Interceptações mostram vínculo de servidores da Sejus com criminosos

Ligações telefônicas interceptadas com autorização judicial apontam ligação entre os servidores da Sejus e integrantes da facção criminosa PCC

Escrito por Emanoela Campelo de Melo - Repórter ,

Uma investigação iniciada há quase dois anos, no período da maior crise do Sistema Prisional do Estado, resultou no recente afastamento de sete agentes penitenciários, dentre eles membros da coordenadoria da Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus) e diretores dos maiores presídios do Estado. Em conversas telefônicas interceptadas com autorização judicial é possível perceber a formação de uma 'teia criminosa' dentro dos presídios cearenses. As gravações expõem os alvos da operação, incluindo o ex-titular da Coordenadoria do Sistema Penal (Cosipe), Edmar de Oliveira Santos. Alguns trechos mostram a participação direta de servidores públicos que detinham cargo de poder dentro da Sejus.

Dentre os crimes pelos quais o grupo é suspeito, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) inclui corrupção passiva, inserção de dados falsos no sistema de informação, prevaricação, omissão no dever de vedar ao preso acesso a aparelho celular, condescendência criminosa, violação do sigilo profissional e também tortura de presos.

O terceiro na linha de comando e tido como 'braço direito' da secretária Socorro França, Edmar de Oliveira conversou, por diversas vezes, com a integrante de uma organização criminosa. Áudios mostram supostas combinações entre o agente penitenciário e uma mulher, que pertenceria à facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).

A investigação do Ministério Público contempla 1.850 horas de gravações telefônicas, 70 mil ligações e SMS, 76 terminais interceptados e 37 investigados. Uma das conversas protagonizadas pelo ex-coordenador da Cosipe é com a suspeita Gizeuda Ferreira de Lima.

A mulher, presa durante diligências da 'Operação Masmorras Abertas' e que responde na 11ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza por falsificação de documento público, tráfico de influência e associação criminosa, mantinha uma relação próxima com Edmar Oliveira. Gizeuda, esposa do preso Fábio Sousa Lima, passou a adquirir intimidade com os agentes penitenciários ao longo das visitações.

Na posição de 'correria', ou seja, quem negociava entregas de ilícitos dentro das unidades prisionais e quem tinha conhecimento acerca das fugas futuras, Gizeuda tinha o número pessoal do titular da coordenadoria do Sistema Penitenciário. Ela costumava manter contato direto com o gestor e fazia pedidos particulares. No dia 21 de maio de 2017, a dupla conversou ao telefone. Conforme a ligação interceptada com autorização judicial, Gizeuda perguntou a Edmar se ia haver transferência da Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL III), em Itaitinga para outra unidade.

A mulher se mostra preocupada com a possível intervenção da Sejus, mas o servidor garante que não proferiu nenhuma ordem.


"Boa noite, chefe. Meu fi (sic), vai ter transferência da três para outra unidade?", diz Gizeuda. Em resposta, o agente afirma que "isso é papo de cadeia. Não tem ordem minha para nada". Então, a mulher finaliza: "pois vou dormir tranquila" acrescentando que aquilo acabava de ser ouvido da boca do coordenador.

Entrada

As conversas expõem o envolvimento de Gizeuda Ferreira de Lima com outro servidor público investigado pelo MPCE. Herlano Walquer Falcão Macieira, ex-diretor da Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) II foi flagrado dialogando com a integrante do PCC.

O 'bate-papo' entre eles se resumia a Herlano Walquer intermediar um pedido da "correria" para Edmar de Oliveira. "Faz um grande favor pra mim. Liga pro Edmar e pede pra ele me atender. Tô (sic) ligando de um final 29. Eu vim entrar nesse carai (sic) desse presídio e disseram que não pode mais entrar com a identidade. Eu já tinha explicado essa situação para o Edmar", disse Gizeuda ao diretor da CPPL II.


Em resposta, Herlano Walquer garante que vai telefonar ao colega para alertar sobre a proibição da entrada da mulher. A conversa entre o diretor e Gizeuda foi registrada no dia 8 de abril do ano passado.

Na última segunda-feira (16), Herlano Walquer e Edmar Oliveira foram alvos da operação e presos em flagrante por porte ilegal de arma. Os dois conseguiram soltura após pagamento de fiança.

A respeito dos áudios, a reportagem tentou entrar em contato com os agentes penitenciários, mas os telefones estavam desligados. As ligações para as advogadas de defesa do ex-titular da Cosipe não foram atendidas.

Também foram afastados das suas funções na "Operação Masmorras Abertas" Celso Murilo Rebouças de Mendonça, adjunto da Cosipe; Paulo Ednardo Oliveira de Carvalho, coordenador de Patrimônio da Secretaria de Justiça e Cidadania; João Augusto de Oliveira Neto, agente penitenciário; Mauro César Ximenes Andrade, diretor adjunto da CPPL I; e Francisca Celiane de Almeida Celestino, diretora do Centro de Triagem e Observação Criminológica (Cetoc).

Transferências auxiliavam  em fugas  de detentos

O mundo à parte do Sistema Prisional. É assim que o promotor Nelson Gesteira se referiu, em entrevista no último dia 16, sobre o que acontece dentro das prisões. Nos presídios se sobressaem as regras e vontades dos internos. Se um preso quer trocar de rua ou unidade, não demora até que ele consiga.

No dia 16 de maio de 2017, duas mulheres, Gizeuda Ferreira e a outra identificada apenas como 'Lu', acertaram a transferência de Francisco Rafael Alves da Silva, o 'Rafael Xilito'. A ligação telefônica mostrou que na data era acertada a realocação do detento para a Rua H, da Unidade Prisional Agente Luciano Andrade Lima, antiga CPPL 1.

"Tu tenta falar só com o Mauro. Acha que dá certo não? Aí fica R$ 1 mil pro Mauro. Porque o Rafael tem uma ordem na Secretaria que ele não pode ser mudado de rua. Pro Mauro mudar ele de rua tem que pedir autorização do Neto. Então de um jeito ou de outro tem que molhar a mão de um e de outro", disse Gizeuda. Mauro ao qual a mulher se referiu é Mauro César Ximenes Andrade, ex-diretor adjunto da CPPL I. Ele também foi afastado das suas funções quando deflagrada a "Operação Masmorras Abertas".

Conhecido como líder de uma quadrilha que rouba e furta veículos, Francisco Rafael se manteve foragido até o mês de novembro do ano passado. Ele foi localizado no Rio Grande do Norte. Desde então, não se sabe onde o homem está recluso.

Movimentações

Segundo o Ministério Público, devido aos acirramentos entre facções criminosas rivais, em dois dias de janeiro de 2017 houve, cerca de quatro mil transferências. As movimentações de urgência aconteceram no intuito de evitar mortes. Em entrevistas anteriores, a titular da Sejus, Socorro França já havia falado sobre o período intenso de realocações de presos.

Na última segunda-feira, o promotor de Justiça Nelson Gesteira disse ser prematuro afirmar quem eram os beneficiários e beneficiados em cada caso envolvendo a associação criminosa. De acordo com Gesteira, as coletas de materiais serão utilizadas para complementação da investigação.

sa

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.