Espetáculo "Histórias de Acordar o Amanhã" conta história da Cia Vidança

Em apresentação única, montagem aborda também relação da Associação com o bairro Vila Velha, onde é sediada

Escrito por Diego Barbosa , verso@verdesmares.com.br
Legenda: Sessenta bailarinos mesclam diferentes técnicas da dança no palco do Cineteatro São Luiz
Foto: Foto: Kid Júnior

Não é difícil ser fisgado por um sorriso nos corredores da Associação Vidança. Revestida de delicadezas do chão ao teto - como dá para ver nas garrafinhas de plástico suspensas com dizeres que traduzem o sentimento do mundo - a casa é espaço onde transita uma farta quantidade de pessoas destinadas a enxergar, na arte, melhores perspectivas de vida e futuro. Os doces olhares e gentilezas gratuitas vêm a tiracolo desse investimento no pequeno, disso que vai se agigantando até se tornar coisa incontrolável e se reflete em atos que dão gosto tornar conhecimento de todos.

Ray da Silva, de 8 anos, é um dos que se valem das miudezas do ambiente para perseguir o sonho de se tornar bailarino profissional. O garoto iniciou as atividades na companhia no início deste ano - "no dia do meu aniversário, dia 8 de janeiro", faz questão de destacar - e, desde a data, tem revitalizado a paixão pelo movimento corporal, tornando-o presente diário. "Eu nunca tinha feito aula de balé antes. Mas, aí, quando cheguei aqui por uma amiga minha, comecei a ficar interessado. Hoje, gosto muito do balé clássico", revela.

Quando perguntado quem é sua maior inspiração na dança, ele timidamente aponta para Bárbara Araújo Saldanha, aluna veterana da instituição. Com 14 anos de idade, há seis ela divide experiências com professores e amigos e já se apresentou em vários palcos da cidade por meio da escola, não disfarçando o quanto é apaixonada pelo que faz. "A dança é o que mais amo fazer. É a única coisa onde realmente encontro prazer, em que me sinto bem fazendo. Não tem como explicar com palavras, eu simplesmente amo".

Dois sonhadores, duas trajetórias de apego à arte que unirão particularidades e virarão fluxo comum nesta sexta-feira (7), a partir das 19h, no Cineteatro São Luiz. É lá que acontecerá a apresentação do espetáculo "Histórias de Acordar o Amanhã", montagem da Vidança que atravessa a trajetória da casa ao rememorar pessoas, fatos, conquistas e, de forma especial, a relação que desenvolve com o entorno, com as ruas e moradas do bairro Vila Velha, na Capital.

Legenda: Ray da Silva, que passou a frequentar a Vidança neste ano, integra a montagem
Foto: Foto: Kid Junior

Vivências

A idealização e direção da empreitada são assinadas por Anália Timbó, fundadora do projeto. Em conversa animada com o Verso, a coreógrafa e bailarina explica que o espetáculo surgiu a partir de vivências realizadas com as mais de 200 crianças participantes da instituição. Durante esses momentos, uma pergunta foi definitiva para dar o pontapé à ação e alavancar trabalhos: como elas chegaram ao Vila Velha?

"Sempre no início de cada semestre, quando as crianças chegam, buscamos conhecê-las por meio dessa questão. É uma forma de elas conversarem com as mães, avós e vizinhos e perguntarem a história do bairro. Com isso, sabem que a população que hoje vive aqui veio do Pirambu, das Goiabeiras, dessas áreas próximas à praia, por exemplo. E elas formaram um imenso mutirão construído por famílias em um ambiente que antes era de mangue, de salinas", detalha.

"Daí vieram os desejos, os sonhos da casa própria, e são essas coisas que elas compartilham com os amigos e viram gatilho para a idealização do espetáculo", completa. A fundadora salienta que os mesmos contornos do bairro se confundem com os 37 anos de história da Vidança, completos neste ano. Vale mencionar que a instituição nasceu às margens da Barra do Ceará e se fixou, logo depois, no Vila Velha, tornando-se, desde então, um dos principais polos de fruição da dança na cidade.

Legenda: Tecidos feitos de material reciclado compõem o figurino do espetáculo, elaborados por meio de atividades formativas na escola
Foto: Foto: Kid Júnior

Codificações

Os atravessamentos se refletem na coreografia da montagem ao evocar movimentos advindos da própria capacidade das crianças de dramatizar, interpretar e codificar, na dança, aquilo que carregam enquanto história de vida. "Não são movimentos livres, porém", ressalta Anália. "Vamos moldando essas expressões em uma dinâmica só, levando em conta o percurso delas, criando e colocando em sala de aula atividades que visam resgatar a fala através da palavra, da fala, do olhar".

Produção coletiva

No total, 60 bailarinos protagonizarão esses momentos no palco, contando com recursos musicais e visuais capitaneados por outras iniciativas formativas da instituição. A trilha sonora, por exemplo, quando não mixada, é executada por integrantes do projeto que participam de aulas de percussão. Já o cenário e figurino são produtos do trabalho de mães e das próprias crianças.

As peças, feitas com tecido reciclado, refletem uma atenção toda especial a saberes como a preservação da natureza e o fazer artístico manual; já os "panôs" - pequenos painéis bordados - são realizados pelos pimpolhos em cima dos desenhos que eles mesmos fizeram, representando o ambiente onde vivem.

Legenda: Panos bordados pelas próprias crianças reproduzem as realidades no Vila Velha
Foto: Foto: Kid Júnior

Cada pedacinho desse se espalha pelo palco fazendo ponte com movimentações graciosas, bebendo de técnicas dos balés clássico e contemporâneo, das danças dramáticas, da capoeira, hip-hop e dança funcional; no plano da representação, a fonte vem de princípios da fábula e do realismo fantástico. Tudo revela uma poética em comunhão com o bonito da vida e deixa, com o público, a oportunidade de fazer a leitura desejada a partir do que vê no tablado.

Aprendizado

Para a bailarina Elisilene Alves Mesquita, ex-aluna da Vidança e, agora, uma das professoras da casa - mudança de nível, inclusive, natural para a maioria dos que passam pela instituição - o princípio da coletividade impera na realização da montagem. "Você vai ver que tudo que apresentamos no palco faz parte do nosso dia a dia, o que é muito importante para fazer com que a dança faça pontes entre os alunos, já que eles constroem tudo juntos", afirma.

"Eu costumo dizer que a dança me salvou e me transformou, ao mesmo tempo. Quando eu iniciei, tinha 16 anos e hoje consigo me ver nas crianças que vêm aqui para aprender. O desejo é de sempre continuar aprendendo para repassar ainda mais conhecimentos", torce, revelando que, no momento, está buscando se especializar em artes, educação e esporte para galgar passos ainda mais concretos no segmento.

Quanto a Anália Timbó, o que fica no peito ao acompanhar caminhos tão concretos de mudança pessoal e social mediante o projeto que toca, são os sorrisos. Muitos sorrisos. "Essa é a nossa realidade. É como se não houvesse dor e, quando há, a gente consegue vivenciá-la e transformá-la pela arte. É como ver o sol nascendo o tempo todo. É sentir".

Serviço
Espetáculo "Histórias de Acordar o Amanhã", da Associação Vidança
Nesta sexta-feira (7), às19h, no Cineteatro São Luiz (Rua Major Facundo, 500, Centro). Gratuito. Classificação indicativa: Livre. Contato: (85) 3262-7599

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