Acusado de matar travesti vai a julgamento hoje

A execução brutal de Dandara virou grito, luta e busca de direitos para as pessoas LGBTIs. Muitos outros casos de homofobia ainda clamam por resposta, no Ceará

Escrito por Messias Borges , messias.borges@diariodonordeste.com.br

Dandara tinha um sonho e contava a todo mundo: "vocês ainda vão me ver na TV". E vimos. Não era da maneira que a travesti - que cresceu na periferia de Fortaleza e lutou contra preconceito diário - esperava. Seu nome virou emblema de resistência à LGBTfobia e deu mais visibilidade à causa. Dandara tem que estar viva para evitar outros casos.

Um ano e oito meses após o crime brutal mais um acusado pelo crime senta no banco dos réus, hoje. Júlio César Braga da Costa será julgado por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima), a partir de 9h30, no Fórum Clóvis Bevilaqua.

Francisca Ferreira de Vasconcelos é uma das pessoas que carrega Dandara viva dentro de si. Ela lembra da filha (ou do filho, como prefere tratar), com emoção, especialmente pelo bom humor e pela disponibilidade para ajudar. "Deixou muita saudade, deixou muita falta, não só para mim, que sou mãe, nem para família. Quem conheceu ele sabe que meu filho era do bem. Só transmitia alegria".

A mãe da travesti que virou mártir é cética quanto ao poder da "justiça dos homens" e prefere acreditar na "justiça de Deus". Tanto é que ela não pretendia ir ao julgamento, no Salão da 1ª Vara do Crime, hoje. Por ela, os assassinos da filha já foram perdoados. "Se eu lhe disser que eu já perdoei todos eles. Tenho pena do que vão passar. Eu não desejo mal a nenhum. Quem faz uma coisa dessas, quem tira a vida de um ser humano, massacra igual fizeram com Jesus Cristo? Só não pregaram na cruz, mas o resto".

Tribunal

O promotor Marcus Renan Palácio, do Ministério Público do Ceará (MPCE), afirma que Júlio César deu dois chutes na cabeça de Dandara e a pegou pelos pés para jogar em cima do carrinho de mão, como mostra o vídeo publicado na Internet. Para o representante da acusação, as agressões são suficientes para condenar o réu por homicídio.

"A participação do Júlio César não se apresenta divorciada do comportamento dos agentes que cometeram esse crime. O Ministério Público não tem a menor dúvida de que ele será igualmente condenado, a exemplo dos outros cinco já julgados, em abril passado", afirmou o promotor.

Já a defesa do réu, representada pelo advogado Sérgio Ângelo, alega que o cliente não participou do assassinato e deveria ser condenado por lesão corporal gravíssima, o que reduziria a pena máxima de 30 para 8 anos. "A tese da defesa é negativa de autoria. Como mostra o laudo médico, a morte foi em decorrência do disparo de arma de fogo", justifica o advogado.

Os cinco réus condenados totalizaram 83 anos de prisão, se somadas as penas. Francisco José Monteiro de Oliveira Júnior, o 'Chupa Cabra', foi punido com 21 anos de reclusão; Jean Victor Silva Oliveira e Francisco Gabriel Campos dos Reis, o 'Didi' ou 'Gigia', com 16 anos; Rafael Alves da Silva Paiva, o 'Buiú', com 15 anos; e Isaías da Silva Camurça, o 'Zazá', com 14 anos. Quatro adolescentes foram apreendidos por participação no assassinato da travesti e cumprem medidas socioeducativas, determinadas por uma Vara da Infância e da Juventude.

Entretanto, dois denunciados pelo crime não foram localizados pela Polícia durante um ano e oito meses de investigação pela Polícia Civil: Francisco Wellinton Teles e Jonathan Wiliam Souza Silva. A liberdade da dupla revolta a mãe da vítima. "Ainda não foi feita Justiça", considera Francisca.

"O Ministério Público se ressente que a Polícia do Ceará ainda não tenha tido condições de capturar esses dois acusados. Penso eu, pelas condições econômicas, financeiras, e sociais deles, que permanecem no Interior do Ceará ou na Região Metropolitana de Fortaleza", lamenta o promotor Marcus Renan.

Desafios

Ter o mesmo destino que Dandara é um temor da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais). Segundo o membro da Coordenação Política do Grupo de Resistência Asa Branca (Grab), Dario Bezerra, 30 pessoas que fazem parte desse público foram assassinadas, no Estado, em 2017; e o Ceará foi o quarto colocado, em número de mortes, no País.

"O Caso Dandara não é isolado. Cotidianamente, assassinatos como o dela acontecem, no Brasil. Em 2018, a gente já chega a 22 assassinatos de LGBTIs no Ceará", segundo dados do Centro de Referência Janaína Dutra. O Caso Dandara teve repercussão por causa do vídeo. Muitos não têm repercussão, com punição dos culpados e elucidação dos fatos", compara.

Direitos

Após o crime brutal, travestis e transexuais conquistaram o direito de ter o nome social respeitado nos serviços prestados pelo Governo do Estado, e de serem atendidos nas Delegacias da Mulher, em casos de violência doméstica e familiar. As medidas implantadas pelo Estado, no entanto, ainda não são suficientes para garantir a segurança dos LGBTIs, conforme Dario. "Seguimos tentando sensibilizar a população a respeito do que são esses crimes de ódio, que tem vitimado a população LGBTI no Ceará", completa.

Um projeto de lei de autoria da deputada federal Luizianne Lins (PT), o PL nº 7292/2017, tramita na Assembleia Legislativa do Ceará. 'A Lei Dandara' propõe transformar o assassinato de pessoas LGBTs em crime hediondo, que tem punições mais severas.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados