Estado silencia sobre estupro em penitenciária
Considerado um crime grave até entre os detentos, o estupro de uma criança de 11 anos, em uma penitenciária, requer uma resposta
O registro de um estupro de uma menina de 11 anos, dentro de um presídio em Itaitinga, no último fim de semana, exige respostas. As instituições dotadas de poder tratam o caso como sigiloso e revelam apenas que as circunstâncias estão sendo investigadas.
Motins são registrados em três unidades
A crise permanente no Sistema Penitenciário cearense já dura anos e teve o silêncio como resposta em várias outras questões. Um agente penitenciário da ativa revelou à reportagem que as unidades estão caóticas. “Os agentes não têm a menor condição de intervir. A CPPL em que a criança foi estuprada tem mais de dois mil presos. Como oito agentes controlam isso? Não há dignidade alguma, é uma situação completamente irregular”, afirma o profissional.
Segundo ele, não tem um monitoramento dos visitantes. “Pode já ter acontecido muitos outros absurdos como esse estupro, que não ficamos nem sabendo. As crianças entram e presenciam detentos usando drogas, mantendo relações sexuais, incitando motins. Se para um agente, que é um adulto treinado para estar ali, a rotina é impactante e causa sequelas psicológicas, imagine para uma criança”.
O presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen), advogado Cláudio Justa, afirma que, além do detento do estupro, a pessoa jurídica do Estado do Ceará pode ser responsabilizada pelo crime. Para ele, até servidores da Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus) podem ser acusados por negligência funcional ou prevaricação, dependendo do resultado das investigações.
“É uma ocorrência muito grave. Essa criança estava em um procedimento autorizado pelo Estado, em um equipamento de segurança do Estado, sob a proteção do Estado, e foi vítima de um crime hediondo. O Poder Público tem que ser responsabilizado pelo fato”, observou.
O presidente da Comissão de Direito Penitenciário da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), Márcio Vitor Albuquerque, garantiu que a Instituição irá cobrar uma apuração rigorosa.
“Já estamos oficiando a Secretaria da Segurança Pública (SSPDS), o Ministério Público (MPCE) e a própria Sejus, para que esse caso seja apurado de forma rigorosa. Sabemos que uma pessoa foi presa, mas queremos que esse episódio não se repita. É um fato lamentável, triste”, comentou.
Registrado
Questionada sobre o assunto, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), informou, em nota, que o procedimento de estupro de vulnerável foi registrado na Delegacia Metropolitana do Eusébio, plantonista responsável por Itaitinga, no fim de semana. A continuidade das investigações ficarão a cargo da Delegacia de Itaitinga.
Já o MPCE, através da assessoria de comunicação, relatou que o flagrante ainda não foi comunicado ao órgão e alegou que “não poderá prestar informações detalhadas sobre o caso”, por estar em segredo de Justiça.
Permitido
A titular da Sejus, Socorro França, afirmou entender que a culpa do crime não é do Estado, já que, segundo ela, as visitas são permitidas por lei, e os pais devem acompanhar as crianças. “A delegada não quer adiantar nada. Não sei efetivamente como aconteceu, mas não foi como está sendo colocado. Os agentes agiram prontamente e levaram imediatamente o caso à Delegacia”, disse.
A assessoria do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) informou que não iria se pronunciar, porque não havia tomado conhecimento oficialmente a respeito do caso.
Mesmo alegando a permissão da entrada das crianças, prevista em lei, a Sejus definiu, ontem, que as visitas de crianças a internos que respondam por crimes contra a dignidade sexual, reclusos no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis) – a CPPL V – estão suspensas, até nova deliberação da Pasta.
Recluso
A menina vítima de estupro é filha de um preso, também suspeito de crime sexual. Segundo a Sejus, a visita de menores de idade “sempre transcorreu normalmente, desde que as crianças estejam acompanhadas por responsáveis legais e que estejam cadastradas no Núcleo de Cadastro de Visitantes para tal fim”.
O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Ceará (Sindasp), Valdemiro Barbosa, disse que há tempos vem alertando a Sejus sobre os riscos para as crianças. “A gente vem batendo na tecla que presídio não é lugar de criança. Essas visitas devem se limitar ao parlatório”.
Cláudio Justa e Márcio Vitor Albuquerque concordam que houve falha na segurança da unidade. “O Estado tem que resguardar a segurança das visitas, o que não foi feito neste caso, até em virtude da superlotação do sistema”, disse o representante da OAB-CE.
O preso que violentou a menina foi levado ao isolamento até a conclusão das investigações, segundo a Sejus. Ele já respondia por outro estupro.