Nordeste fantástico

Em cartaz na cidade de São Paulo, exposição "Bestiário nordestino" chega a Juazeiro do Norte em janeiro de 2019. Mostra reúne 40 representações de seres fantásticos em xilogravura

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@diariodonordeste.com.br
Legenda: Obra "Equidna", de Rafael Limaverde, idealizador e curador da mostra

Do latim "bestia" ("animal", em português), o termo bestiário faz referência a um gênero literário medieval que se vale da descrição física e de comportamentos de animais, reais ou imaginários, para a construção de fábulas de caráter moralizante. Repletas de amplos sentidos - negativos ou positivos - as criaturas ocupam o primeiro plano no imaginário cristão da Idade Média. De dragões, crocodilos e leões até asnos, porcos, unicórnios, aves e peixes, simbolizam valores como o mal, a imortalidade e a astúcia.

É nesse instigante universo de representações que a exposição "Bestiário Nordestino" mergulha na tradição do termo descrito e estabelece conexão com artes de forte identidade regional. A mostra - inédita no País - está em cartaz na Fundação Nacional de Artes (Funarte), no espaço da Galeria Mario Schenberg, em São Paulo, até 25 de novembro, após ter sido contemplada pelo Prêmio Funarte Conexão Circulação Artes Visuais. Passada essa temporada, "Bestiário Nordestino" ganhará espaço no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), em Juazeiro do Norte, Ceará, a partir de 4 de janeiro de 2019, ficando em cartaz por 45 dias. Na sequência, parte para o espaço homônimo em Sousa (PB). Tudo gratuito.

O trabalho traz como objeto de apreciação as xilogravuras, conhecidas por ilustrar histórias de cordéis, com ênfase nas criaturas fantásticas que permeiam a cultura regional e em narrativas inspiradas em contos medievais. "Esses seres sempre estiveram muito fortes no imaginário nordestino", ressalta o ilustrador, chargista e cartunista Rafael Limaverde, idealizador da mostra. "Há muito o fantástico permeia meu trabalho artístico. Logo me surgiu a curiosidade de conhecer outros artistas que também possuem trabalhos nessa linha e percebi que muitos usavam a xilogravura como técnica. Me encantei com o que encontrei. Daí surgiu a ideia de socializar essa pesquisa por meio de uma exposição", detalha.

A investigação começou em 2015, quando Rafael Limaverde convidou Marquinhos Abu - grafiteiro, arte-educador e produtor - para integrar a iniciativa. Dividindo a curadoria, realizaram a primeira exposição em 2016 na Temporada de Arte Cearense (TAC), do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza.

Legenda: Acima, xilogravura "O dragão", do cearense Walderêdo Gonçalves (1920- 2005), acervo do Mauc

Cearenses

Na esteira da ideia de Limaverde, 23 artistas de diferentes cidades integram o trabalho desde essa época, totalizando 40 obras. São nomes como Abraão Batista, Stênio Diniz, Nilo (Juazeiro do Norte-CE), José Costa Leite (Condado-PB), Sebastião de Paula, Francisco de Almeida, Carlus Campos (Fortaleza-CE), Maurício Castro e Lourenço Gouveia (Recife-PE). O próprio idealizador possui obras no catálogo, além de J. Borges (Bezerros-PE), Carlos Henrique, Guto Bitu e Adriano Brito (Crato-CE).

O xilogravurista e grafiteiro Carlos Henrique se diz satisfeito pelo caráter itinerante da exposição. "É uma maneira de mostrarmos que o Cariri também é parte desse processo artístico, possui relevância nesse contexto".

A peça que ele levou para o projeto é a representação do que chama de "Peixe Fukushima" - espécie de peixe mecânico com partes humanas -, realizada à época do desastre nuclear ocorrido em 2011, no Japão, e que dialoga com o universo bestiário.

Já Sebastião de Paula, que ilustra nossa capa, possui dois trabalhos na mostra, ambos da série "O Bestiário", desenvolvida na década de 1990 e que inclui 15 xilogravuras. Para o realizador, fica evidente o quanto a mostra, ao circular, possibilita a abertura de espaços. "Para a gente circular individualmente é bastante difícil, mas, coletivamente, o panorama melhora, dando lugar para que possamos mostrar um trabalho criativo, de muita qualidade".

Em especial, vale o destaque aos artistas Damásio Paulo, Walderêdo Gonçalves (1920-2005), Antonio Lino e Justino P. Bandeira. Os quatro, além de alguns anônimos, têm trabalhos no acervo do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc). As xilogravuras do espaço são consideradas a maior coleção de matrizes do País e, com a itinerância da mostra, tornam-se as primeiras a ser apresentadas em outro ambiente.

"Já tinha visto que muitos artistas do acervo do Mauc possuíam trabalhos dessa natureza. Entramos em contato com o então diretor do equipamento, em 2016, o professor Pedro Eymar (hoje aposentado), que, solícito, permitiu a impressão e exposição dos mesmos", recorda Limaverde.

Maior visibilidade

Como a logística para transportar uma obra original é cara - incluindo laudo técnico, profissional para acompanhar a peça durante saída e entrada no novo espaço, um courier e seguro - foi ofertada uma alternativa para os organizadores realizarem cópias.

Graciele Siqueira, diretora do Mauc, dimensiona que o museu e a UFC foram pioneiros em preservar a xilogravura como arte nacional. Com "Bestiário Nordestino", ela acredita em uma maior visibilidade para essa cultura.

"Também otimizamos a promoção do trabalho de artistas que seriam considerados regionais. E conferimos maior relevância à própria instituição. Circular com esse acervo é muito importante para a cultura brasileira", avalia Graciele.

Conheça alguns seres de "Bestiário"

Bicho de sete cabeças:

Na mitologia grega, também conhecido como Hidra. Trata-se de uma serpente gigante, habitante dos pântanos da Grécia, que só pode ser derrotada ao ter o coração perfurado. Uma peculiaridade é que se um homem cortar uma de suas cabeças, outras três nascem no lugar.

Equidna

De alma violenta, a criatura tem o corpo dividido: metade de uma jovem mulher, com linda face e belos olhos; a outra metade, uma enorme serpente malhada e cruel. Vive nas profundezas da terra, distante dos deuses e dos homens. Em algumas narrativas da mitologia, consta que foi gerada da união de Tártaro e Gaia.

Pazuzu

Rei dos demônios do vento na mitologia Suméria, filho do deus Hanbi. É frequentemente representado por uma criatura de corpo humano, cauda de escorpião e corpo revestido de escamas.

Dragões

São representados como criaturas hostis e impiedosas, possuindo enormes garras e dentes afiados. O tamanho costuma ser descomunal, com mais de 23 metros. Segundo a mitologia grega, muitos dragões ainda permanecem aprisionados desde a época da divisão pelos deuses primevos do caos.

Serviço:

Exposição "bestiário nordestino"

De 4 de outubro a 25 de novembro na Funarte SP - Galeria Flávio de Carvalho (Alameda Nothmann, 1058, Campos Elíseos - São Paulo/SP). Gratuito. A partir do dia 4 de janeiro de 2019 no Centro Cultural Banco do Nordeste de Juazeiro do Norte (R. São Pedro, 337, Centro). Contato: (11) 3662.5177

 

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