Relatos de profissionais revelam impacto da Chacina das Cajazeiras

O perfil das vítimas surpreendeu as equipes acionadas e mostrou que os criminosos não hesitaram em assassinar mesmo aqueles que não tinham qualquer envolvimento com facções

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , seguranca@verdesmares.com.br

A madrugada do dia 27 de janeiro de 2018 foi um marco na vida profissional de quem atuou na ‘Chacina das Cajazeiras’. Mesmo quem lida com a violência na rotina de trabalho percebeu que o acontecido no ‘Forró do Gago’ e entorno foi diferente. “Selvageria e barbárie”, relatou o delegado Hélio Marques, do 13º Distrito Policial, como resumo do episódio que completou um ano.

O perito criminal Leão Júnior foi um dos primeiros a chegar a Cajazeiras naquela madrugada. “Eu estava de plantão no dia quando, na frequência da Ciops, tomamos conhecimento do fato de forma preliminar. Até então não tínhamos informações da quantidade de vítimas, sabíamos que era um número considerável. Somente após nossa chegada no local podemos observar a grandiosidade do fato”, contou Leão. 

Legenda: O perito criminal Leão Júnior acompanhou de perto o desenrolar da chacina

Nas ocorrências que envolvem um homicídio, um perito é designado para colher provas no local do crime. Devido ao alto número de vítimas, neste caso, foram necessários outros três peritos além de Leão. A quantidade de vestígios, as idades das vítimas, a falta de entendimento por parte das famílias e dos amigos sobre quais motivos levaram ao fato mostraram que ali morreram inocentes, sem nenhuma ligação com a criminalidade. 

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“Era um cenário de terror. Muitas viaturas da PM preservaram a cena do crime. O Samu já havia ido, prestado socorro a algumas vítimas e atestado óbito de outras. As 14 morreram ali. Foram efetuados tiros em várias direções. Constatamos cápsulas distribuídas em pelo menos duas ruas no quadrante que envolvia o Forró do Gago”, identificou o perito. 

Socorro 

Por volta de 1h, as primeiras vítimas baleadas, e ainda com vida, chegavam ao Instituto Doutor José Frota (IJF). A emergência do hospital superlotava e as notícias do ataque se espalhavam nos grupos de WhatsApp. A imprecisão acerca do número de mortos, estado de saúde e quem se responsabilizaria pelo ataque durou horas. A defensora pública Gina Moura lembra que acordou na manhã do sábado e soube do fato. 

Legenda: A defensora pública Gina Moura acompanhou de perto o desenrolar da chacina

A primeira reação foi a de amparar o grupo sobrevivente. “Nos preocupamos de como tratar essa realidade, do olhar para essas pessoas. A Defensoria Pública mobilizou uma equipe que ficou à disposição para receber familiares. Eu e outro colega começamos a circular pelo IJF e Pefoce. No IJF, conversamos com alguns familiares, com as próprias vítimas sobreviventes e colhemos algumas demandas daquele momento, sobretudo de proteção e saúde. Neles havia muito medo, inclusive de falar. Tinham medo de sofrer atentados ainda no hospital”, disse Gina. 

Enquanto a Defensoria circulava pela unidade hospitalar, equipe de policiais civis do 13º Distrito Policial chegava no local do crime. Segundo o delegado Hélio Marques, só quem esteve na Cajazeiras percebeu a dimensão do acontecido. A prévia do perfil de cada uma das vítimas fez com que Marques soubesse que se deparava com um crime cercado por peculiaridades. 

“Pensei em se tratar de bandido comum e que tivesse sido uma execução entre eles. Só caí na realidade quando cheguei ao local. Tive a sensação que foi uma coisa inusitada. Muita gente estava ali para se divertir, trabalhar e morreu sem saber porque estava morrendo. Foi um negócio bárbaro. Ninguém queria falar, nem sair de casa. As pessoas estavam horrorizadas com o episódio. O que hoje tenho certeza é que quem morreu ali estava no local errado e na hora errada”, pontuou o delegado mostrando que um ano depois segue sem existir explicações pelas quais cada um dos 14 foi morto e outros 15 baleados. 

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