"Infiltrado na Klan" resgata luta contra o racismo

Publicada no Brasil pela editora Seoman, livro detalha as investigações do policial Ron Stallworth sobre crimes de injúria racial no sul dos Estados Unidos. Livro foi adaptado para os cinemas por Spike Lee e produção homenageia o cinema negro dos anos 1970

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@diariodonordeste.com.Br
Legenda: Ron Stallworth (John David Washington) e Laura Harrier (Patrice Dumas) conversam sobre cinema negro enquanto combatem criminosos da KKK no Sul dos Estados Unidos
Foto: Divulgação

Admitido em junho de 1974 como policial da cidade de Colorado Springs, Ron Stallworth tinha apenas 21 anos e era o primeiro negro a integrar aquela corporação. “Dizer que a sensação foi boa não faz jus à verdade. Eu havia feito história e sabia que o que quer que estivesse à minha frente seria ao mesmo tempo gratificante e emocionante”, conta o ex-oficial no livro de memórias “Infiltrado na Klan”. 

Stallworth estava certo ao especular sobre a futura carreira. Quatro anos depois do ingresso, após ler um anúncio de jornal feito pela Ku Klux Klan, abominável grupo racista dos Estados Unidos, o investigador tomou a iniciativa de entrar em contato com a caixa postal divulgada. Identificou-se como homem branco e interessado na filiação. Duas semanas depois recebeu o telefonema de um organizador local da KKK. 

Além de ter informado o próprio nome ao criminoso, erro crasso quando se tenta infiltrar e investigar uma gangue, Stallworth confirmou um encontro com a figura identificada como Ken O’ Dell. Explodia a dúvida. Como o policial negro ia adentrar o covil daqueles supremacistas brancos? É onde entra na história o personagem Chuck, nome fictício de um companheiro da divisão de Narcóticos.  

Estratégia

Agindo apenas por telefone, Stallworth era a voz e Chuck seria o rosto. O propósito do serviço de inteligência era identificar a crescente ameaça da Klan e prevenir qualquer tipo de ato terrorista que pudessem realizar. “Se um homem negro, auxiliado por um punhado de brancos e judeus bons, decentes, dedicados, de mente aberta e liberais, pode conseguir prevalecer sobre um grupo de racistas brancos, fazendo-os parecer os idiotas ignorantes que realmente são, então imagine o que uma nação de indivíduos que compartilham das mesmas ideias pode conseguir”, explica o autor.  

As lembranças do investigador são costuradas com um texto ágil e repleto de referências sobre a sociedade norte-americana do final dos anos 1970. Armado de humor e aspectos da literatura policial, “Infiltrado na Klan” revela um episódio de coragem e busca por justiça. A dupla conseguiu impedir as “queimas de cruzes” (um dos muitos símbolos e atos doentios desta organização), denunciou a participação de integrantes das forças armadas entre os racistas e o trabalho atingiu até mesmo a criatura chamada David Duke, então “grande mago” da Klan na época. 

O trabalho de Stallworth denuncia o racismo como algo naturalizado até mesmo nas instituições policiais. Traz à tona um rastro de ódio ainda perene no contemporâneo. Em agosto de 2017, manifestantes da extrema-direita dos EUA tomaram as ruas da pequena cidade universitária de Charlottesville, localizado no Estado americano de Virgínia. Centenas de homens e mulheres carregando tochas, faziam saudações nazistas e gritavam palavras contra negros, imigrantes, homossexuais e judeus. A batalha do ex-policial continua cada vez mais viva. 

Escute uma seleção de trilhas do cinema blaxploitation


Surgido no início dos anos 1970, a 'Blaxploitation' reuniu nomes do black, funk e soul nas trilhas sonoras dos filmes. Isaac Hayes, Marvin Gaye, James Brown foram alguns que contribuíram com esse cinema. Na imagem da playlist, reprodução de "Coffy" (1973), estrelado por Pam Grier. 

Adaptação

O relato do autor e os eventos ocorridos em Charlottesville instigaram mais uma obra de Spike Lee. Premiado com o Grand Prix de Cannes, a adaptação para o cinema estreou dia 22 de novembro no Brasil e a produção homônima segue firme como candidata a várias categorias do próximo Oscar. Adentrando a estética dos filmes "blaxploitation", gênero cinematográfico surgido no início dos anos 1970, o cineasta de 61 anos esgarça acontecimentos nefastos e estabelece uma amarga visão do atual contexto mundial, no qual expressões de ódio e intolerância estão presentes na mídia e política.

A dica do livro foi dada por Jordan Peele, diretor do elogiado “Corra!” (2017). Peele também assina a produção de “Infiltrado na Klan” (“BlackKklansman”, no original). Retomando o resgate histórico de trabalhos anteriores, caso mais notório de “O Verão de Sam” (1999), Lee se serve do humor para narrar boa parte das situações absurdas dessa história. Didático em alguns momentos, como no momento em que Ron Stallworth (John David Washington) e Laura Harrier (Patrice Dumas) conversam sobre Foxy Brown, Cleopatra Jones e Shaft, alguns dos personagens ícones da blaxploitation.   

Lee, no entanto, recupera a crueldade do tema e aponta o dedo na ferida em instantes pontuais da obra. Os discursos racistas dos integrantes da KKK e até mesmo uma repugnante exibição de “O Nascimento de uma Nação” (1915) estão presentes. A emocionante participação de Harry Belafonte no filme é outra força. Aos 91 anos, o ator dá vida a um ativista da causa negra. Testemunha de todo o horror proporcionado pela ignorância.  

Para completar a imersão, o diretor usa imagens reais dos protestos racistas ocorridos em Charlottesville. A mensagem de coragem protagonizada por Ron Stallworth é conduzida por Lee como um alerta para os dias atuais.  

Livro
"Infiltrado na Klan"


Infiltrado na Klan 
Ron Stallworth
Seoman
218, 216 páginas
R$ 39,90

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