Ceará é 2º do NE em deferimento de medidas protetivas a mulheres

Violência de gênero está presente em toda a sociedade e é um crime difícil de ser combatido. Para garantir um melhor acompanhamento das vítimas, o TJCE criou a Central de Monitoramento de Medidas Protetivas

Escrito por Messias Borges , messias.borges@diariodonordeste.com.br

O machismo e a misoginia se expressam com violência, dentro e fora de casa, por toda a sociedade. Agredir uma mulher, não só fisicamente, é crime e passível de punição. Geralmente como um último grito de socorro, elas buscam medidas protetivas na Justiça. Com altos números de violência contra a mulher, o Ceará é o segundo Estado do Nordeste que mais deferiu instrumentos previstos na Lei Maria da Penha, em 2017.

Conforme pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgada nesta semana, o Poder Judiciário cearense deferiu 7.878 medidas protetivas, no ano passado. O número segue uma tendência de 2016, quando foram emitidas 7.771 decisões, e coloca o Ceará entre os estados do Nordeste que mais deferiram medidas, atrás somente de Pernambuco, com 8.925 ordens. O outro Estado da Região que possui um Tribunal de Justiça de médio porte, a Bahia, emitiu apenas 3.208 decisões. No País, o Ceará fica em 12º lugar.

Valente (nome fictício) conta que a medida protetiva proporcionou que ela tivesse paz em casa, conquistasse um emprego, vivesse. Mas essa nova vida só foi alcançada por completo após a prisão do ex-companheiro, que descumpriu a distância entre vítima e agressor, determinada pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Fortaleza. O relacionamento abusivo se prolongou por 16 anos.

"Ele dava em mim e eu sofria muito. Eu não tinha apoio nem da minha família, que tinha medo dele. Ele dizia que ia mudar e eu acreditava. Chegou a um ponto de ele me sequestrar, cavar um buraco, me levar para um lugar que eu não sabia, amarrada, com um lençol na minha cara. Quando a gente chegou lá, ele colocou um revólver na minha cara e disse 'é hoje que tu vai morrer!'. Até hoje eu tenho marcas no meu corpo por causa dele", relata.

Casos

A história de Valente se repete diariamente, no Ceará, no Brasil, no mundo. Somente em 2017, a Justiça Estadual recebeu 7.224 casos de violência de gênero, o que significou um aumento de 31,6%, em comparação com o ano de 2016. No ranking do Nordeste, o Ceará fica em 3º lugar no número de ocorrências, no ano passado; e no País, em 14º.

A Justiça Estadual fechou o ano de 2017 com 18.587 processos em tramitação por violência doméstica e, hoje, esse acervo ultrapassa 20 mil casos. "A violência contra a mulher, infelizmente, é muito presente em todas as esferas da sociedade, nas comunidades carentes, nas mais favorecidas, não tem grau de instrução, não tem classe social, não tem religião. Todos nós conhecemos uma pessoa que é vítima de violência doméstica. Mas aqui no Juizado, a gente verifica que as denúncias maiores são feitas pela classe menos favorecida, por mulheres mais jovens, acima de 18 anos e até 35 anos. Mas, ultimamente, nós estamos observando um número de denúncias muito grande por mulheres mais maduras e também com mais de 30 anos de relacionamento", aponta a titular do Juizado da Mulher de Fortaleza, juíza Rosa Mendonça.

Acompanhamento

A magistrada explica que mulheres vítimas de violência (física, psicológica, moral, patrimonial ou sexual) devem procurar uma Delegacia para registrar a ocorrência e, se for necessário, pedir medidas protetivas. A autoridade policial irá encaminhar o pedido à Justiça, que terá 48 horas para deferir a ordem. Então, começa a etapa mais difícil para o Poder Judiciário: acompanhar as decisões.

Por isso, o Tribunal de Justiça do Ceará irá inaugurar, hoje, a Central de Monitoramento de Medidas Protetivas, com o objetivo de acompanhar de perto as decisões concedidas nos últimos três meses - começando com 1.400 pedidos. O lançamento do projeto faz parte da 12ª Semana da Justiça pela Paz em Casa.

A medida protetiva, muitas vezes, é desrespeitada pelo homem, mas, em alguns casos, a própria vítima não cumpre com a decisão e se reaproxima do agressor. "A gente vê muita dificuldade no cumprimento. Mesmo que a mulher e o agressor sejam intimados, nós não temos o 'feedback', nós não sabemos o que acontece com aquela mulher daqui para frente. Se ela não nos procurar, a gente não tem como saber se a medida efetivamente está sendo cumprida, se o agressor foi afastado, como é que está a situação daquele relacionamento, o processo criminal. A Central veio para que pudéssemos fazer isso", afirma a juíza.

Medo

Valente estava formalmente protegida pela Justiça, mas isso não impediu que o ex-companheiro se aproximasse dela e a agredisse. O homem está preso há quatro anos e foi condenado pelos crimes de tentativa de homicídio, sequestro e Lei Maria da Penha - todos contra a ex-mulher -, além de tráfico de drogas, mas deve sair do presídio em 2019, segundo ela. O receio de reencontrá-lo está cada vez mais próximo. "Eu tenho medo dele. Seis meses eu passo em um canto, seis meses em outro. Eu estou melhor porque ele tá preso. Depois que ele se soltar, como vai ficar minha vida, com meus filhos?", questiona a mulher.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados