Aceitação de penas e medidas alternativas é desafio no Judiciário
O Ceará conta com a Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (Vepma), onde, atualmente, cerca de dois mil apenados cumprem punições adversas à prisão no Estado
À medida em que crescem os índices de prisões no Ceará, aumenta a preocupação do Poder Público em como ressocializar os apenados. Quando se pensa em punição, logo vem à mente a prisão. Porém, o alto índice de reincidência mostra a falência da privação da liberdade como solução para resolver a questão da criminalidade.
Em 10 anos, o Brasil quase que dobrou sua população carcerária. São cerca de 800 mil trancafiados no País que aprisiona cada vez mais e ocupa terceira posição no ranking de onde há mais presos. Estatísticas da Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (Sejus/CE) mostram que o número de encarcerados no Estado está prestes a ultrapassar o recorde histórico e chegar a 30 mil.
Com objetivo de reintegrar acusados de crimes e desafogar o sistema penitenciário, as medidas punitivas alternativas ganham espaço. Fortalecer a aplicação de penas alternativas para humanizar o tratamento dado aos que infringiram a lei é intuito da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (Vepma).
No Poder Judiciário cearense, esta Vara é responsável por executar e acompanhar as penas restritivas de direitos. De acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) cerca de duas mil pessoas cumprem essas medidas, em parceria com outras instituições. Dentre estes apenados está o ex-empresário Dimas Tavares Rodrigues, de 37 anos.
Em 2012, sem nenhuma passagem pela Polícia, nem problemas com a Justiça, ele atropelou um pedestre. Desde o acidente, sua vida mudou: "vinha dirigindo e tinha brigado com a minha esposa. O juiz interpretou que eu estava alcoolizado. Em 2017 eu fui condenado. Ia para a prisão, mas considerando meus antecedentes, me deram uma pena alternativa", explica.
Desempregado, Dimas Tavares conta que às segundas e terças fica em uma secretaria de uma escola pública. A punição prevê que ele deve comparecer ao equipamento durante dois anos e meio. "Sou voluntário de um projeto. É melhor eu estar nisso do que estar em uma cadeia. Preservaram minha liberdade. Ainda existe um estigma na sociedade, mas não me foi tirado o direito de ir e vir", acrescentou.
O perfil de Dimas foge à regra da maioria dos condenados a estas punições. Segundo levantamento do TJ, quem mais integra as 2.092 pessoas que cumprem as penas são jovens de 20 a 30 anos, em situação de vulnerabilidade ou risco social, em virtude do desemprego ou envolvimento com drogas. O crime mais comum na Vara é o tráfico privilegiado, seguido por porte ilegal de arma.
Esforços
O trabalho da juíza titular da Vepma também inclui diretamente refrear os estigmas que envolvem os apenados. Cercada por uma equipe multidisciplinar, Maria das Graças Almeida de Quental conta que a cada dia sente mais necessidade de buscar alternativas que evitem o encarceramento.
"Nossos presos se resumem a jovens primários, mas que se envolvem com drogas. A cada dia mais jovens que deviam ser resgatados são encaminhados para a prisão. E lá é mais um 'soldado' que complementa o 'esquadrão' que tem dentro do presídio. Prender não é a solução. É o último recurso. Se queremos menos violência, precisamos trabalhar com as alternativas", destacou Maria das Graças.
Para o defensor público Delano Benevides, titular do Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e Vítima da Violência (Nuapp), o trabalho da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas é fundamental e deve estar atrelado às condutas de ressocialização pensadas pelo próprio poder público nas políticas sociais.
"O problema da criminalidade é um problema social. A prisão é uma medida de exceção. O discurso do encarceramento já se mostrou ineficaz. Hoje, o Ceará é um dos estados do Brasil com maior número de presos provisórios. Há diversas medidas cautelares que são menos invasivas e elas precisam ser utilizadas", expôs o defensor público.
A juíza Maria das Graças reiterou que é emergencial acabar com a cultura de prisão no País. Para um futuro breve, a magistrada planeja que seja possível dar ao preso a chance de cumprir sua penalidade trabalhando. "Minha filha quer ser juíza, a gente sonha que na época dela, o preso possa trabalhar sob acompanhamento. O perfil do magistrado não deve ser o de excluir, e sim o de ouvir", considerou.