Curando feridas

Com produção executiva de John Carpenter, "Halloween" apaga todas as outras filmagens da franquia e concentra o raio narrativo nos desdobramentos do primeiro filme, de 1978

Escrito por Antonio Laudenir ,
Legenda: David Gordon Green ressuscita o personagem e tenta encerrar a série de forma coerente Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) passa de uma jovem frágil para uma mulher repleta de traumas e problemas na relação com a família
Foto: DIVULGAÇÃO

Os eventos de um fatídico Dia das Bruxas nunca deixaram de assombrar Laurie Strode (Jamie Lee Curtis). 40 anos depois de ser atacada por um maníaco que acabara de fugir do hospício, a ex-babá segue enclausurada nas memórias daquele trauma. Seguiu com uma vida infeliz, repleta de sofrimento e isso impactou na conturbada relação com a filha e a neta. O assassino identificado como Michael Myers deixou marcas violentas e impossíveis de esquecer. Disposta a dar um fim a este sofrimento, chegou a hora desta mulher enfrentar o passado e aplacar as dores.

"Halloween" (2018), nova produção a vasculhar o universo imaginado por John Carpenter no final dos anos 1970, investe no ponto de vista da personagem imortalizada por Curtis. Reconhecido por sua produção na comédia, David Gordon Green ("Segurando as Pontas", 2008) estabelece uma homenagem direta ao filme original. Para atingir o intuito, o cineasta investe em filtros que dão um tom sujo e envelhecido à película. Além da recriação da abertura original, outro expediente direcionado aos fãs é a presença do inesquecível tema composto por Carpenter.

Além das questões estéticas, o acerto de Green é estabelecer um diálogo direto com "Halloween: A Noite do Terror" (1978). Todas as continuações foram apagadas graças a uma reflexão simples, porém pouco lembrado no cinema de horror: o que acontece com a vida de quem sofreu violência extrema. "Pode um monstro criar outro?", questiona um dos diálogos do "Halloween" de 2018.

O retorno de Curtis ao papel que lhe alavancou ao estrelato é totalmente digno. Envelhecida e repleta de mágoas, a Laurie atual está longe da indefesa garota dos anos 1970. A experiência de quase morte deixou marcas profundas. Passou os dias se preparando para um novo ataque de Myers e não conseguiu oferecer um lar saudável à filha. O alcoolismo e a visão pessimista formam um cotidiano sufocante. Inexiste amor quando o trauma ainda é latente.

O "Halloween" de Green fala sobre o quanto uma situação de violência é capaz de reverberar nas pessoas de uma mesma família. Inocentes também sofrem com episódios vividos por terceiros. É necessário, assim, quebrar essa corrente agoniante e estabelecer algum tipo de paz com o passado. O roteiro, coescrito por Jeff Fradley, o diretor e Danny McBride, acerta ao levantar essas inquietações.

Infelizmente, entre o início do filme e o reencontro entre algoz e vítima, o novo "Halloween" perde um pouco do brilho com uma sequência de mortes filmadas na conta do chá. Outro recurso preguiçoso é usar o som para dar sustos na plateia, quando o material que Green tinha em mãos já era o suficiente.

Este é o filme de Curtis. A sequência final garante o fôlego e permite a redenção da franquia. Em 1978, John Carpenter falou de um mal castrador, capaz de invadir nossas casas e destruir nossas vidas. Construiu uma obra-prima que sofreu com continuações sem rumo. Em 2018, a mensagem é de que é possível sanar feridas quando temos apoio e somos realmente escutados.

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