Todos os presos na operação têm alto nível de escolaridade

Seis homens foram detidos em flagrante no Ceará; programadores, advogados e estudantes são os perfis de alguns

Escrito por Cadu Freitas e Messias borges - Repórteres ,

Quando se relembra os 45 anos de um acontecimento que mexeu com a opinião pública nem sempre é por algo necessariamente bom. Exatamente na data de hoje, em 1973, uma menina de oito anos, natural de Vitória, no Espírito Santo, teve sua vida violada e violentada. Só após seis dias de seu desaparecimento, o corpo dela foi encontrado carbonizado. Os agressores, contudo, nunca foram presos.

Parece que foi necessário um crime bárbaro de intensa repercussão para que fosse instituído o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o 18 de Maio. Diga-se de passagem, jamais comemorado, mas registrado para que casos como esse jamais voltassem a acontecer.

No entanto, as ações policiais visam coibir não só crimes contra vida, mas delitos que envolvem a exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes. Ontem (17), uma força-tarefa formada por 81 integrantes da Polícia Civil e oito da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) prenderam em flagrante seis homens suspeitos de possuir e/ou compartilhar conteúdo sexual de crianças e adolescentes por meio da internet.

Foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão, sendo 15 deles na Capital e um no município de Canindé, pela força-tarefa das equipes de segurança estadual. Já pela Polícia Federal, outro mandado de igual teor foi cumprido em Fortaleza, além de dois na cidade de Milagres, no Centro-Sul cearense, totalizando 19 no Estado do Ceará.

Homônima

A Operação "Luz na Infância 2" é a segunda fase da primeira apuração homônima e foi deflagrada pelo Ministério Extraordinário da Segurança Pública em 24 estados e no Distrito Federal. Na Capital, todos os detidos são homens entre 24 e 40 anos, moradores de bairros como Castelão, Jardim Guanabara, Cidade dos Funcionários e Varjota. Dentre eles, estão estudantes, advogados, consultores ambientais, turismólogos e programadores investigados durante seis meses.

De acordo com a titular da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa), Yasmin Ximenes, há perfis preferenciais das vítimas. "A maior parte, pelo que a gente verificou, é de meninas novas, de cinco, seis aninhos sendo abusadas sexualmente. É algo realmente terrível de ver, mesmo para a gente que atua nessa área".

"O pedófilo é uma pessoa afável, geralmente, um leão em pele de cordeiro, ele atinge todas as classes sociais", caracterizou a delegada Yasmin Ximenes, ao pontuar que os suspeitos podem pegar entre quatro e seis anos de reclusão. Dos homens presos em flagrante, apenas um deles já possuía antecedente criminal, inclusive, pela mesma infração: posse de material envolvendo criança e adolescente. Além dele, dois irmãos foram detidos em um mesmo local, após seus computadores serem analisados por peritos criminais.

De acordo com a delegada, os suspeitos utilizam o sistema P2P (peer to peer) - formato descentralizado das funções na rede de computadores, na qual o principal objetivo é a transmissão de informações. Ou seja, "aquilo que eu baixei já é aproveitado e assim por diante. Eles fazem isso numa tentativa de não serem rastreados, mas não dá certo, não", pontua Yasmin Ximenes.

Rastro

A Dececa agora deve remeter todo o material à Pefoce, onde os peritos farão análises mais detalhadas dos notebooks, HDs externos, CDs, CPUs de computador e aparelhos celulares apreendidos por meio dos mandados. Segundo o coordenador de Perícia Criminal da Pefoce, Rômulo de Oliveira Lima, "as equipes vão fazer levantamento, esmiuçar os equipamentos, gerar seus respectivos laudos e, por sua vez, encaminhar aos delegados presidentes dos inquéritos e depois ao juiz".

Conforme a assessora jurídica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Dillyane Ribeiro, a necessidade de investigação é inegável, porém não é suficiente para combater esses problemas. "Uma abordagem que se centra somente na persecução penal não está priorizando quais são as necessidades das vítimas ou da família, então é preciso uma abordagem integral, em que a Assistência Social e a Saúde estejam envolvidas para assistir essa vítima", explica.

De acordo com Dillyane Ribeiro, "algumas pessoas ficam com imagens de abuso no celular com a intenção de se indignar e de mostrar para outras pessoas, mas isso é crime e só agrava a violação", destaca. Segundo a assessora jurídica do Cedeca, estima-se que 80% do material circulante na deep web (uma área da internet difícil de ser acessada por leigos e mecanismos básicos de busca) sejam de abusos sexuais de crianças e adolescentes.

"A gente considera que essas ações sejam feitas de maneira sistemática, que não seja uma estratégia de marketing, pois todos os dias crianças e adolescentes estão sendo exploradas e de maneira integral. O 18 de Maio é uma data emblemática e a campanha, é um momento para relembrar isso", completa Dillyane Ribeiro ressaltando a importância de visibilizar esse "grave problema".

Nacional

No total, a Operação Luz na Infância 2 cumpriu 578 mandados de busca e apreensão e prendeu 132 suspeitos em 24 estados e no Distrito Federal (apenas no Paraná e no Rio Grande do Norte não houve diligências). Mais de 2,6 mil policiais participaram da Operação.

Segundo o ministro da Segurança, Raul Jungmann, a Operação se originou de análise e levantamento de 1 milhão de arquivos com exploração sexual de crianças e adolescentes, levando os investigadores aos IPs ('Internet Protocol', a identificação de cada dispositivo) suspeitos e, consequentemente, à localização dos criminosos.

Na primeira fase da Operação, deflagrada em 20 de outubro do ano passado, as forças de segurança cumpriram 157 mandados de busca e apreensão e prenderam 112 suspeitos, em todo o País. No Ceará, foram 4 ordens judiciais cumpridas e duas pessoas detidas na Capital.

Fique por dentro

ECA pune posse e transferência de conteúdo sexual

Os homens presos em flagrante em decorrência dos mandados de busca e apreensão expedidos para o cumprimento da Operação 'Luz na Infância 2', no Estado do Ceará, foram fichados pelos investigadores por crimes inseridos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos artigos 241-A e 241-B.

Incluídos em 2008, as duas modalidades jurídicas vedam práticas voltadas à utilização de conteúdo sexual infantojuvenil. O Artigo 241-A define reclusão de três a seis anos, além de multa para quem "oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente".

Já o Artigo 241-B, por sua vez, impõe reclusão de um a quatro anos, além de multa para as pessoas que efetivamente adquirirem, possuírem ou armazenarem, "por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente".

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