O amor ganha forma

Técnicas de reprodução assistida ajudam casais homoafetivos a realizarem o sonho de se tornarem mães ou pais biológicos

Escrito por Redação ,
Legenda: Thais Melo e Lindinalva Vasconcelos com o filho Levi, nascido em março deste ano
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

Era um sábado comum, 31 de março de 2018. O dia estava tranquilo para as funcionárias públicas Lindinalva Vasconcelos e Thais Melo, até a chegada antecipada de um presente especial, um menino chamado Levi. A data foi precedida por histórias de encontros e aceitação.

A pernambucana Lindinalva, 36 anos, conheceu a esposa por meio das redes sociais. Incentivada por amigos em comum, começou a conversar com a cearense Thais, 38 anos, em janeiro de 2008. Foi amor à primeira mensagem. "Eu me apaixonei por ela só de conversar. No outro dia, só pensava nela. Em fevereiro do mesmo ano, fui conhecê-la em Caruaru. Em março, fui para lá de novo e em agosto já estava me mudando", conta Thais.

Após seis anos de namoro e convivência, decidiram ter um filho. "Esperamos a vida se organizar para pensarmos melhor e até termos nosso canto", recorda a cearense, relatando a mudança do casal para Cajazeiras, na Paraíba. Já em 2015, Fortaleza era o novo lar de Lindinalva e um retorno para Thais. Elas decidiram que a cidade testemunharia o crescimento da família. Três anos se passaram até a concretização do sonho. Levi nasceu gestado por Thais, que sempre quis ser mãe. Elas recorreram à fertilização in vitro, uma das técnicas de reprodução assistida que possibilitou a maternidade biológica desejada.

Lindinalva acompanhou todo o processo, lembrando, com os olhos marejados, o momento em que pôde cortar o cordão umbilical do filho. A criança nasceu prematura, dois meses antes do previsto, porém a antecipação não ocasionou complicações extremas. "Quando ele chorou, e a gente viu que estava respirando, nem acreditamos. Tinha dado tudo certo. Foi uma felicidade indescritível", lembra Thais.

Por direito

Thais e Lindinalva só estão relatando essa felicidade agora graças às mudanças recentes da legislação. O Conselho Federal de Medicina (CFM) é o órgão que estabelece as regras para o uso das técnicas de medicina reprodutiva no País, mas somente em 2015 foi garantido aos casais homoafetivos o direito de ter acesso a elas. Segundo o CFM, a medicina não tem preconceitos e deve respeitar a todos igualmente.

"A atual legislação finalmente começa atender as novas demandas da sociedade moderna, estabelecendo a todas as pessoas, independentemente de seu estado civil ou orientação sexual, o direito de poder fazer uso dos avanços da medicina, a fim de se tornarem pais e mães", afirma o especialista em Reprodução Assistida Daniel Diógenes, diretor da Clínica Fertibaby Ceará, que acompanhou o tratamento de Thais Melo.

Mesmo com a resolução do CMF e com o significativo crescimento anual de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, legalizado desde 2013, o número de casais homoafetivos que utiliza as técnicas de medicina reprodutiva ainda é considerado pequeno, quando comparado ao de casais heterossexuais.

Os tratamentos de reprodução assistida realizados em clínicas especializadas são a única maneira pela qual casais homossexuais podem ter filhos quando não estão interessados em adotar uma criança. "Os métodos utilizados podem ser tanto a inseminação intrauterina quanto a fertilização in vitro", explica Daniel Diógenes. Segundo o especialista, as taxas de sucesso são similares às dos casais heterossexuais, com a grande vantagem de que, muitas vezes, o casal homoafetivo não possui nenhum problema de fertilidade, facilitando o sucesso dos tratamentos.

Mães e pais biológicos

No processo da fertilização em casais, como Lindinalva e Thais, o material espermático é obtido por meio de doação anônima, nos bancos de sêmen. As mulheres escolhem apenas as características físicas do doador, que assina um consentimento abrindo mão dos direitos e deveres relacionados à criança. Os dados de quem doa e de quem adquire são sigilosos. No Brasil, ainda são poucos os bancos de sêmen, para os quais as mulheres interessadas em reprodução assistida podem recorrer.

Já no caso das uniões formadas por homens, a gestação só é possível graças à "barriga solidária" e à doação de óvulos. Sem uma pessoa da família até o quarto grau de parentesco - a exemplo de mãe, avó, irmã, tia ou prima de um dos pacientes - que aceite gestar o bebê, é impossível para um casal masculino ter um filho biológico no Brasil. A legislação proíbe qualquer mulher de lucrar com o "empréstimo" do útero, por caracterizar transação comercial ilegal no Brasil.

Para concretizar a paternidade biológica, os homens também dependem das clínicas de reprodução humana para obter óvulos de doação, sem envolver questões financeiras. Assim como no caso dos espermatozoides, a doação dos óvulos deve ser anônima, e as únicas informações repassadas aos casais interessados são características físicas.

Os espermatozoides usados na fecundação podem ser apenas de um dos parceiros ou de ambos. "Essa decisão compete ao casal, mas também pode ser tomada com base na avaliação do esperma, histórico de saúde familiar e no aconselhamento do especialista em reprodução assistida que está acompanhando o caso", explica o médico.

De acordo com Daniel, para um casal de homens, a única técnica de reprodução a ser utilizada é a fertilização in vitro. "As mulheres têm como opção também a inseminação artificial porque podem utilizar os próprios óvulos e útero. No caso dos homens, os óvulos são doados e o útero é de outra mulher, por isso, a fertilização in vitro é a única opção", conclui.

Naturalidade

Para além dos trâmites e leis que facilitaram o nascimento de Levi, Thais e Lindinalva ficaram surpresas com o acolhimento de familiares e amigos: "Não sentimos preconceito, talvez estranhamento por ser uma situação nova. Quando entramos na UTI para visitá-lo, falaram: 'só pode entrar os pais'. Então respondemos: 'aqui são duas mães'. E no mesmo instante ajeitaram a plaquinha dele".

Thais ressalta que a decisão de ter uma criança foi repensada e planejada. "Tem que estar disposto a dizer pra sociedade que você faz parte de uma família. É preciso estar bem resolvido para ter um filho. Não é só dizer 'eu sou gay', mas é 'eu sou gay e não me incomodo que as pessoas saibam disso. Não vou me esconder, não tô aqui pra isso'".

E de forma natural, Levi, Lindinalva e Thais, com a cadelinha Amy e as gatas Pitty e Frida, constroem um lar, priorizando o respeito e o amor acima de tudo. "Ninguém é obrigado a ser nem pensar igual. A educação que a gente quer dar pra ele é de que as pessoas são diferentes, mas elas se amam mesmo assim, com todas as diferenças".

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