Concessão de soltura a presos quase zera nos plantões do TJCE

Advogados criminalistas acreditam que a redução se deve às apurações da PF, sobre um esquema criminoso de venda de habeas corpus nos plantões do Tribunal

Escrito por Messias Borges - Repórter ,

O número de liminares concedidas a presos durante plantões do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) caiu drasticamente, quase zerando, nos últimos quatro anos. A quantidade de habeas corpus solicitados pelos advogados de defesa dos detentos também reduziu. A reportagem entrou em contato com advogados criminalistas, que acreditam que as variações têm relação com as investigações da Polícia Federal (PF), resultantes na 'Operação Expresso 150', para apurar um esquema de venda de liminares no Tribunal.

Conforme dados do TJCE, no ano de 2013, 227 pedidos de habeas corpus foram impetrados nos plantões do Judiciário cearense, e 42 deles foram deferidos pelos magistrados. Em 2017, foram 111 requisições de liminares nos plantões, o que representa uma queda de 51,1%, em quatro anos. Destes 111 pedidos, apenas dois foram concedidos, o que significa uma redução de 95,2% na concessão das liminares, no mesmo período.

O esquema criminoso investigado pela PF veio à tona em abril de 2014, quando o presidente do TJCE na época, o desembargador Luiz Gerardo de Pontes Brígido, confirmou, em entrevista à TV Diário, que havia uma investigação interna em andamento neste sentido. "Temos indícios de que há uma rede organizada para conceder liminares criminais. É triste reconhecer, mas existe", revelou.

Os registros de habeas corpus solicitados e de liminares concedidas começaram a cair justamente em 2014. Naquele ano, apenas 60 pedidos foram ajuizados por advogados, e somente dois deles foram concedidos. Em junho do ano seguinte, a Polícia Federal deflagrou a 'Operação Expresso 150'. No decorrer dos anos, a ofensiva avançou e deu cumprimento a mandados de busca e apreensão na sede do TJCE. As fases da ação da PF acabaram revelando que as negociatas dentro do Tribunal envolviam desembargadores, juízes, advogados, traficantes e intermediários.

Temor

Advogados criminalistas ouvidos pela reportagem analisam que a redução no número de decisões favoráveis aos presos, durante os plantões, se deve, principalmente, ao temor dos magistrados em serem relacionados com a rede criminosa, que teria vendido liminares.

O diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), advogado Cândido Albuquerque, afirma que o episódio causou um dano imenso à imagem da Justiça cearense. "Esperamos que os problemas que apareceram na 'Operação Expresso 150' não venham a intimidar os desembargadores, naquelas liminares que são legítimas. Esperamos também que os fatos sejam apurados e os culpados sejam punidos, para que os outros desembargadores não fiquem temerosos", pontuou Albuquerque.

O advogado Marcelo Brandão revela que os defensores da área criminal já tinham percebido a diminuição das concessões de liberdade aos detentos, nos últimos anos. Para ele, "isso significa o receio, o medo dos desembargadores que compõem a 1ª e a 2ª Câmara Criminal de conceder habeas corpus". "Muitos tiveram o nome citado em processos do STJ (Superior Tribunal de Justiça), e outros ficaram com receio", considerou o criminalista.

Brandão explica que a redução no número de pedidos de liberdade impetrados pelos advogados se dá pelo excesso de decisões contrárias do Poder Judiciário cearense, recentemente. Ele conta que muitos defensores deixaram de ir aos plantões do TJCE e, se o caso for urgente, alguns preferem ir ao STJ, em Brasília. "Se você for ao STJ, vai ver muitos pedidos de habeas corpus do Ceará. Todo mundo está mandando para lá. Essa semana mesmo mandei um", ratifica.

Cândido Albuquerque acredita que alguns magistrados e advogados desvirtuaram o sentido dos plantão no Tribunal de Justiça. "O plantão judicial é extremamente importante, porque assegura a efetivação de direitos fundamentais, como a liberdade e outras questões processuais que são discutidas de forma emergencial. O plantão existe para isso, para que não se negue ao cidadão o direito de ação que fala a constituição", explica o advogado.

Para o diretor da Faculdade de Direito, os processos referentes à 'Expresso 150' estão demorando a serem julgados, o que acarreta problemas para o trabalho do TJCE. "O STJ precisa priorizar o julgamento desse processo. Precisamos acabar com a 'Operação 150', para resguardar o nome da Justiça. Nós precisamos aprofundar essas investigações, dar prioridade e encerrar esse assunto. Essa página só será deixada no passado com julgamento", conclui.

A reportagem entrou em contato com o TJCE, através da assessoria de comunicação, e solicitou uma entrevista com um representante da Instituição, para comentar a diminuição de liminares solicitadas e concedidas, nos plantões Judiciários, nos últimos anos. Porém, o órgão preferiu se pronunciar por meio de nota: "Na análise de habeas corpus, os magistrados (juízes, desembargadores e ministros) analisam se no caso concreto está configurada alguma hipótese de ilegalidade ou abuso de poder, na ordem de prisão determinada. Não é possível generalizar aspectos das fundamentações específicas dos processos".

Consequência

De acordo com as investigações, o esquema criminoso desarticulado pela PF teria durado, pelo menos, cinco anos e beneficiado dezenas de detentos. Além de impactar na credibilidade da Justiça cearense, os desdobramentos das negociatas no TJCE começam a impactar na violência das ruas.

Exemplo disso foi a prisão recente de Djair de Souza Silva, suspeito de ordenar a 'Chacina das Cajazeiras', ocorrida em 27 de janeiro deste ano, que deixou 14 vítimas. Ele é investigado pela Polícia Federal por ter sido um dos supostos beneficiados pelo pela compra de uma decisão judicial, no valor de R$ 150 mil. O desembargador Carlos Rodrigues Feitosa determinou a soltura do criminoso, em julho de 2013.

De acordo com investigações da Polícia Civil do Ceará, que conseguiu recapturar Djair Silva depois da matança, ele morava em um apartamento de luxo no bairro Cocó.

Apenas três advogados foram suspensos pela OAB

Quase três anos após a deflagração da 'Operação Expresso 150', apenas três advogados investigados pela suposta compra de liminares no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) foram impedidos de exercer a profissão. As sanções foram determinadas pelo Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE).

O presidente do TED, advogado José Damasceno Sampaio, contou que o advogado Mauro Júnior Rios já cumpriu mais da metade dos 24 meses de suspensão; ele firmou um acordou com o órgão e não recorreu. Enquanto os advogados Michel Sampaio Coutinho e Fernando Carlos Oliveira Feitosa estão suspensos cautelarmente, à espera de resposta do recurso que impetraram no Conselho Federal da OAB.

Ainda conforme informações de José Damasceno, mais de 20 advogados são investigados pela PF, na operação. Dez deles já foram julgados em primeira instância, e alguns recorreram à segunda instância do TED. Um investigado já teve derrota na segunda instância, e o Tribunal aguarda o aval do Conselho Seccional para determinar o cumprimento da pena. Os nomes dos profissionais não foram divulgados.

"Os processos estão tramitando. Alguns já cumpriram a pena, outros ainda serão julgados. Estamos fazendo um plano para até o meio deste ano, liquidarmos o julgamento de primeira instância de todos os envolvidos", diz Damasceno.

O diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), advogado Cândido Albuquerque, criticou a falta de punições da OAB-CE aos advogados investigados. "Vejo com profunda tristeza a postura que a OAB/CE adotou, quando o presidente do Tribunal de Justiça fez a denúncia de que sentenças estavam sendo vendidas e advogados estariam comprando. Naquele momento, a OAB/CE se posicionou contra a investigação. Há um interesse social de isso ser esclarecido e os culpados, punidos".

O advogado José Damasceno defende o cuidado adotado pela Ordem com os processos administrativos. "Os julgamentos são lentos, até pelo cuidado que precisamos ter na apuração dos fatos, para dar direito à ampla defesa, ao contraditório. Precisamos seguir o rito estabelecido na lei e no Código de Ética e Disciplina. Temos consciência que estamos cumprindo com o dever dentro do que a lei manda".

Processos

A 'Operação Expresso 150' gerou três processos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e um no TJCE. Cinco desembargadores, 14 advogados e mais cinco pessoas respondem aos procedimentos criminais por corrupção ativa e passiva.

O desembargador Carlos Rodrigues Feitosa já virou réu, em uma ação penal que tramita no STJ, junto dos advogados Fernando Carlos Oliveira Feitosa (filho do magistrado), Everton de Oliveira Barbosa, Fábio Rodrigues Coutinho, Sérgio Aragão Quixadá Felício, João Paulo Bezerra Albuquerque, Marcos Paulo de Oliveira Sá, Michel Sampaio Coutinho e Mauro Júnior Rios; além do traficante Paulo Diego da Silva Araújo, apontado como membro da facção Primeiro Comando da Capital (PCC).

Já os desembargadores Sérgia Maria Mendonça Miranda, Francisco Pedrosa Teixeira e Váldsen da Silva Alves Pereira; os advogados Michel Sampaio Coutinho, Carlos Eduardo Miranda de Melo, Jéssica Simão Albuquerque Melo, Mauro Júnior Rios, Marcos Paulo de Oliveira Sá, Cláudia Adrienne Sampaio de Oliveira, Adailton Freire Campelo e José Joaquim Matheus Pereira; o empresário Frankraley Oliveira Gomes; o gerente operacional Paulo Fernando Mendonça; e a esposa de Pedrosa, Emília Maria Castelo Lira, foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) e estão inclusos em outra ação penal no STJ.

O Superior Tribunal ainda analisa um inquérito, também gerado pela 'Expresso 150', tendo como suspeitos o desembargador Carlos Feitosa, os advogados Fernando Carlos Oliveira Feitosa e Ubaldo Machado Feitosa, além de Juliana Paula Abreu Lima Feitosa.

A investigação sobre a participação do desembargador Paulo Camelo Timbó foi remetida ao TJCE, porque ele perdeu o foro privilegiado ao se aposentar. Uma reportagem do Diário do Nordeste, publicada na edição do dia 2 de abril, mostrou que Timbó ainda não foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE).

Representando Paulo Timbó, o advogado Leandro Vasques afirmou que nada foi comprovado contra o desembargador. "Timbó sempre foi uma magistrado de postura modelar e de visão 'garantista' do Direito, o que gerava interpretações menos rigorosas na análise de pedidos de liberdade. Juiz vocacionado, solícito e probo", declarou Vasques.

O advogado Jáder de Figueiredo Correia Júnior, defensor de Cláudia Oliveira, alegou que ela "é absolutamente inocente" e "está envolvida nisso de forma indevida". A defesa dos demais investigados foi procurada, mas não foi localizada pela reportagem.

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