Jazz em Cena celebra última obra do guitarrista Rodrigo Gondim hoje (19)

O tributo marca o início da temporada 2019 do projeto; a noite também conta com o lançamento de "Ritornelo", nome do álbum e songbook póstumo

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@diariodonordeste.com.br

O "ritornelo" delimita o trecho de uma partitura. Tal marcação pode se repetir uma ou mais vezes durante a execução da música, conferindo ao termo o status de refrão. Em linhas gerais, pode ser considerado o ápice de uma composição. Trata do instante sonoro irretocável, apto a ser ouvido ao longo de outros momentos.

Por conta destas características, o termo foi acolhido como homenagem à memória do guitarrista cearense Rodrigo Gondim (1980- 2008). Assim, "Ritornelo" é ressignificado ao carinhosamente nomear tanto o álbum como o songbook (livro de partituras) do músico. O material póstumo foi lançado em abril de 2018, durante evento no Theatro José de Alencar. A noite reuniu público, parceiros de palco e familiares diante do derradeiro trabalho criado pelo realizador.

Outra oportunidade para celebrar este precioso repertório acontece hoje (19), às 19h, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB). O espetáculo "Tributo a Rodrigo Gondim" abre a segunda temporada do projeto "Jazz em Cena" com uma poderosa big band, composta por 14 reconhecidos músicos do cenário musical de Fortaleza.

A apresentação conta com direção do saxofonista Bob Mesquita. A formação contempla cobras de diferentes gerações, sendo uma boa parte amigos diretos de Rodrigo. Além de Mesquita, sobem ao palco Thiago Rocha (sax tenor/flauta), Lucas Marden (sax tenor/flauta), Tony Castro (sax alto), Carlos Iuna e Hanry Gael (sax barítono), Jean Ximenes (clarinete) e Cláudio "Arroz" George (trompete/flugelhorn).

A banda é completada com as presenças de Ricardo Abreu (trompete/flugelhorn), Allyson Oliveira (trompete), Jeovah Pinheiro (trompete), Rômulo Santiago, Isaías Baterone (trombones), Luis Hermano Bezerra (contrabaixo) e André Benedecti (bateria). Vale citar a participação especial da cantora Andrea Piol.

E assim ficou

A musicista Julianne Frenkiel, viúva e mãe da filha de Rodrigo, compartilha que após um tempo guardadas, era momento destas músicas serem compartilhadas com o público. "Rodrigo deixou tudo escrito, organizado, com os solos que ele gostaria que estivessem. Esse disco era o próximo projeto dele, estava no ponto de ser produzido", resgata.

Bob Mesquita fala do parceiro com admiração. Reforça ter testemunhado a gradativa evolução das composições presentes em "Ritornelo". O desafio ao final de 2017 foi recriar as ideias musicais deixadas pelo guitarrista. Entra em cena então o reforço do produtor e jornalista Dalwton Moura. "Era o momento de festejar essa obra e os 10 anos que esse grande homem nos deixou", divide.

O songbook organiza 28 partituras de composições do guitarrista e ainda traz fotos e depoimentos de amigos, como Felipe Cazaux, Marcelo Holanda, Marcos Maia e Daniel Groove. Nove destas criações acabaram sendo registradas no disco. Sob o signo do jazz, elementos como afoxé, samba, rock e valsas foram diluídos na obra. Tal fôlego por diferentes vertentes, ilumina e representa bem a trajetória escrita pelo homenageado.

"Acho que é um disco muito rico, com frases incríveis e muito criativo. Conseguimos perceber que cada faixa é um estilo diferente, ele gostava de fazer essas brincadeiras. Gravar um samba, às vezes uma bossa, um baião. Era muito diversificado", aponta Julianne.

Rodrigo estudou Música na Universidade Estadual do Ceará (Uece), onde passou a se destacar pela organização e disciplina na guitarra. Fora do meio acadêmico, integrou bandas de pegadas distintas. Foi do heavy metal (Dreamatory) ao blues (Double Blues). Nesta última ao lado do baterista Marcelo Holanda e do guitarrista Felipe Cazaux. Com ele também integraria, juntamente com o professor, violonista e guitarrista Marcos Maia e com o baixista Tiago Fechine, o grupo Jazzen, tocando na noite de Fortaleza.

Na banda O Sonso, tinha a companhia de Julianne nos teclados, além dos amigos Daniel Groove e Daniel ajudante. Percorreu festivais e espaços da época, como Ceará Music e Anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). Juntos emplacaram canções crivadas de um rock pop contemporâneo. "E assim ficou", por exemplo, virou hit, com direito a clipe musical exibido frequentemente em emissoras de TV locais.

Exemplo

Com o projeto em evidência, a turma optou por migrar para São Paulo. Tudo transcorria bem e um disco do grupo estava em processo adiantado de finalização. Gondim terminou as sessões de gravação da guitarra em uma terça-feira e voltou a Fortaleza para apresentações na cidade. Na quinta-feira dividiu o palco do CCBNB, em dois shows com Bob Mesquita. Tocou ainda no dia seguinte com Marcelo Holanda e o baixista Fábio Amaral no Café Pagliuca.

O "Absurdo", como era conhecido pelos amigos por conta da sensibilidade e virtuosidade, morreu no domingo seguinte, vítima de uma dengue hemorrágica. Tinha apenas 28 anos e deixara uma filha recém-nascida. Em paralelo ao universo do rock/pop, guardava elogiada carreira no território do jazz e planejava um mestrado em música pela Terra da Garoa.

Bob Mesquita provoca uma outra perspectiva acerca de "Ritornelo". Ao observar pela perspectiva de alguém de fora, reconhece no álbum a valorização da música nordestina, dos músicos e da música cearense. Esse registro, essa memória é importante para constatar e até incentivar outros criadores. "Depois da gravação desse disco, eu por exemplo, gravei meu disco. O Stenio Gonçalves também gravou o dele. Que esse trabalho sirva de lição e incentivo para que os músicos gravem e componham. Que sirva de memória e legado para música cearense instrumental", adverte o saxofonista.

O projeto Jazz em Cena trilhou em 2018 um caminho marcado pela celebração de imortais do gênero mundial. Sempre gratuito, reuniu plateias cearenses em torno da musicalidade de mestres, sempre tendo como norte a participação de músicos locais no leme das apresentações. Hoje, escreve outro capítulo dentro das apresentações ao mergulhar no acervo autoral do Ceará. O evento recupera a pequena, porém intensa e lembrada jornada de Rodrigo Gondim enquanto artista e criador.

Assuntos Relacionados