Chacina levou os principais líderes da GDE à prisão

A investigação policial apontou que os chefes da organização autorizaram e planejaram a matança. A violência excessiva empregada pela facção, com mortes de inocentes, levou ao declínio do próprio grupo criminoso

Escrito por Messias Borges , messias.borges@diariodonordeste.com.br

Dezenas de pessoas baleadas pelo chão. As ligações à Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) se multiplicavam, para dar conta da carnificina. A Polícia Militar chegou ao local minutos depois e isolou a área - os criminosos já estavam longe. O trabalho investigativo viria a começar cerca de uma hora após o primeiro estampido de tiro, com a chegada de policiais civis e peritos criminais. A cena do crime, logo à primeira vista, deixava claro o tamanho do novelo a ser destrinchado.

Cinco meses depois, a Chacina das Cajazeiras estava elucidada para a Polícia Civil. Passado um ano, os principais líderes da facção local Guardiões do Estado (GDE) estão atrás das grades - alguns deles, fora do Ceará. Para o diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Leonardo Barreto, a ação ousada do grupo criminoso teve efeito reverso.

"Com relação à organização criminosa que procedeu ao ataque, foi esfacelada porque todos os seus líderes foram capturados, pelas polícias Civil e Militar. Inclusive, a chamada autoria de escritório, que é aquele indivíduo que não está presente nos acontecimentos criminosos, mas tem o poder de determinar estando preso ou solto, também foi descoberto e indiciado por todos os crimes", destaca Barreto.

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O delegado se refere à Deijair de Souza Silva, o 'De Deus', de 30 anos, considerado o Sintonia Final (maior liderança) da GDE e capturado em um apartamento de luxo, no bairro Cocó, em Fortaleza, em 19 de fevereiro do ano passado. Ele estava solto devido à compra de um habeas corpus por R$ 150 mil, concedido pelo desembargador Carlos Rodrigues Feitosa, em um plantão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) em 2013, conforme a investigação da Polícia Federal (PF), batizada de 'Operação Expresso 150'.

Segundo a denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE), o criminoso, "como líder e um dos conselheiros da GDE, autorizou a efetivação da Chacina. As ações de maior importância necessitam do seu aval".

Abaixo de 'De Deus' na hierarquia da organização criminosa, vem a Sintonia Final da Quebrada - Conselheiros. Pelo menos seis integrantes do núcleo foram presos e acusados pela matança: os irmãos Noé de Paula Moreira, o 'Gripe Suína', 34, e Misael de Paula Moreira, o 'Afeganistão', 27; Auricélio Sousa Freitas, o 'Celim da Babilônia', 35; Zaqueu Oliveira da Silva, o 'Macumbeiro', 37; Francisco de Assis Fernandes da Silva, o 'Barrinha', 41; e João Paulo Félix Nogueira, o 'Paulim das Caixas', 32.

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Linha de frente

Além de planejar o crime, 'Afeganistão' teve atuação direta na carnificina. De acordo com o MPCE, ele é o líder do grupo Os Quebra Coco (OQC)/Tropa do Misael, o esquadrão de elite dos Guardiões do Estado. O criminoso teria selecionado e reunido os executores - alguns do seu próprio grupo e outros disponibilizados pelos demais "conselheiros" da facção - e teria comandado diretamente os crimes.

Foram recrutados Ayalla Duarte Cavalcante, o 'Zoião', 22; Rennan Gabriel da Silva, 'RG', 20; Francisco Kelson Ferreira do Nascimento, 'Susto', 23; Joel Anastacio de Freitas, 'Gaspar', 19; Ruan Dantas da Silva, 'RD', 20; Fernando Alves de Santana, 'Robin Hood', 26; Victor Matos de Freitas, 21; e dois adolescentes.

O grupo chegou ao Forró do Gago em pelo menos dois veículos, determinado a acabar com a festa e com vidas. O objetivo era atacar a facção rival Comando Vermelho (CV) - que dominava a região em volta da casa de shows - e conquistar mais um território para o tráfico de drogas. Mas 11 das 14 vítimas não tinham sequer antecedentes criminais.

A chacina que entrou para a história do Estado também teve participação de internos do sistema penitenciário cearense, que planejaram o crime, segundo os investigadores. 'Gripe Suína', 'Barrinha' e Ednardo dos Santos Lima, o 'Aço', de 27 anos, mesmo presos, foram denunciados pelo Ministério Público.

O advogado de 'Celim' afirmou que o cliente não pertence à facção criminosa e é inocente. A defesa de 'De Deus' se negou a responder sobre as acusações do MPCE. Os advogados dos demais denunciados não atenderam aos telefonemas ou não foram localizados pela reportagem.

Decadência

A GDE nasceu de uma torcida organizada de futebol, no Conjunto Palmeiras, em Fortaleza, no ano de 2015, e se caracterizou por virar uma espécie de "parceira" do Primeiro Comando da Capital (PCC) e por arregimentar principalmente jovens que não têm outras perspectivas de vida. Em poucos anos, a facção conseguiu relevância no mundo do crime local e travou uma guerra sangrenta com o CV em todo o Estado, o que elevou os homicídios a números recordes.

Entretanto, a violência excessiva empregada pela organização criminosa, em episódios como a Chacina das Cajazeiras, saiu como um "tiro no pé". "De lá para cá, a facção só declinou. Ela conseguiu até a oposição da massa carcerária, que antes era neutra e não aceita a morte de ninguém inocente. O PCC se afastou ainda mais deles. E 90% dos líderes estão presos", analisa um oficial da PM, que preferiu não se identificar.

"Essas facções vêm perdendo a força, na medida em que praticam atos cruéis e covardes. Isso tem sido acompanhado, ultimamente, através desses ataques (ao Estado), que vitimizam pessoas que utilizam o transporte e outros equipamentos públicos", corrobora Leonardo Barreto.

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