Cárcere militar: 39 PMs estão presos em quartel
Em entrevista exclusiva, um policial recentemente solto detalhou que parte das celas se tornou espaços para acertos de próximos crimes
Entre prédios comerciais e residenciais e a poucos metros do Centro de Fortaleza, nove celas abrigam policiais militares. Construído com o objetivo de ser mais um quartel, o 5º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Ceará (BPM) se faz morada de dezenas de PMs que foram condenados à reclusão.
O único equipamento do Estado a se aproximar de um presídio militar tem, atualmente, 39 policiais encarcerados e submetidos a uma rotina de regras. Quem já passou pelo local, conta que as condições insalubres de sobrevivência se assemelham às observadas em qualquer outra penitenciária ocupada por civis, mas sem superlotação.
Com capacidade máxima para 50 julgados por crimes enquanto eram integrantes do efetivo da PMCE, o prédio tem rotatividade alta. Isso, porque, as penas dos militares podem se resumir a poucas horas. O dia em que o equipamento mais recebeu detentos foi há quase dois anos.
No fim do mês de agosto de 2016, 43 praças e um oficial da PMCE se apresentaram no 5ºBPM após terem as prisões preventivas decretadas pela Justiça. Todo o grupo foi denunciado por participar da Chacina da Messejana e teve de ficar recolhido no Batalhão. Nos meses de abril e maio do ano passado, a maior parte foi solta após o fim da instrução processual.
Vivência
Um mês foi o período que um sargento, de mais de duas décadas de serviço, esteve enclausurado no 5ºBPM. Em entrevista, sob condição de não ter sua identificação revelada, o PM solto há algumas semanas lembrou dos momentos vividos na prisão. Segundo ele, os 30 dias trancados foram suficientes para perceber que os detidos no Batalhão se dividem em: "os que estão ali por acaso e os que não deveriam ter entrado para a Corporação".
"Foram dias terríveis. Eu fui muito humilhado. Dormia em uma rede velha, porque era aquilo ou nada. A alimentação é da pior qualidade. Em 30 dias, emagreci oito quilos. Auxílio psicológico? Não existe. Não tem preocupação com a questão mental do policial. Eu passava 24 horas por dia esperando o tempo passar. Posso te garantir que lá dentro tem muito policial deprimido precisando de atenção especial", disse o sargento.
O servidor contou que compartilhou cela com outros dois PMs. Um, flagrado com 200Kg de maconha. O outro, suspeito de matar uma travesti. Nenhum deles foi preso durante o serviço, o que, na percepção do entrevistado, é o caso da maioria.
"Fui autuado por prevaricação, associação criminosa e porte ilegal de arma compartilhada. Respondo criminalmente e administrativamente. Fui abordado em uma blitz da PRE e no carro onde eu estava tinha armas escondidas. Acha que tem privilégio no 5º Batalhão? O prédio está caindo aos pedaços. Lá dentro não tem nem atendimento médico. Quando um preso passa mal é nomeada escolta de emergência para prestar socorro", expôs.
Ócio
Similar ao que acontece nas Casas de Privação Provisória de Liberdade (CPPLs), dominadas por membros de facções criminosas, as celas do 5ºBPM também são espaços para combinações de crimes. Segundo o sargento, há policiais lá presos que tendem a sair rumo a crimes piores.
"Existem muitos policiais que têm que estar ali sim. Tem policiais que a mente é só para o mal. As conversas são para combinar assaltos a carros-fortes, prometem vingança e dizem abertamente cada nome que vão matar assim que sair dali. Esses aí não eram nem para terem entrado na Polícia", assegurou o PM.
De acordo com a assessoria da Polícia Militar do Estado do Ceará, os detidos no equipamento estão distribuídos entre postos e graduações e são acompanhados por auxiliares que compõem a atual administração. Os tipos de penas são diversos e o tempo de punição varia conforme o crime cometido. Hoje, a maior pena cumprida é de nove anos.
Acerca das ocupações proporcionadas no cárcere, a PMCE afirmou que dentro deste batalhão há trabalhos de pintura, elétrica, hidráulica e serviços gerais. O sargento entrevistado reitera que há as opções, porém, só são ofertadas aos detentos com penas de longa duração.
Retorno
A reportagem questionou a Polícia Militar a respeito do recebimento de auxílios por parte do Governo Estadual para a manutenção da custódia dos presos. No entanto, a assessoria não se pronunciou sobre a pergunta, assim como informou que não seria possível nenhum representante conceder entrevistas.
A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), encarregada por apurar responsabilidades disciplinares e aplicar sanções cabíveis, também foi contactada. À CGD, foi solicitado levantamento de quantos policiais militares foram presos nos últimos cinco anos e quais principais motivos para essa penalidade.
Porém, a Controladoria não emitiu respostas sobre estes dados e disse, em nota, que a "Delegacia de Assuntos Internos (DAI) não detém exclusividade na apuração dos crimes envolvendo militares estaduais". A CGD também optou por não disponibilizar entrevistas.