PMs que participaram de operação em Milagres se contradizem

Em depoimentos obtidos pela reportagem do Sistema Verdes Mares, os militares que estiveram na linha de frente da ação apresentam diferentes versões para a ofensiva policial que deixou 14 mortos, sendo seis reféns

Escrito por Messias Borges , messias.borges@diariodonordeste.com.br
Legenda: A Polícia Civil e a PRF não foram informadas sobre a ofensiva militar
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

Vários questionamentos sobre a atuação policial, na operação que culminou na morte de 14 pessoas (inclusive seis reféns), no Município de Milagres, continuam ecoando no imaginário da sociedade. Os depoimentos de policiais militares do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) que participaram do tiroteio ainda não são conclusivos. Pelo contrário, os testemunhos dos PMs se contradizem.

O Sistema Verdes Mares (SVM) teve acesso aos depoimentos prestado pelos militares que apresentaram a ocorrência na Delegacia Regional de Brejo Santo, algumas horas após a carnificina. Um major (identidade preservada) afirmou que os mortos foram identificados somente após o combate ter cessado.

Cinco pessoas que morreram na calçada lateral da agência bancária do Bradesco seriam reféns. Apesar de não identificar quem era assaltante ou refém (ou mesmo se havia refém), o oficial defendeu que esses reféns não foram assassinados por policiais militares. Segundo ele, essas vítimas se localizavam em posição que não havia como serem alvejadas pela Polícia, pois a equipe vinha em progressão pela lateral do Banco do Brasil, ou seja, sequer houve contato visual.

O major acrescenta que outros dois reféns, que estavam na lateral do Banco do Brasil, foram prontamente identificados nessa situação pela patrulha, que verbalizou para que deitassem no chão como proteção para os tiros.

Já um capitão da Polícia Militar garantiu, em depoimento, que, já no fim do confronto, em frente aos bancos, foi possível identificar a presença de dois reféns com a quadrilha e que assaltantes atiraram contra os mesmos. A fala contradiz tudo o que foi dito até o momento. O próprio titular da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa, colocou que os policiais desconheciam a presença de reféns.

Efetivo

Doze policiais militares do Gate participaram da operação que terminou de forma trágica. Nenhum outro batalhão especial da Polícia Militar esteve presente no tiroteio, nem os PMs da região. A Polícia Civil e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) não foram informadas sobre a ofensiva militar. Decisões que até hoje, 12 dias depois, ainda não foram explicadas pelas autoridades.

Dois policiais - um sargento e um cabo - eram atiradores de elite (snipers), que estavam na posse de fuzis AR-10, que precisam de um apoio físico para atirar. Os outros dez militares também portavam fuzis, do calibre 5.56. Todos ainda portavam pistolas 9 mm.

O capitão que prestou depoimento à Polícia Civil contou que três equipes do Grupo de Ações Táticas Especiais foram deslocadas para uma suspeita de tentativa de assalto a instituição financeira, sem saber onde aconteceria a ação criminosa. Os policiais só souberam que o crime se daria em Milagres ao passarem pelo Município e ouvirem os sons dos tiros, segundo ele.

O militar informou ainda que havia cerca de 30 criminosos, armados de fuzis. O avanço policial teria sido freado pelos disparos do armamento pesado. O capitão disse que muitos homens estavam encapuzados ou de posse de materiais que seria usados para efetuar o arrombamento das agências bancárias, motivos pelos quais ele acreditava se tratar de bandidos.

Os doze policiais militares estão suspensos de suas funções, enquanto a investigação é concluída. A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) investiga a responsabilidade dos agentes de segurança nas mortes. O Ministério Público do Ceará (MPCE) acompanha e fiscaliza as investigações. O laudo pericial da Perícia Forense do Ceará (Pefoce) ainda está sendo elaborado, já tendo ultrapassado os dez dias previstos no prazo inicial.

Caminhão

Outro detalhe revelado nos autos é referente ao homem que conduzia o caminhão interceptado pelos criminosos. Antes de utilizar um caminhão da transportadora FedEx para bloquear a BR-116 e trocar tiros com policiais militares, o bando responsável pela tentativa de assalto a duas agências bancárias da cidade do Interior, ameaçou duas pessoas.

Conforme depoimento do condutor do caminhão, de 45 anos e natural de Pernambuco, ele não estava sozinho no veículo. O homem estava acompanhado do filho, menor de idade. Os dois seguiam para Fortaleza, quando entre Brejo Santo e Milagres, foram interceptados por uma caminhonete S-10, da cor branca.

Na Delegacia Regional de Brejo Santo o pernambucano contou que quando o veículo foi parado, um homem entrou na cabine e o ordenou que atravessasse o caminhão na BR. Em seguida, a vítima teve o rosto coberto e o criminoso atirou em um dos pneus do automóvel. "O declarante pegou o seu filho pelo braço e saiu correndo mato a dentro. Só saiu do local quando percebeu que a Polícia chegou, além de outros populares. Seu veículo ficou no local. Ele disse que depois conseguiu um borracheiro para consertar e fazer a troca dos pneus, já se encontrando em condições de viagem", disse o motorista em trecho do depoimento.

Por ter sido encapuzado pelos assaltantes, a vítima informou não ter condições de reconhecer ninguém. Ele também destacou que apesar das ameaças, não foi ferido. Ainda no dia do crime, em nota, a FedEx destacou estar grata pelo fato de o motorista não ter sido ferido e informou cooperar com as autoridades durante a investigação do caso.

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