Com CPF de terceiros, suspeitos aplicam o 'Golpe da Conta Fácil'

Estelionatários conseguem aplicar a fraude por meio de aplicativos usando apenas o CPF

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A virtualização de transações bancárias criada para o acompanhamento online de movimentações financeiras, trouxe consigo problemas à segurança do cliente. Com um único documento, estelionatários conseguem aplicar o golpe da "Conta Fácil", que pode ser aberta por meio de aplicativos usando apenas os dados do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), sem burocracia. Em questão de minutos, o consumidor passa a ser vítima, acumulando em seu nome dívidas feitas por criminosos.

Conforme explica o titular da Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF), Jaime Paula Pessoa Linhares, a fraude acontece quando o suspeito obtém acesso de forma ilícita ao CPF de terceiros. Duas informações contidas no documento são o bastante para que o golpista avance na prática delituosa: o número de inscrição com onze dígitos e o nome completo do cidadão. O cadastro é finalizado após o falso cliente incluir ainda um número de telefone, que não necessariamente precise ser da vítima.

Em posse de dados alheios, o estelionatário tem o auxílio de um celular para então consumar o crime. O aparelho precisa ter um sistema operacional que disponha de uma loja de aplicativos de bancos. Com o programa instalado, ele se aproveita das facilidades de se abrir uma conta nessas plataformas móveis, já que a instituição financeira exige apenas o documento e um número de telefone qualquer, sem comprovação de renda e sem análise da autenticidade das informações cadastradas.

Uso

De acordo com o Banco do Brasil (BB), a "Conta Fácil" assegura ao cliente serviços na tela do celular. "É uma conta de pagamento pré-paga para clientes pessoa física, individual, única por CPF, sem limite de crédito, sem uso de cheques e com controle de movimentação. Permite realizar saques, depósitos em dinheiro, transferências, pagamentos, recarga de celular, compras com cartão de débito, cadastro de débito automático para convênio de água, luz, telefone e gás".

Contudo, no mundo do crime, a usabilidade desta ferramenta ultrapassa os reais benefícios. A Polícia acredita que os estelionatários usam a "Conta Fácil" para receber valores de fraudes já consolidadas. "Essas contas servem para os golpistas em dois momentos: para receber depósitos obtidos através de outros golpes, como a ligação premiada, o golpe do sequestro virtual, do parente que está vindo da viagem; e serve também para solicitar cartão fraudulentamente dentro dos limites que a conta permite", aponta o delegado Jaime Paula Pessoa Linhares.

Com tantas possibilidades, o titular da Especializada observa que, depois de baixar o aplicativo e abrir a conta, o suspeito vai usufruir de todos os serviços que estiverem ao seu alcance. E o consumidor percebe que foi vítima de um golpe somente cerca de trinta dias depois de se tornar correntista, ou até mesmo em questão de meses, quando começam a chegar cobranças e o seu nome está negativado em cadastros de proteção ao crédito.

Vítima

Foi assim que aconteceu com a estudante Larissa de Sousa, 20 anos, que teve uma conta fraudada em janeiro último, mas tomou conhecimento do golpe apenas no mês de setembro. A mãe da vítima, Florinda, 40 anos, recebeu uma ligação do Banco do Brasil comunicando que a filha possuía um débito pendente no valor de R$ 800.

"A telefonista falou que esse valor era referente aos gastos de um cartão de crédito e de uma 'Conta Fácil' no nome da Larissa. Eu logo disse que ela nunca possuiu conta nesse banco", lembra. Mãe e filha tiveram que procurar presencialmente ajuda em uma agência bancária para obter mais detalhes sobre o golpe e esclarecer que a conta não havia sido feita por Larissa.

Ao chegarem à unidade, para a surpresa delas, o cartão de crédito feito em nome da vítima foi usado para adquirir serviços de hospedagem em um hotel na Beira-Mar de Fortaleza e até recarga de celular. O montante gasto é referente ainda a compra de gasolina em posto de combustível.

"Nós fomos orientadas pelo funcionário do banco a procurar uma delegacia para fazer o registro de um Boletim de Ocorrência (B.O.). Depois disso, eles tiraram a cobrança de R$ 800, mas não sei ainda se o nome já saiu do Serasa", informou Florinda Felípio, que disse ainda não ter ideia de quem possa ter aplicado o golpe.

Abordagem

O crime também pode ser executado de forma presencial. Em um dos casos investigados pela Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF), um estelionatário abordou uma vítima do sexo feminino e a questionou se ela possuía o aplicativo do Banco do Brasil no celular. Sem perceber a intenção do suspeito, ela emprestou o aparelho, abrindo margem para a consolidação do golpe. Com o aparelho em mãos, o homem abriu uma "Conta Fácil" em nome de terceiros.

"Quando eu fui em cima do telefone que fez a conexão com o IP do banco, deu o aparelho da mulher. Quando eu perguntei, ela negou que tenha feito isso. Já o suspeito, no primeiro momento negou, dizendo que pediu o celular para fazer uma ligação, mas nós conseguimos chegar até ele", informou o delegado da DDF Jaime Paula Pessoa Linhares.

Em tempo, quatro inquéritos foram instaurados na DDF para apurar dois suspeitos de planejarem o golpe da "Conta Fácil". A reportagem do Diário do Nordeste optou por preservar a identidade dos suspeitos envolvidos nos golpes para não prejudicar o andamentos das investigações. De acordo com a Polícia, eles deverão ser ainda indiciados com a conclusão do inquérito . (Colaborou Felipe Mesquita)

Repasse de dados facilita o golpe

"Por mais que a gente saiba, os nossos dados pessoais são muito expostos, mas não custa nada protegê-los ao máximo", alerta o pesquisador em segurança da informação Pablo Ximenes, que orienta o consumidor a não fornecer documentos de identificação para dificultar o risco de golpes.

"É preciso evitar repassar o CPF, data de nascimento e endereço, para quem quer que seja. Muitas vezes, o usuário fica tentado ganhar um desconto fazendo um cadastro, só que isso exige dados extremamente sensíveis. Se a gente não tiver uma preocupação redobrada com essas informações, nós vamos estar sempre vulneráveis", justifica o pesquisador.

O delegado Jaime Paula Pessoa Linhares afirma que, com a proximidade das festas de ano, que estimulam o consumo por parte dos clientes, o cuidado com o repasse de documentos também deve ser levado em consideração, já que entre uma compra e outra, a possibilidade de obtenção de dados é uma realidade.

Por outro lado, as instituições financeiras garantem a segurança do cliente, minimizando novas fraudes. Segundo informa o Banco do Brasil (BB), ações de controle de golpes já estão sendo implementadas.

"O controle de abertura de contas por dispositivo, a inibição de recebimento de créditos de convênios específicos, o impedimento de abertura de conta em situações identificadas como situação de risco, e validação de dados cadastrais por bases externas fidedignas".

Conforme o BB, a partir de 2018, o fluxo de abertura de "Conta Fácil" pelo aplicativo do banco passará a exigir o upload da imagem do RG ou do Cadastro Nacional de Habilitação (CNH), além de uma fotografia na modalidade 'selfie', feita com câmera frontal.

Acesso

De acordo com Pablo Ximenes, os bancos têm apostado na tecnologia para facilitar o acesso a serviços bancários por meio de dispositivos móveis. "É uma tentativa de desburocratizar o uso das contas, tornando-as mais fáceis. Existe a possibilidade de abuso, mas essas empresas investem muito em segurança da informação", diz.

Em casos de fraude, explica o pesquisador, o próprio banco com o apoio da Polícia consegue identificar que a abertura da conta fraudulenta não foi determinada pelo usuário.

"Eles identificam uma fraude, e fazem todo o procedimento para reparar o cliente. Através do número de celular, que não vai estar em seu nome, pelo endereço de IP, que também não vai estar registrado em sua titularidade e através das próprias transações bancárias que não têm nenhuma relação com a vítima, a Polícia vai ser capaz de identificar que a vítima não era, de fato, o titular da conta fraudulenta", pondera Pablo Ximenes.