de roda, maracatu e ritmos africanos.

Banda Eva Cidreira

Criada em 8 de março de 2014, é formada pelas irmãs Mona e Munique Mendes (além de algumas parcerias) e traz uma combinação expressiva de sons instrumentais, cuja ênfase é no samba de raiz.

Grupo Capital do Samba

A cantora e professora universitária Malena Monteiro é uma das que comandam a trupe, surgida com o propósito de difundir e valorizar o samba na Capital. Com Malena, estão a advogada Laura Xavier (percussão), o jornalista Sílvio Mauro (voz e violão) e o funcionário público Gledson Páscoa (percussão).

Sedusamba

Liderado por Marilene Sales, o grupo também tem Marcelo do Cavaco em sua formação.

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