Violência altera rotina de moradores de Milagres e deixa população com medo

As ruas ficaram vazias à tarde por orientação das autoridades

Escrito por Antônio Rodrigues , regiao@verdesmares.com.br

A operação policial que resultou na morte de 14 pessoas, entre elas, seis reféns, transformou o dia a dia da pacata cidade cearense. Manchas de sangue nas calçadas davam a dimensão do terror vivido na madrugada.

Por volta das 9h, a Prefeitura de Milagres lançou uma nota, divulgando a suspensão de todos os serviços nas repartições públicas municipais pelo resto do dia de ontem (7). Enquanto isso, dezenas de policiais percorriam suas ruas e estradas, além de municípios vizinhos, procurando os suspeitos da tentativa de assalto às duas agências bancárias. No céu, uma cena incomum: o helicóptero do Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer) ajudava nas buscas aos criminosos.

Localizada a cerca de 475 quilômetros de Fortaleza, Milagres fica a pouco mais de uma hora de Juazeiro do Norte, principal cidade da região do Cariri, no Sul do Estado. Com aproximadamente 28 mil habitantes, o Município viveu noite e dia de terror.

"A gente nem imaginava tentarem assaltar aqui até pela logística", desabafa o agricultor Romão Tavares. A surpresa não é atoa, já que a sede do Município fica a 3 quilômetros, cerca de cinco minutos de carro, de um posto da Polícia Federal Rodoviária, localizado na BR-116. Além disso, uma outra unidade da Polícia Rodoviária Estadual fica a 14 quilômetros do centro da cidade. Apenas 17 minutos do palco da tragédia que culminou na morte de 14 pessoas.

A ousadia dos assaltantes começou na quarta-feira (5) quando, despercebidos, visitaram a cidade para conhecer seus alvos: as agências do Banco do Brasil e do Bradesco. "Se o banco fosse assaltado, Milagres tava morta", acredita a comerciante Cícera Rosa, que usa como exemplo a cidade vizinha de Missão Velha, que viu suas agências serem atacadas em fevereiro do ano passado. Na ocasião, duas unidades foram destruídas com explosões e a população passou a se deslocar para Barbalha ou Juazeiro do Norte para realizar suas operações bancárias. Lá mesmo, o dinheiro circulava, prejudicando o comércio local.

Ontem, após o desfecho trágico da operação policial, a rotina dos milagrenses tomou outro rumo. Houve a suspensão das atividades pela Prefeitura e muitos estudantes voltaram para casa mais cedo. O trânsito ficou mais tumultuado. Muitos vieram da zona-rural e tiveram que retornar. Além disso, os funcionários públicos municipais foram liberados uma hora depois de iniciar o expediente.

Rotina alterada

Não havia clima para trabalho. Até mesmo a popular feira livre, no centro da cidade, foi desmontada e os agricultores familiares preferiram perder o dia da labuta. Voltaram para os sítios com seus produtos intactos.

O cenário de terror vivido na madrugada foi acompanhado de perto por cada um deles. Em cada esquina de Milagres havia alguém conversando ao telefone celular, narrando o assalto para algum parente ou conhecido distante. Ao mesmo tempo, conviviam com poças de sangue nas calçadas, estilhaços de vidros, cápsulas de balas e marcas de tiros nas paredes, nos postes e nas casas próximas às agências. A presença de policiais também foi reforçada.

Rastro de sangue

Um morador jogava água sanitária e passava a vassoura para tentar limpar a poça de sangue em frente de sua casa. Foi lá que um dos suspeitos tombou, aos pés de uma árvore. Para minimizar o impacto da cena para seus filhos, cobriu de terra as manchas. "O negócio tava feio. Aqui ninguém dormiu", esbravejou enquanto apontava para a marca de bala no poste.

De manhã, as atenções dos moradores ficaram voltadas para o Hospital Municipal, onde os corpos das vítimas foram levados pelos carros da Perícia Forense até a sede da Coordenadoria de Medicina Legal de Juazeiro. Muitos usavam celulares para fazer registros. Crianças subiram em árvores e muros para enxergar melhor o que se passava. Os dois veículos chegaram por volta das 7h50 e levaram seis corpos, retornando novamente por volta de 10h.

Na medida que os moradores lavavam suas calçadas, um rastro de sangue tomava conta dos esgotos. Isso mudou quando uma forte chuva caiu por volta das 11h, levando embora boa parte das marcas da violência. O comércio fechou as portas.

Desde o meio dia, a cidade parecia fantasma. As pessoas não saíram de casa, seguindo a recomendação da Polícia Militar (PM) e da Prefeitura Municipal. As ruas só voltaram a ter movimentação no início da tarde, na medida em que as informações sobre as prisões de suspeitos chegavam.

Itatira

A pouco mais de 300 quilômetros do palco desse terror, outra ação de um grupo criminoso à agência bancária no interior. Em Itatira, no Sertão Central, na madruga, cerca de 15 homens explodiram o Bradesco da cidade. A quadrilha estava armada de fuzis, pistolas e espingardas. Durante o ataque, parte do bando cercou o posto da Polícia. Após explodirem a agência, o grupo fugiu para Boa Viagem. Na fuga, o grupo deixou bananas de dinamite próximo ao banco. Ninguém foi preso.

Por orientação da Polícia Militar, os serviços municipais e o comércio da cidade Milagres foram suspensos. A população não saiu às ruas durante à tarde.

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