Duas áreas com base da Polícia têm aumento de homicídios

Das cinco AIS em que estão dispostos os contêineres, três delas, porém, apresentaram redução de CVLIs

Escrito por Cadu Freitas - Repórter ,

O aspecto interiorano que salta à vista de quem chega no limite da Comunidade do Gereba, no bairro Passaré, é permeado pelos diversos estabelecimentos da Rua Estrada do Itaperi. Ali, região fronteiriça ao lixão desativado do Jangurussu, locais de venda e compra de materiais recicláveis se misturam aos cavaleiros urbanos que levam, na garupa do cavalo, a mochila recheada do trabalho diário.

Basta esticar a vista para dentro de uma rua sem fim que a fachada do Fundo de Apoio Comunitário (FAC) do Jangurussu se impõe. Única unidade de apoio do Gereba, há 36 anos, o FAC fincou raízes em um matadouro desativado. Do início do trabalho, as memórias de Fátima Lemos, diretora do espaço, surgem como marcas de uma região que tem na cautela a chave para a sobrevivência.

O cuidado, o receio e a esperança são a tríade de suporte para a manutenção da atividade e da rotina do grupo de profissionais que atende cerca de 120 crianças diariamente na creche e escola infantil criados no local. Isso porque desde a implementação de um contêiner da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Governo do Estado na entrada da região algumas coisas haviam mudado.

"Nos primeiros dias, ficamos muito receosas e com muito cuidado. Quando entrava alguém na Comunidade e dizia que a Polícia tinha vindo só pra bater na gente, eu dizia: 'mas nós ainda não vimos o que eles vieram fazer'", relata Fátima Lemos ao considerar que nunca foi uma mulher com "muito juízo".

O medo da mulher era compartilhado por muitos moradores do local, que, receosos com o tratamento dado aos policiais recém-chegados, não podiam manter relação mais próxima - e boa parte ainda não o faz, uma vez que o Gereba é um dos berços da Capital da facção criminosa Comando Vermelho (CV).

"Para mim, está muito bom, mas tem gente que não tá gostando. Nem Jesus Cristo agradou... E nós passamos quantos anos a ver navio? E não é de uma hora pra outra que vai chegar e todo mundo vai achar que isso veio pra melhorar, não; é difícil", explica a aposentada que já ensinou a quatro gerações de familiares da Comunidade.

Gênese

Em meados de dezembro de 2017, a inauguração da base de policiamento 24 horas chamou a atenção da diretora da FAC. No local, desde então, cinco policiais são responsáveis pelo contêiner de apoio das Forças de Segurança; cujas equipes rondam de moto e carro a fim de diligenciar ações e tentar dar sensação de segurança aos transeuntes e moradores.

De acordo com o secretário adjunto da SSPDS, Alexandre Ávila, das 10 localidades escolhidas para a implantação, nove apresentavam altos índices de violência, como o Gereba e a Babilônia, zona de conflito entre o CV e a Guardiões do Estado (GDE), separados por poucas ruas de diferença.

Segundo Alexandre Ávila, a ideia da base de policiamento surgiu a partir de estudos de projetos implantados em outros países, como a Colômbia e o Japão, além de experiências brasileiras, contudo, ainda não pode ser considerada uma política da Segurança Pública estadual. "A gente pode afirmar que é um projeto que está em fase de implantação e monitoramento. Faz parte do Ceará Pacífico como foco mais aproximado, pontual e focado em pontos que demandem uma atenção maior", explica.

Números

Conforme o secretário adjunto, os resultados têm sido "promissores", fato que tem corroborado, segundo o gestor, com a redução de homicídios nas regiões de implantação e em Fortaleza, ainda que não tenha sido apontado como o único fator responsável por tal diminuição.

Dados disponibilizados pela SSPDS relativos ao comparativo de março e abril de 2017 e 2018 apontam diminuição de 2,7% na Área Integrada de Segurança (AIS) 7, onde estão delimitados os territórios do Gereba e da Babilônia, além da base instalada no Lagamar. No entanto, quando comparado o acumulado entre janeiro e abril, de 2017 para 2018, o número de homicídios na região subiu 52%: foram 59 no ano passado e 90 neste.

Na AIS 3, onde estão dispostos mais quatro contêineres (Alameda das Palmeiras, Jagatá, Conjunto Habitacional Maria Tomásia e Residencial José Euclides Ferreira Gomes), houve aumento de 8,6% de CVLIs entre janeiro e abril dos dois anos.

Entretanto, a Pasta registrou redução de homicídios em regiões que dispõem de bases de policiamento. São elas: AIS 1 (Largo Luís Assunção, na Praia de Iracema), com diminuição de 5%; AIS 6 (Favela do Sossego), com 4,9%; e AIS 8 (Lagoa do Urubu), com 5,6% de redução.

Até o fim deste ano, a ideia da Secretaria é expandir as bases de policiamento para 20 unidades na Capital e na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Embrionário

A socióloga Ana Letícia Lins, do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), porém, considera difícil avaliar o real impacto da implantação dos contêineres em razão de eles serem muito recentes. "É algo muito novo para a gente entender os efeitos que pode acarretar. É complicado de avaliar de forma concreta, mas já está sendo atrelado uma explicação para a redução de homicídios", avalia.

De acordo com a socióloga, o projeto pode até impactar de forma direta na redução dos CVLIs, mas, além da ocupação policial, a de projetos sociais também tem de ser considerada. "Fico pensando se ele é resultado de um planejamento ou se é apenas uma ideia que vai passar. Essas localidades precisam de acesso a políticas públicas, que ofereçam esporte, cultura, uma série de medidas que não foram cumpridas, e que não vão ser cumpridas com ideias pontuais", afirma.

Em nota, a SSPDS disse que as bases de policiamento contam com a colaboração de parceiros, como a Prefeitura de Fortaleza, associações sem fins lucrativos e entidades privadas. Nos mesmos moldes, há previsão de levar ações sociais, como a retirada de lixo e entulho, serviço de capinagem e melhoria na iluminação pública, para as regiões de outras bases. Estão previstos para chegar às comunidades equipamentos como Areninhas e Brinquedopraças.

No Gereba, a diretora do FAC é uma das receptoras dos projetos. Por lá, quinzenalmente são ofertadas oficinas de coaching, além de outros serviços já realizados, como retirada de documentação, mediação de conflito, além de uma parceria com a Orquestra Filarmônica do Ceará.

"Nos últimos três anos a gente nota que a periferia ficou muito tempo abandonada. Pra cá não vem emprego, vem subemprego. A maioria das pessoas aqui são catadoras, tem muita gente honesta, honrada, bacana. Quando a gente vê uma história mais triste, é porque a família falhou; e todo mundo precisa de um exemplo para se espelhar", observa Fátima Lemos.

Jangurussu

Residencial tem três mortes em uma semana

Na área do Residencial José Euclides Ferreira Gomes, no bairro Jangurussu, atualmente comandado pela facção criminosa Guardiões do Estado (GDE), uma base de policiamento foi implantada há cerca de dois meses.

Apesar de a área de segurança conseguir bater metas de salvamento de vidas nos últimos meses, só na semana passada foram três mortes registradas dentro do Residencial; duas delas de forma sequencial.

No início da semana, policiais da base ouviram tiros dentro da comunidade e informaram às equipes de rua que, em seguida, foram em direção ao José Euclides. Enquanto isolavam o local no qual um homem foi morto, a apenas um bloco de distância, disparos de armas de fogo eram efetuados. Chegando no local, os policiais observaram que havia outro corpo estendido no chão, no momento em que um grupo suspeito fugia pelos becos, sem serem identificados.

Contêiner na Praia de Iracema gera confusões

Enquanto mexe a panela para a pipoca estourar, Ireudo Gomes olha para o lado. À direita, dois policiais usufruem da sombra formada por um contêiner branco, sem qualquer inscrição, disposto no Largo Luís Assunção, na Praia de Iracema. A única coisa da qual o vendedor de 62 anos sabe é que os policiais cuja posição era na frente do Centro Cultural Belchior agora ficam lá.

Mal desconfia ele que o ambiente é climatizado, tem bebedouro e cadeiras para descanso. Pior ainda seria se ele soubesse que nem os próprios policiais sabem dizer se o posto já está funcionando oficialmente; resposta só com o comandante do Batalhão de Policiamento Turístico (BPTur), que cobre a área.

"Eles ficavam aqui, fizeram esse posto e foram pra lá; pelo menos tem policial perto pra ligar pra viatura vir, num instante chega", garante o homem que trabalha na região há 17 anos. Aos domingos, dia no qual aquele trecho da Praia de Iracema se torna Praia dos Crushs, "tem muita gente, é lotado, por isso, o policiamento é importante".

A distância foi a principal razão pela qual o Conselho dos moradores da Praia de Iracema pediu o equipamento à Prefeitura de Fortaleza - que o solicitou à SSPDS. No bairro, antigamente, havia uma delegacia; hoje, os postos mais próximos ficam no Palácio da Abolição ou no Centro, relata Davi Ramos, presidente do Colegiado.

Ainda que a inclusão do equipamento destoe da intenção das demais por não haver disputa por território, na opinião do conselheiro, o policiamento deve ser comunitário. "O contêiner é mais como um ponto de apoio onde as pessoas podem recorrer para resolver algum conflito, vamos conversar para que haja um tipo de abordagem diferenciada dos policiais; não é pra ser ostensivo, é mais uma prevenção", sugere Davi Gomes.

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