Piloto nega integrar facção e diz ter medo de estar jurado de morte

Indiciado pelas mortes de 'Gegê do Mangue' e 'Paca', ocorridas no Ceará, o piloto concedeu entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste, por e-mail

Escrito por Messias Borges - Repórter ,
Legenda: O helicóptero utilizado na emboscada armada contra 'Gegê do Mangue' e 'Paca' foi apreendido, no Estado de São Paulo. O piloto da aeronave diz que desconhecia os planos dos passageiros de assassinar os dois líderes do PCC

Você pretende mesmo se entregar à Polícia? Qual o seu objetivo, com isso?

Pretendo prestar depoimento de forma a elucidar os fatos que cercam o duplo homicídio no Ceará, mostrando que fui apenas uma testemunha do caso. Como piloto, presto serviços para vários empresários e nesse caso, eu era apenas um prestador de serviço ao senhor Wagner Ferreira da Silva (o 'Cabelo Duro', um dos líderes do PCC). Não tenho vínculo nenhum com facção criminosa. Minha empresa presta serviços na área de aviação desde 2006, com traslados de passageiros, voos panorâmicos e pulverização aeroagrícola, mostrando também ser um cidadão de bem e não um criminoso perigoso, como venho sendo colocado perante a sociedade.

Você é procurado pelas polícias do Ceará e de São Paulo. Como está conseguindo se esconder e qual sua situação?

Na verdade, há apenas um mandado de prisão temporária da Justiça do Ceará. Não estou escondido, estou apenas me preservando. Desde o início me coloquei à disposição das autoridades policiais do Ceará e São Paulo. Estou muito apreensivo, não em relação a prestar contas à Justiça, pois tenho convicção de minha inocência. Meu maior temor é ser preso, pois não há como o Estado garantir minha integridade.

Você está com medo da facção Primeiro Comando da Capital (PCC)?

Sim, estou. Como já coloquei na resposta anterior, fui colocado como integrante de facção criminosa, coisa que nunca fui, e fui enganado pelo Wagner no dia do crime. Ao que consta, os executores foram jurados de morte pelo crime organizado e não sei se eles sabem da minha inocência.

Qual foi a sua participação nos assassinatos de 'Gegê do Mangue' e 'Paca'?

Já esclareci tudo para a Polícia. Fui contratado pelo Wagner para fazer um translado de dois passageiros de Fortaleza para São Paulo. Sabia apenas que levaria a aeronave com o Wagner e esses dois amigos dele. Cheguei pela manhã do dia dos fatos no heliporto, para fazer o voo normal e logo notei aquelas pessoas todas que não estavam previstas. O Wagner falou que os planos mudaram, pediu que eu deixasse minhas malas na sala Vip, que iríamos fazer um voo e voltar para buscá-las. Após decolar com sete pessoas (capacidade máxima do helicóptero), para o que seria um voo panorâmico rápido, me disseram que era para seguir pelo litoral, sentido Sul, para um local onde ocorreria uma reunião entre os passageiros e os dois amigos do Wagner, que iriam depois para SP. A reunião seria secreta pois as pessoas não podiam ser vistas juntas. Quero deixar claro que, até então, não sabia de que se tratava. Wagner era conhecido como empresário do setor musical, e assim ele me apresentou aqueles seus amigos, passageiros desse voo. Deixei cinco pessoas naquele local. Retornando Wagner e eu para o hangar, peguei minhas malas e fomos buscar os dois amigos num heliponto, numa praia da cidade.

O que foi conversado na aeronave? Qual foi a reação das vítimas ao perceberem a emboscada?

Pousei no local da reunião onde os três desceram, mas tão logo as pessoas que já estavam lá apareceram. Houve uma discussão. Não escutei o que falaram, pois eu estava com fones de ouvido e o helicóptero ainda acionado. Só escutei tiros, mas tudo ocorreu na cauda do helicóptero.

Quem contactou você para participar desse crime e como foi essa tratativa?

Minha empresa presta serviços para vários empresários, um deles o Wagner. Com ele tinha contrato desde 2016. No início, era de fretamento com aeronaves próprias, depois administrando aeronave dele, portanto ele acionava minha empresa para qualquer voo. Ou eu ia, ou algum outro piloto por mim contratado. Não sabia de crime algum, a tratativa consistia em levar o helicóptero para Fortaleza e retornar após o Carnaval com o Wagner, e mais dois amigos dele.

Após o crime, você e os executores das vítimas fugiram juntos? Qual foi o contato que você teve com eles, desde então? Tem alguma notícia?

Após o fato, houve uma discussão muito grande entre eles. Dois passageiros, que pareciam ser do Ceará, estavam revoltados com o Wagner. Ao que entendi, não aceitavam aquela situação. Esses dois passageiros ficaram numa praia próxima e os demais vieram embora no helicóptero. Conduzi a aeronave até Coroa do Avião, perto de Recife, onde eles pegaram um táxi e foram embora. Nesse momento, Wagner me deu a ordem de queimar o helicóptero e ainda fez uma ameaça, que se falasse algo pra Polícia, ele pegaria minha família toda. Depois disso, tive apenas um contato com Wagner, insistindo na ameaça e me cobrando o sumiço do helicóptero.

Você e o piloto Celso - que trouxe o helicóptero utilizado no crime para o Ceará, conforme a Polícia - pediram quatro galões de gasolina no hangar, mas só foram trazidos três. Por quê? A gasolina foi utilizada para incendiar os corpos de 'Gegê' e 'Paca'?

Celso é piloto free lancer e prestava serviços, entre outras, para minha empresa. Pedi a ele que levasse o helicóptero para Fortaleza, pois eu já estava na cidade desde o sábado anterior, onde passei o Carnaval com minha noiva. Os galões foram solicitados por mim, pois o voo original contratado para o retorno seria Fortaleza/São Paulo. Este trecho seria cumprido, em muito menos tempo com 200 litros a mais de combustível, procedimento este comum na aviação em viagens de longo curso como esta. Porém, quando ocorreu os fatos, Wagner tirou um dos galões do bagageiro e utilizou um pouco do combustível, no entanto, como os corpos estavam dentro da mata, eu, no interior do helicóptero, não visualizei o que ele fez, mas escutei ele falar que tentou pôr fogo. Mas o combustível é o querosene, que não é muito inflamável, por isso não conseguiu. Esse tipo de combustível praticamente não pega fogo.

Você conhece o 'Fuminho', membro do PCC considerado o mandante do duplo homicídio? Já se encontrou com ele? Por que ele foi escolhido para comandar o plano criminoso?

Nunca ouvi falar em 'Fuminho', nem pela mídia. Antes dos fatos, como falei, nunca tive contato com PCC, apenas Wagner Ferreira da Silva, que, ao que saiba, era empresário do ramo musical.

Você tem informações sobre como o PCC ficou após esse crime aqui ? Houve um racha na facção?

Não tenho nenhum acesso a ninguém do PCC. As informações que tenho são através da mídia.

Qual foi a motivação do crime? Foi ordenado pelo 'Marcola'?

Após os fatos voamos por volta de 3h45 até Pernambuco, parando para abastecer no caminho, no Rio Grande do Norte. Nesse voo, eles fizeram diversos comentários da motivação do que teria sido uma briga. Uma delas seria por estarem roubando o PCC, mas tudo muito vago. Mas não dá pra ter certeza de nada. Não citaram nenhum mandante nem que o crime estava premeditado.

A Polícia lhe considera um membro importante do PCC, o coordenador de rotas aéreas da facção. Qual sua história com o Primeiro Comando da Capital?

Esta equivocada colocação foi feita em São Bernardo do Campo, na semana passada, sem embasamento algum. Nunca tive relação com PCC. Nesse caso, apenas com Wagner, onde levava sua família, amigos e músicos. Cuidava de suas aeronaves, manutenção, combustível, pilotos, etc.

Três aeronaves e duas lanchas, que estavam no seu nome, foram apreendidas por policiais. Como você explica a posse de veículos tão valiosos, que seriam usados no tráfico de drogas internacional, segundo as investigações?

Nenhuma das três aeronaves apreendidas (PR-PSA, PR-YHB, PP-MAU) estavam em meu nome, muito menos são de minha propriedade. Basta puxar pelos prefixos no site da ANAC, e nem tem nenhuma prova ou testemunhas que ateste isso. O PR-PSA era aeronave de Wagner que eu administrava, desde janeiro 2017. O PR-YHB (usada no crime) era aeronave do Wagner, em sociedade com dois amigos. Disse ter comprado em setembro de 2017, também administrei por curto período. O PP-MAU só fiz o favor ao piloto, que é amigo meu, no mês de novembro de 2017, de conduzir a mesma a uma oficina de manutenção, e fiz o preenchimento do diário de bordo da aeronave, ficando registrado nele meu nome, sendo apenas esta ligação com aquele helicóptero. Minha empresa possui outras aeronaves de pequeno porte que fazem voos panorâmicos e pulverização aérea. As duas embarcações que são citadas, uma de cor dourada, é minha, adquirida em 2015, antes mesmo de conhecer o Wagner. Estes fatos estão sendo esclarecidos à Polícia de São Paulo e tenho documentos que mostram a origem do dinheiro para adquiri-las.

A própria Polícia divulgou que você está colaborando com as investigações. Como tem sido esse contato?

Minha advogada procurou as autoridades logo após os fatos, levando minhas explicações por escrito. A Polícia Civil e Gaeco (do Ministério Público) do Ceará tem esses detalhes e, por enquanto, estão em sigilo, mas grande parte já estou adiantando aqui para vocês.

Você já tinha sido preso no Piauí. Estava mesmo transportando droga do PCC, de outro país para o Brasil? Quantas vezes você participou desse tráfico internacional?

Fui preso sim, em 2012, fato que provei não participar de organização criminosa alguma, tanto que fui absolvido dessa acusação. Naquela oportunidade, fui fazer um voo de foto aérea, no Estado do Mato Grosso, e fui obrigado a seguir pro Interior do Ceará, tanto que foi provada minha não participação em quadrilha. Fui liberado ao final do inquérito e minha aeronave foi restituída, pois foi provado à Justiça a origem lícita da minha empresa e de meu trabalho. Nunca fiz tráfico internacional de drogas. Apenas nessa ocasião fui coagido a transportar essa carga ilícita dentro do Brasil, do Mato Grosso para o Ceará. Desconheço até hoje o proprietário daquela droga. Aliás, naquele processo não foi feita qualquer menção ao PCC.

Três pilotos foram presos em São Paulo, na semana passada, com uma aeronave que a Polícia diz ser sua. Eles são seus funcionários no PCC?

Conforme falei acima, a aeronave presa recentemente pela Dise de São Bernardo do Campo não possui qualquer vínculo comigo, senão o citado acima, que levei para uma revisão no mês de novembro de 2017, a pedido de um amigo que era o piloto. Não sei onde voava, não conheço nem de vista nenhum dos presos, e nunca estive naquele lugar. Como acharam meu nome naquele documento de registro de voo, usaram disso para falar que eu era o dono. Porém, a própria empresa que vendeu, fato divulgado pela TV Globo, disse desconhecer minha pessoa. Todos os pilotos que prestavam serviços para minha empresa já foram ouvidos pela Polícia em SP e nunca tiveram relação com esse último helicóptero apreendido.

Você se arrepende de alguma coisa?

Sou profissional. Trabalho nisso há muito tempo. Tenho família, tenho empresas e um patrimônio. Nunca quis me envolver em nenhuma atividade ilícita. Lamento apenas ter conhecido o Wagner, acreditando que fosse apenas um empresário, e ter confiado nele. Foi uma decepção. Quando soube da ilicitude de seus negócios, já era tarde, fui testemunha de um crime horrível. Eu estava com a minha noiva passando o Carnaval em Fortaleza, pois seria um voo normal da volta. Absolutamente nada de anormal até minha chegada ao hangar naquele dia.

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