Programa da Justiça reduz reincidência de prisões a 18,4%

A média nacional de reincidência é de 70%; projetos do Poder Judiciário já atenderam 520 presos no Ceará

Escrito por Messias Borges - Repórter ,

Daniel (nome fictício), 28, estuda Administração, trabalha no Fórum Clóvis Beviláqua, é casado, tem um filho de três anos de idade e sonhos profissionais. Essas são as suas prioridades, agora. A sua vida mudou de rumo devido à sua força de vontade e à oportunidade cedida pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). O programa de recuperação de apenados 'Um Novo Tempo' já atendeu 520 presos do sistema penitenciário cearense, dos quais apenas 18,46% (ou seja, 96 pessoas) reincidiram na prática criminosa. A média nacional de reincidência é de 70%, quase quatro vezes maior.

As três prisões por roubo, com condenação total de 13 anos de reclusão, e a tornozeleira eletrônica que monitora cada passo dado, Daniel está superando, dia a dia. Mas não são penas fáceis de lidar. Com medo de sofrer preconceito, principalmente na faculdade em que estuda, ele prefere não se identificar. Está pagando pelo que fez, mas também está transformando o seu destino.

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A (re)inserção ao mercado de trabalho é o principal desafio para quem quer deixar a vida criminosa. Pensando nisso, o Poder Judiciário resolveu ir além da condenação e da progressão de regime que pode vir a ser ofertada. "Quando a gente começou a perceber a deficiência do sistema e de acolhimento dessas pessoas que saem do cárcere, a gente pensou que poderia desempenhar um papel, enquanto juiz, de contribuir com a transformação social. Lógico que a gente não tem condição e capilaridade para atender toda a população carcerária, não temos essa ousadia. Mas o que a gente quis foi transformar o mundo de algumas pessoas e que isso servisse de exemplo para a sociedade e para o executivo", afirmou a titular da 2ª Vara de Execução Penal, juíza Luciana Teixeira de Souza.

Projetos

O programa 'Um Novo Tempo' deu origem a três projetos que visam a ressocialização dos detentos. Daniel e mais 30 presos do regime semiaberto participam do 'Justiça de Portas Abertas', em parceria com a Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus), e trabalham no Fórum, na Defensoria Pública do Estado ou no Ministério Público do Ceará (MPCE), em atividades técnicas diversas, recebendo um salário mínimo. O projeto se iniciou em maio de 2015.

"É um projeto que tem como mecanismo principal a recuperação do apenado pelo trabalho e pela capacitação profissional. O apenado vem trabalhar no Fórum e ele recebe uma recompensa, um salário, por estar aqui. Ele não está no presídio, vivendo a ociosidade", garantiu o titular da 3ª Vara de Execução Penal, juiz Cézar Belmino Barbosa Evangelista.

Desde junho de 2014, o 'Reconstruir' leva a mão de obra que existe dentro dos presídios, em sua maioria desperdiçada, para as obras da construção civil no Ceará, em parceria com o Sindicato das Construtoras do Ceará (Sinduscon-CE). 30 presos do regime semiaberto trabalham no ramo, com carteira assinada.

Já o ''Aprendizes da Liberdade' dá a oportunidade de os internos retomarem os estudos, seja nos ensinos Fundamental I e II, no Médio ou no Pré-Vestibular, desde junho de 2013. Hoje, 130 presos dos regimes aberto e semiaberto têm aulas aos sábados e domingos, em uma escola na Capital, através de uma parceria do Poder Judiciário com a Sejus e a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc).

Ao total, o programa do TJCE conta, atualmente, com 191 apenados. De acordo com os juízes das Varas de Execução Penal, que direcionam os detentos aos projetos (a partir da análise jurídica e psicossocial), há condenados por homicídio, roubo, tráfico de drogas e outros crimes. Os três projetos de ressocialização já faturaram o prêmio CBIC de Responsabilidade Social, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção; o 3º lugar no Prêmio Patrícia Acioli de Direitos Humanos, da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ); e menção honrosa no Prêmio Innovare.

"Nós estamos tentando entronizar a visão do evangelho, no sentido de enxergar o homem não pelo seu erro de ontem, mas pela potencialidade do homem do amanhã. Nós não devemos condenar o homem por um deslize no passado eternamente. Todos esses projetos visam corrigir essas distorções da compreensão popular", define o titular da 1ª Vara de Execução Penal, Luiz Bessa Neto.

Desigualdade

Os juízes das Varas de Execução Penal concordam que o crime e o criminoso devem ser vistos além do ser humano, como um fenômeno social, com diversos fatores, dos quais destacam a desigualdade presente no País. "Muitas dessas pessoas foram motivadas também por questões sociais. Olhando para a população carcerária, a gente vê que é reflexo das pessoas que estão nas periferias, pessoas desassistidas, que não tiveram educação, moradia, saneamento básico, as condições mínimas de dignidade", aponta a juíza Luciana de Souza.

Daniel foi vítima dessa desigualdade e caiu na tentação do crime. A história dele é comum a muitos cearenses, brasileiros. Quando criança, chegou a faltar comida suficiente para todas as pessoas da sua casa.

"Eu brincava muito no meio da rua, tinha uns amigos. Fui crescendo, querendo coisas melhores, roupas que via nos meus amigos, brinquedos bons, videogame, e meus pais não tinham condição de dar essas coisas. Com 16 anos, eu estava em um projeto. Mesmo com essa bolsa, eu não consegui ficar só nisso. Fui pro mundo do crime, não sei nem o motivo. Foi mais pela ganância do dinheiro", confessa.

Os magistrados acreditam que a sociedade precisa investir mais em apenados que estão nos regimes semiaberto e aberto, assim como em egressos do sistema penitenciário. Para a titular da 2ª Vara, há preconceito com essas pessoas: "O público do sistema carcerário é invisível, está distante da nossa realidade. Muitas vezes, a gente acha natural esse tratamento que se dá a essas pessoas. E elas também acham natural, porque elas sempre viveram à margem do básico e sempre foram vítimas da violência social. A sociedade tem que participar ativamente desse processo (de ressocialização), tem que contribuir.

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