Ana Miranda: O direito à ficção

Escrito por Redação ,

Eu abria um livro, lia as páginas, sonhava, imaginava, ia me entregando, me encantando, pensava que aquele fascínio era meu e de poucas pessoas com o mesmo gosto e a mesma sensibilidade.

Era uma sensação tão boa que, menina, mocinha, eu pensava que podia haver ali algo de proibido, transgressor, mesmo de pecado, os romances me mostravam secretamente tudo o que eu queria saber e ninguém conseguia me dizer.

Um dia, li um texto que o nosso maior pensador, Antonio Candido, nos deixou; no qual ele diz que a ficção é um direito de todas as pessoas, e isso me surpreendeu. Eu nunca tinha pensado na ficção como um direito humano.

Nenhuma pessoa no mundo, nenhum povo, pode viver sem a ficção, ele diz. Sem viver a experiência da imaginação. Dia e noite. Todos nós sonhamos todas as noites e nenhuma pessoa pode passar um dia inteiro sem momentos de imaginação.

Vivemos a ficção quando contamos algo que nos aconteceu, algo que vimos acontecer, quando ouvimos uma canção, quando assistimos a um filme, a uma novela de televisão, quando debatemos sobre um problema da família vizinha, ou quando, apaixonados, entregamo-nos a devaneios, quando temos um desejo, quando lemos um romance...

A literatura de ficção "parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito", são palavras de Antonio Candido. Assim como não teremos equilíbrio emocional se não sonharmos, não teremos equilíbrio social sem a literatura, ou a ficção.

A própria vida parece uma ficção. Inúmeras foram as vezes em que alguém chegou perto de mim e disse "minha vida daria um romance!". Sempre que me perguntam se sua vida daria um romance, digo que sim. Todas as vidas dariam um romance.

E me perguntam se o livro vai acabar. Eu respondo, Claro que não! Quanto mais inteligente e desenvolvida a humanidade, mais ela vai precisar do livro, seja de papel, virtual, ou outro meio ainda não inventado, como suporte para a literatura, a ficção, o conhecimento, o sonho.

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