Desembargador suspeito de venda de liminares não é denunciado

O promotor solicitou que a PF produza um relatório e apresente as conclusões sobre o magistrado aposentado Paulo Camelo Timbó

Escrito por Emerson Rodrigues/ Messias Borges - Editor/Repórter ,

Quase 10 mil páginas distribuídas em 13 volumes, 36 apensos (peças correlacionadas) e 21 mídias contendo arquivos digitais, como interceptações telefônicas referentes a uma ação penal e três inquéritos, que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre um esquema de venda de liminares para criminosos nos plantões do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Esse é o resultado de, aproximadamente, quatro anos de investigação da Polícia Federal (PF) na operação denominada “Expresso 150”. A apuração investiga desembargadores, juízes, advogados e outros servidores públicos no maior escândalo de corrupção da história do Poder Judiciário cearense.

No entanto, todo o material produzido pelos investigadores da PF ainda não foi considerado suficiente pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) para denunciar o desembargador aposentado Paulo Camelo Timbó. No último dia 9, o MPCE emitiu parecer solicitando a autoridade policial, no caso a PF, que produza um relatório específico sobre o investigado Paulo Timbó num prazo não superior a 60 dias.

O promotor solicita que a PF apresente as conclusões sobre Paulo Timbó, “deixando claro se o mesmo tomou parte do esquema criminoso consistente na concessão de habeas corpus em troca de vantagem econômica ilegal”. Entre os itens solicitados, o MP pede que a PF esclareça de forma objetiva em quais processos criminais as vendas de liminares ocorreram e quais os valores foram negociados entre o magistrado e os demais envolvidos no esquema de corrupção.

No documento, o promotor de Justiça, Marcelo Gomes Maia Pires, afirma que as referências ao desembargador aposentado “estão espalhadas de forma caótica ao longo do conjunto dos fólios (peças processuais), em referências espaças e sem sistemática, de modo que o seu envolvimento no esquema criminoso não se apresenta com a clareza que permitiria uma acusação formal”. 

O representante do MP diz ainda que nos últimos meses realizou “uma penosa análise” do processo, mas os elementos relativos a Paulo Timbó ainda são circunstanciais, apesar de considerar que a suspeita contra o magistrado tem fundamento.

O promotor cita no documento trechos das investigações da PF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a atuação suspeita de Paulo Timbó durante os plantões, mas reforça que “todos os fatos e documentos estão misturados, sem nenhuma ordem lógica ou cronológica”.

Marcelo Gomes Maia Pires disse ainda que das várias horas de interceptação telefônica da investigação nas diversas mídias anexadas ao processo, muitas mídias apresentaram defeitos, o que dificultou e, em alguns casos, impediu acessar o conteúdo das gravações. 

Avalanche

O MP destaca no despacho, trechos da documentação processual indícios de ilicitude relacionadas ao magistrado. Em uma das parte, a PF aponta que entre os anos de 2011 e 2014, foram impetrados nos plantões do desembargador Paulo Camelo Timbó 145 pedidos de habeas corpus com 31 concessões. 

Somente em um dos plantões, no fim do ano de 2013, uma avalanche de pedidos de liberdade em caráter liminar, 33 impetrados e 15 acatados, resultando em soltura de criminosos investigados por crimes como o de tráfico de drogas. Interceptações telefônicas e depoimentos de testemunhas e investigados também citaram o magistrado como sendo um dos mais procurados pelos advogados envolvidos no esquema para solicitação de liminares em plantões. 

Em 15 de junho de 2015, o investigado Paulo Timbó foi ouvido pelo CNJ e negou envolvimento nas transações ilegais. O advogado Leandro Vasques, que representa Paulo Timbó, disse que a defesa “aplaude a prudência demonstrada pelo membro do Ministério Público, ao tentar buscar as respostas necessárias para o eventual início de uma ação penal”. Afirmou ainda ter “plena convicção de que o silêncio havido até hoje pela investigação da Polícia Federal em relação a tais respostas se dá justamente porque não existem provas que maculem a conduta profissional do magistrado Paulo Timbó”.

Relatório

Trecho de relatório da PF assinado pelo delegado Wellington Santiago aponta que o desembargador Paulo Camelo Timbó “estaria envolvido em esquema de venda de liminares em plantões judiciais”. Conforme o documento, “as interceptações indicaram que o magistrado atuou diretamente na orientação e indicação de processos a serem colocados em pauta, dando a entender<TB>que sua ação/entendimento tinha o intuito preferencial de deferir medidas liberatórias de acusados presos, fulcrado principalmente em extrapolação de prazo de instrução processual”, ou seja, lentidão da Justiça. 

Outro trecho do documento da PF das interceptações aponta que o magistrado ficou apreensivo quanto a inspeção do CNJ logo após a divulgação do escândalo das vendas de liminares. Ele teria orientado assessores sobre como proceder durante a inspeção. 

A reportagem entrou em contato com a PF para saber quando a solicitação do MP seria atendida, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. 

Magistrados são investigados no STJ

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Investigados no STJ prestaram depoimento na Justiça Federal do Ceará (Foto: Natinho Rodrigues)

Dos cinco desembargadores investigados na “Operação Expresso 150”, quatro seguem respondendo a ações penais ou inquéritos no Superior Tribunal de Justiça (STJ). São eles: Sérgia Maria Mendonça Miranda, Francisco Pedrosa Teixeira, Váldsen da Silva Alves Pereira e Carlos Rodrigues Feitosa.

Os três primeiros magistrados foram acusados pelo crime de corrupção passiva, pelo Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal, no dia 10 de novembro último. A denúncia dividiu as apurações em três núcleos, referentes à participação dos desembargadores no esquema criminoso.

No núcleo de Sérgia Miranda, aparecem outros cinco investigados na Operação: o seu então namorado, o empresário Frankraley Oliveira Gomes; e os advogados Michel Sampaio Coutinho, Carlos Eduardo Miranda Melo, Mauro Júnior Rios e Jéssica Simão Albuquerque Melo. De acordo com a investigação da Polícia Federal (PF), o grupo teria negociado a venda de pelo menos seis habeas corpus nos plantões do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e apenas uma decisão judicial da desembargadora teria custado R$ 217 mil aos interessados.

No núcleo de Francisco Pedrosa, também estão cinco investigados: a sua companheira Emília Maria Lira; e os advogados Michel Sampaio Coutinho, Adaílton Freire Campelo, Marcos Paulo de Oliveira Sá e Jéssica Melo. A PF identificou pelo menos duas liminares negociadas pelo desembargador e pelos outros denunciados.

Já no núcleo de Váldsen Pereira, conforme a denúncia, está o advogado José Joaquim Mateus Pereira. O magistrado teria recebido R$ 107 mil de Joaquim, para proferir decisões em processos envolvendo o concurso da Polícia Militar do Ceará, entre 2011 e 2012.

Réu

O desembargador Carlos Feitosa já virou réu da ação penal que responde em decorrência da “Expresso 150”, junto a oito advogados e um homem apontado como traficante de drogas e integrante da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), de acordo com decisão do ministro relator Herman Benjamin, no dia 15 de março do ano passado.

O ministro entendeu que existem indícios robustos da prática de ilícitos, na denúncia do MPF, e citou conversas do grupo de WhatsApp, que mencionavam a comercialização de decisões em favor de presos nos dias em que o desembargador Carlos Feitosa estava de plantão.

Em decisão proferida no dia 21 de dezembro último, Benjamin arquivou três denúncias contra Sérgia Miranda, uma delas referente à “Expresso 150”, por entender que houve prescrição. Contudo, o ministro do Superior Tribunal pediu novas diligências da PF para apurar a suspeita de outro ato de corrupção atribuído à desembargadora.

A magistrada é investigada por proferir uma decisão acerca da desapropriação de um terreno no Estado do Ceará. De acordo com o MPF, ela teria recebido propina no valor de R$ 675 mil, em espécie, de um advogado, para tender para uma parte envolvida no processo.

A reportagem entrou em contato com o a assessoria de comunicação do STJ para saber sobre o andamento dos processos, mas não teve os pedidos atendidos até o fechamento desta matéria. O jornal também tentou contato com os advogados de defesa dos desembargadores, mas as ligações não foram atendidas. 

Fique por dentro

Investigado perdeu foro privilegiado

Como requereu aposentadoria no dia 2 de março de 2015, após começar a ser investigado, o magistrado perdeu o foro privilegiado e todos os indícios encontrados contra ele pela PF e que já estavam no STJ foram transferidos por determinação do ministro Herman Benjamin, em 4 de outubro de 2016 para uma das varas criminais da Justiça estadual. Contudo, desde o início de 2017, quando a determinação do STJ chegou ao Fórum Clóvis Beviláqua, dez juízes se declaram impedidos de assumir o caso alegando motivo de foro íntimo.

Somente em junho do ano passado, o caso passou a tramitar na 15ª Vara Criminal. Uma das últimas movimentações do processo foi a autorização judicial para a quebra de sigilo bancário e fiscal do desembargador Paulo Camelo Timbó e de dois dos seus ex-assessores no período de janeiro de 2011 até junho de 2015.

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