Escritora cearense Inez Figueredo estreia no romance

Publicado pela editora portuguesa Chiado Books, "Há um Deus na minha casa dos sonhos" será lançado nesta segunda na Biblioteca da Unifor

Escrito por Aíla Sampaio - Professora de Cinema e Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor) , ailasampaio@unifor.br

Em seu novo livro - Há um deus na minha casa dos sonhos, lançado pela editora Chiado, Inez Figueredo reafirma o seu estilo marcado pela hibridização dos gêneros, o que condiz com as tendências contemporâneas, mas, mais ainda com a sua concepção de literatura e com sua própria identidade como escritora. Há um trânsito natural entre o verso e a prosa, incluindo o texto poético como parte dos relatos, haja vista que seus protagonistas são poetas e têm os seus versos compartilhados com o leitor oportunamente.

A maioria dos nomes dos personagens remetem à mitologia grega, como Menelau, Helena e Páris, retirados da epopeia Ilíada e Têmis, a deusa da justiça. A narradora os descreve como "velhos e amorosos tios": Menelau, o erudito; Páris, o fantasioso; Helena, a feita de doçura, e Têmis, a justa e seca. Completa-se a família com o cão Ulisses, remetendo ao herói que aliava à astúcia a valentia.

O nome da narradora e protagonista - Gradiva - foi retirado do romance homônimo publicado em 1903 pelo escritor alemão Wilhelm Jensen que, por sua vez, inspirou-se numa escultura de uma moça dançando e levantando parte da saia que data da primeira metade século II. A Gradiva de Inez é irmã gêmea de Gudá (Ganimedes), que, na mitologia, é um mortal raptado por Zeus para o Olimpo. Há um diálogo claro do romance de Inez com o de Jensen, já que ambos trazem um amor idealizado e impossível, com projeções e idealizações amorosas que vêm da infância.

O discurso inevitavelmente lança os questionamentos: os protagonistas são irmãos gêmeos, filho de uma relação impura vivida por Menelau? São primos órfãos, um filho de Menelau e outro de Páris, criados pelos tios? Serão filhos da mesma mãe com pais diferentes (Menelau e Páris) como nas histórias dos gêmeos mitológicos a que a narradora se refere ao citar A história de Lince, de Claude Levi-Strauss, de onde a Bá tirou a lenda do personagem Gudá?

Gradiva busca, nos escombros do passado, sua relação com Gudá, seu amor de infância consumado na fase adulta, que já está morto. Ao tentar entender sua relação com ele, a personagem vai entendendo também a sua origem: a morte da mãe, a cegueira do tio Páris, e deixa entrever a descoberta de que é filha dele com uma irmã, tomando consciência da "doçura louca do amor entre irmãos, a concupiscência da coleteira proximidade" (p. 70). Ela é, pois, irmã de Gudá por parte de mãe e prima por parte de pai, pois que sua mãe a concebeu com o irmão Páris, e concebeu Gudá com Menelau, o outro irmão. Permanece uma indagação: quem seria a mãe dos dois?

Sugiro, pelo contexto, a deusa das águas, Uiara, que, em sua história mitológica, mata os irmãos e é jogada nas águas, onde é coroada rainha. De certo modo, no enredo do romance Há um Deus, a mãe de Gradiva e Gudá também mata os dois irmãos ao envolver-se com eles: a severidade de Têmis castiga Páris com a cegueira e Menelau com o isolamento.

A narrativa, arquitetada num "facho de sombra" (Giorgio Agamben), desafia o leitor a percorrer um tempo que "é largo dentro da brevidade" (p. 46). A volta da protagonista da Itália para o Brasil, depois dos fatos transcorridos, marca o início do relato pautado por belas imagens poéticas como a fazer a depuração de um amor do passado que ainda pulsa na alma. O tempo esgarçado atravessa a narrativa no (re)montar dos acontecimentos, mas é impossível resgatar o vivido senão pela palavra.

Quanto ao discurso de Inez, pode-se dizer que ele se afina esteticamente com o de Virgínia Wolf, James Joyce, Clarice Lispector e Walter Hugo-Mae, no pensamento arquitetônico, no apuro da forma, no descompromisso com a lógica. O "como se conta" sobrepõe-se ao "o que se conta". Não que a narrativa seja desprovida de sentido. Há uma coerência interna que se resgata a partir das relações simbólicas e que se constrói ao juntar as pontas da narrativa cíclica que consegue, de fato, "verbalizar o deserto do verbo" (p. 107).

E assim como desconstrói os gêneros literários, a obra também toca em relações de gênero, no sentido de desconstruí-los com a concepção de que há diversas maneiras de se viver as feminilidades e as masculinidades socialmente construídas. Depois de tudo decorrido, de volta à casa de origem, Gradiva toma um desesperado banho de rio, de onde é retirada por um amigo de Gudá que lhe entrega o espólio dele. Ele corta os cabelos enlinhados dela e dá-lhe suas roupas de homem. De posse do calhamaço que lhe foi entregue, ruma para a casa e de longe é avistada pelo tio Menelau. Ela, "Tão símile. Tão tragicamente igual. Por fim, Ele. Enfim, Gudá" (p. 123) é confundida pelo tio que, ao avistá-la, clama pelo filho, confessando sua paternidade. Gradiva esvazia-se de si mesma para ser o outro: "Como é hilário e tenebroso assistir ao vácuo/espetáculo da minha própria ausência" (p. 131).

Mais que uma história de amor, Há um deus na minha casa dos sonhos é uma história de desencontros e desenlaces, revelações e dores, daí a poesia que salta de cada palavra. Inez ousa ao mexer com fantasmas de amores somente possíveis em sonho, mas ousa ainda mais ao instituir uma quebra, uma fratura em seu discurso literário; trata-se, entretanto, de uma desconexão arquitetada.

 

Serviço

Lançamento do livro "há um deus na minha casa dos sonhos", de Inez Figueredo. Nesta segunda (12), às 19h30, no auditório da biblioteca da Unifor (Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz). Informações: (85) 99662.7277

 

Livro

Há um Deus na minha casa Dos Sonhos

Inez Figueredo

Chiado Book

2018

R$ 40 (no lançamento)

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