‘Não teve voz de parada, já foram logo atirando’

A filha da pedagoga morta por um tiro de um PM revelou como se deu o momento em que o veículo foi abordado

Escrito por Redação ,

Aos 19 anos, Daniela Távora viu a mãe ser morta. Cada novo fato da narrativa parece mais impressionante: escapou por pouco de um disparo, foi ajoelhada no chão com uma arma apontada para a cabeça e teve que levar um fuzil carregado entre as pernas, até o hospital. Muita coisa no mesmo dia. Muita coisa para ser processada em toda a vida. Pouco tempo para tudo mudar. Indignação, saudade e a dor de saber que, mesmo fazendo tudo o que pode, não salvou a mãe do tiro disparado por um PM.

A universitária nega que a Polícia Militar tenha dado voz de parada ao automóvel Hyundai HB20, que a pedagoga e estudante do curso de Administração de Empresas, Giselle Araújo Távora, de 42 anos, dirigia pela Avenida Oliveira Paiva, na última segunda-feira (11). Contestando a versão apresentada pelos militares, ela pede uma resposta: “Por que eles atiraram?”. 

“Não houve voz de parada nenhuma. Nós estávamos saindo de casa para lanchar. Morávamos a menos de um quilômetro do local da ocorrência. Quando estávamos na Rua Chico Lemos, vi uma movimentação. O local é muito escuro. Vi umas motos, com os faróis desligados, correndo muito, tentando cercar o carro. Vi que os homens estavam armados. Escutei um tiro. Na hora, só pensei que fosse um assalto e pedi para minha mãe sair dali”, contou. 

Daniela Távora revelou que estava sentada no banco de trás do veículo e o segundo disparo passou tão próximo dela, que sentiu que algo quase tinha lhe acertado. Logo em seguida, Giselle começou a gritar dizendo que tinha sido baleada e iria morrer. O disparo feito de uma carabina, calibre ponto 40, havia atravessado o vidro traseiro do automóvel, perfurado o banco do motorista e acertado o pulmão da pedagoga. 

“Eu estava tentando descer do carro e vi homens encapuzados. Gritaram mandando eu descer, me ajoelharam no asfalto, apontaram uma arma na minha cabeça. Eu gritei muito pedindo para socorrerem minha mãe. Um PM abriu a porta do carro e ficou muito aperreado quando viu que ela estava sangrando. Perceberam que não éramos criminosas, começaram a ser ainda mais grosseiros comigo: ‘Porque vocês não pararam, porque vocês correram?’. Em nenhum momento mencionaram essa história de perseguição a carro roubado. Só fiquei sabendo disso no outro dia pelos jornais. Já ouvi vários relatos de pessoas que foram abordadas e eles deram a mesma desculpa”. 

Segundo Daniela, durante a ocorrência, um ambulância passou pelo local, mas já estava cheia e não pode levar Giselle. “Eu me desesperei enquanto minha mãe agonizava. Os policiais mandavam eu calar a boca, ficar quieta. Uma paramédica desceu da ambulância e entrou no nosso carro com a minha mãe, no banco de trás. Ela sangrava muito. Entrei no banco da frente, um policial foi dirigindo e me entregou o fuzil dele carregado, que eu tive que levar, entre as minhas pernas, até o hospital”. 

A universitária revelou que quando Giselle recobrava a consciência, repetia que aquilo estava errado e que era inocente. “Eu quero que eles apresentem a ocorrência desse carro roubado naquela região, naquele dia. Foram totalmente agressivos. Mesmo depois de perceberem que estavam errados, culpavam a mim e a minha mãe todo o tempo. Mesmo que tivesse um carro roubado circulando naquela área, todo veículo tem uma placa diferente. Eles vão sair atirando em todo carro igual ao invés de checar a placa? Entregam uma arma potente na mão de gente despreparada, sem condição de usá-la. Muitas pessoas passaram por essas abordagens. Já chegam lhe destratando, não dá nem para saber o que está acontecendo. Aquilo é uma irresponsabilidade. Afastaram o policial, mas isso é o suficiente? E minha família? E eu e meu irmão que ficamos sem mãe? E minha avó que perdeu a filha? Ele vai voltar para as ruas e minha mãe vai voltar?”, questionou. 

Abordagem 

Os próprios militares envolvidos no caso afirmaram, em um Boletim de Ocorrência (B.O.) registrado no 34ºDP (Centro), que o intuito era acertar o pneu do veículo, para interromper uma suposta fuga. A reportagem tentou contato com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) para esclarecer qual teria sido a ocorrência de roubo de veículo citada pelos policiais, mas o setor administrativo responsável pelos registros, já havia encerrado o expediente no momento do contato. 

O governador Camilo Santana e o titular da SSPDS, André Costa, disseram, em evento recente, que lamentavam o ocorrido e que o fato seria investigado com rigor. 

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