Mistério da Taça Jules Rimet inspira livros e filmes

Símbolo ufanista no Brasil, o objeto sobreviveu ao nazismo, foi salva por um cão inglês e terminou derretida por um argentino

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@diariodonordeste.com.br

Dois anos antes da primeira Copa do Mundo, realizada em 1930 no Uruguai, os engravatados da Fifa decidiram criar uma taça como forma de recompensar o país vencedor pela conquista. Coube ao artesão Abel Lafleur (1875 - 1953) a tarefa de formatar a ideia dos mandatários. Esculpida em ouro, sob uma base de mármore, a peça alusiva a Nice, a deusa grega da vitória, foi batizada de Jules Rimet (1873-1956). O mérito explicava os esforços do cartola francês em prol da criação do certame mundial.

Mais de meio século após ser ser esculpida, o objeto foi afanado da sede da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Na noite de 19 de dezembro de 1983, ladrões invadiram o prédio número 70, localizado na Rua da Alfândega, no Centro do Rio, subiram até o 9º andar e levaram, além da Jules Rimet, as Taças Jarrito de Ouro, Independência e Equitativa.

Orgulho verde-amarelo, o objeto estava na posse da entidade. Fora entregue aos brasileiros após os sucessos da seleção canarinha nas Copas de 1958 (Suécia), 1962 (Chile) e 1970 (México). 35 anos se passaram e o rastro de mistério em torno do crime ainda povoa o imaginário cultural. Segundo a versão da polícia, a Rimet foi derretida no dia seguinte. Entretanto, o sumiço foi só um capítulo na história da cobiçada honraria. Antes mesmo do melancólico desaparecimento em terras tupiniquins, a taça já havia atiçado o universo do entretenimento.

Futuro

Em 1961, Ronald Golias (1929-2005) e Grande Otelo (1915-93) encenaram o desaparecimento no filme "O Homem que Roubou a Copa do Mundo" (1961). A comédia, guiada por Victor Lima (1920-1981), colocou a atrapalhada dupla no encalço dos criminosos. Todavia, ao acessar os fatos, a produção acertou ao prever não o crime realizado no Brasil, mas o primeiro sumiço da Taça ocorrido cinco anos depois. Justamente na Terra daqueles considerados como os criadores do esporte Bretão: a Inglaterra.

Outros perigos chegaram a rondar a Rimet em sua história. Em 1939, com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) tinindo, o então vice-presidente da Fifa, Ottorino Barassi (1898-1971), removeu a taça do banco onde ela era mantida em Roma e a guardou numa caixa de sapato sob a cama. Tudo isso para impedir que forças nazistas tomassem a escultura.

Em 1966 não houve jeito. No ano onde os britânicos sediaram o Mundial de Futebol, a Rimet foi levada do Center Hall de Westminster, em Londres. A tradicional Scotland Yard caiu em campo na tentativa de elucidar o caso. O vexame teve fim quando o distinto senhor David Corbette decidiu passear com seu cão. Pickles foi fazer as necessidades num arbusto e localizou o reluzente objeto enrolado em jornais. O feito do simpático "dog" salvou a barra dos ingleses que se sagraram campeões naquele ano.

Comoção nacional

Jogando o fino da bola, o esquadrão de 1970, considerado um dos grupos mais fantásticos na história da Seleção goleou a Itália no México e trouxe a Rimet definitivamente para o Brasil. O espírito da Copa embalado pela marchinha "Pra Frente Brasil" evocava 90 milhões em ação. A vitória eclipsava os acontecimentos em torno da Ditadura Militar no Brasil, piorada ainda mais com o Ato Institucional número 5 implantado dois anos antes.

Legenda: Paulo Tiefenthaler (Peralta) e Danilo Grangheia (Borracha) entram na sede da CBF na maciota
Foto: Divulgação

"1970 concretizou a ideologia da vitória. Essa ideologia de que nós podíamos tudo. E de que nós éramos uma nação, um povo", comentou a antropóloga Simoni Lahud Guedes no especial de TV "O Roubo da Taça Jules Rimet", exibido pela rede Globo em 2006 no extinto programa "Linha Direta". O episódio foi dramatizado e contou com o depoimento de ex-jogadores como Pelé, Rivelino e o "Canhota de Ouro" Gérson.

"Pero que si, pero que no"

O DN Esporte de 21 de dezembro estampou: "Levaram notável lembrança da Copa de 70". "O roubo ocorreu às 21 horas, quando dois homens negros, altos e armados renderam o vigia João Batista Maia, de 55 anos, que, ameaçado de morte, foi levado ao nono andar, onde ficou amarrado e amordaçado. A vitrina foi arrombada pelos ladrões, que, na opinião da polícia, teriam penetrado pelos fundos do prédio e demonstraram um perfeito conhecimento do seu interior", detalhava a reportagem.

Meses se passaram, suspeitos ouvidos e as pistas raras. No clássico movimento "X9" da bandidagem, o então arrombador de cofres conhecido como Broa entregou o esquema. O roubo teria sido planejado por Sérgio Peralta e executado por Chico Barbudo e Luiz Bigode. A taça teria sido derretida pelo comerciante argentino Juan Carlos Hernandez.

O trio foi condenado a nove anos de prisão no ano de 1988. O hermano, dono da empresa "Aurimet" (junção de "ouro" com "Rimet") pegou xadrez por outro crime, o de tráfico de drogas. O ouro recolhido no escritório do estrangeiro foi trocado por latão na sede da Polícia Federal.

 

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