Quadra chuvosa favoreceu a mandiocultura em Salitre

Número de casas de farinhas nos últimos cinco anos subiu de 102, em 2013, para 126, atualmente

Escrito por Antonio Rodrigues - Colaborador ,
Legenda: Salitre é uma área de terras arenosas, ideal para a plantação de mandioca
Foto: Fotos: Antonio Rodrigues

Salitre. As mãos sujas de branco chegam a ser comuns em parte do povo salitrense, principalmente nos meses de julho e agosto: período de maior produção de goma e farinha deste Município, no Cariri cearense, reconhecido como a "Capital da Mandioca" no Estado do Ceará. O título foi sancionado no último dia 11 de junho, após o projeto de Lei nº 16.571, de autoria do deputado estadual Agenor Ribeiro, ser aprovado pela Assembleia Legislativa. Com pouco mais de 16 mil habitantes, de fato, a produção do tubérculo é a principal fonte de renda de pequenos e médios produtores.

Localizado no Cariri Oeste, a 530 km de Fortaleza, o Município, que faz divisa com o Piauí e Pernambuco, já figurou entre os maiores produtores de mandioca do Estado e permanece como o maior da região. Com o "bom inverno", narrado pelos produtores, Salitre busca retomar este protagonismo e volta a registrar um crescimento no número de casas de farinhas nos últimos cinco anos, mesmo com as chuvas abaixo de sua média histórica. De 102, em 2013, agora são 126 em funcionamento.

No último dia 30 de junho, Salitre completou 30 anos de emancipação política. A região que compreende o Município, que fazia parte de Campos Sales, cidade vizinhas, é uma área de terras arenosas, apropriadas para a plantação de mandioca. Antes de ser emancipado, já havia muitos produtores, sobretudo, nas região mais serrana.

Com a "independência", herdou a mandiocultura e, a partir dela, deu continuidade com um projeto de estruturação. De pequenas casas de farinhas mais artesanais até grandes fábricas, foram mais de 200 equipamentos em seu território.

Um dos maiores produtores de farinha e goma da cidade é Elias Antônio Albuquerque, já popular na região. A cultura da mandioca ele herdou desde Araripina (PE), sua terra natal, já que seu pai plantava há muitos anos. Garoto, Elias tinha contato com o produto desde os oito anos, ajudando a transportar o tubérculo, tangendo o jumento de carga. O trabalho, que começou na década de 1960, hoje, está modernizado, para acompanhar os concorrentes de outros estados.

Elias acompanhou o trabalho "todo artesanal", como ele descreve. A prensa era feita com madeira nativa que moldava quatro colunas, colocava uma corda e fazia um "varão" em cima. Já o forno era feito com as pedras da região de Arapuca, que seriam os tijolos feitos para torrar a farinha. No resultado final, ainda havia um pouco de terra no produto. Depois, apareceu a chapa de ferro, que veio do sul do Pernambuco e começou a "modernizar" todo processo. De Araripina, um senhor fabricava todo o maquinário comprado pelos salitrenses.

"A maioria já são mecanizados. Não são automáticos, mas já produzem com qualidade. Os beiços dos fornos, que eram de aço carbono, estão sendo substituídos pelo o inox para evitar o ferrugem. De preferência, inox 304. A farinha melhorou muito", descreve Elias.

Outro produtor antigo, João Baptista, 65, o "João Novo", lembra que antigamente, ainda como distrito de Campos Sales, havia grandes produtores, como Raimundo Tomé, Antônio Filermino e Zezito, que plantavam de 200 a 500 tarefas - uma tarefa é no Ceará é 3.630m². "Naquele tempo era diferente. Era outro tipo de mandioca, que aguentava dois, três anos. Muita gente produzia", conta.

Queda

O número de casas de farinha, em um certo tempo, começou a diminuir pela queda no preço que o produto enfrenta. "A farinha sempre é o que mais cai de preço, como caem todos. Só que, no momento, a diferença que estamos sofrendo é muito grande", lamenta Elias. Segundo o empresário e produtor, a saca de 50 kg, que antes que chegou a R$ 220, hoje, está custando R$ 50. "Aí você vê que não dá para o pequeno produtor continuar produzindo. Nós estamos passando por um período muito difícil pela falta de dinheiro no mercado e de preço", completa.

Além disso, a farinha de Salitre, que chega às outras regiões do Ceará e também ao Rio Grande do Norte e Paraíba, tem um forte concorrente: o Estado do Paraná. Segundo Elias, os sulistas fabricam tudo mecanizado e, com isso, o custo da mandioca é bem menor. "Só gasta praticamente o óleo diesel, para plantio e pulverização. Como chove bastante, a mandioca tem uma produtividade maior. A farinha é mais barata, apesar da qualidade ser ruim", pondera. Por causa disso e da escassez de chuvas, muita gente abandonou ou paralisou a produção. Outros se mantêm. No entanto, em 2018, mesmo abaixo da média história do Município (450,2 mm), o "inverno" agradou à maioria dos agricultores. Nos últimos dois anos, a quadra chuvosa decepcionou na roça com volumes acumulados de 271 milímetros, em 2016, e 260,5 milímetros, em 2017, somando de fevereiro, março, abril e maio. Já este ano foi bem maior: 365,4 milímetros. Os dados são da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).

Ainda segundo a Funceme, o pouco acumulado de chuva em Salitre acontece pela sua localização, que é no sotavento da Chapada do Araripe, ou seja, em uma área onde se tem subsidência do ar (movimento do ar de cima para baixo), fator que inibe a formação e o crescimento das nuvens. Outra questão, é o fato deste Município estar afastado do litoral.

Por causa da chuva melhor em 2018, muita gente voltou a plantar mandioca em Salitre. Muitos produtores acreditam que o aumento da oferta barateou o preço do itens ligados ao tubérculo. Mesmo assim, não deixa de ser a principal aposta para os moradores de lá, como Eloilton Alves Barbosa, 31, que há pouco mais de 15 dias investiu na construção de uma fábrica de goma e farinha. "Só em ter chovido é bom. Bom é com fartura", banca o produtor.

Negócio

Para Elias, apesar da safra ser maior em julho e agosto, é importante trabalhar no restante do ano para não "sair do ramo", explica. Apesar disso, admite que nos outros períodos, o volume de mandioca é menor, assim como a qualidade. "Ainda tem muito por ser feito; precisamos melhorar para continuar competindo. Procurar sempre fazer um produto de maior qualidade, que terá aceitação no mercado. Se não, a tendência é ficarmos ultrapassados", justifica.

Como a maior fábrica da "Capital da Mandioca", o empresário compra o tubérculo da agricultura familiar e faz negócio com os próprios produtores. De lá, a farinha é vendida para os "atravessadores" que revendem, principalmente, em Fortaleza e Iguatu. Como tem um sistema de empacotamento próprio, Elias comercializa também para Crato e Juazeiro do Norte. "Isso no período que a mandioca produz bem, 300 a 400 sacas por semana", enumera.

Para evitar a figura do "atravessador" - pessoa que compra diretamente do produtor para revender e lucrar em cima do produto - a Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Ceará (SDA) propôs a criação de uma cooperativa em conjunto com Campos Sales.

Uma comissão foi criada entre os representantes da Secretaria Municipal de Agricultura, Ematerce e Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Salitre. Na primeira reunião, cerca de 40 produtores de mandioca estiveram presentes.

Já os pequenos agricultores, optam por produzir menores quantidades de farinha e vender nas feiras locais no Município ou nas cidades vizinhas de Pernambuco. Nesse caso, a principal fonte de sustento é a goma, muito procurada para fazer a tapioca e o beijou. Um quilo custa por volta de R$ 3.

Na residência de João Baptista, por exemplo, o trabalho na sua casa de farinha de alvenaria, ainda que pequena, envolve seus oito filhos e sua esposa. Durante a semana, fabricam os itens para, no domingo, cedinho, montar a venda em Serrolândia, distrito de Ipubi (PE). "Se não fosse a mandioca não sei o que era da gente não", frisa o agricultor.

O jovem Eloilton é outro que reconhece a importância do tubérculo para sua vida. "A mandioca é a sobrevivência. Não trabalho com outra coisa. É a mandioca mesmo. Sempre fazia a mandioca e vendia por outros e resolvi fazer uma fábrica para que melhore um pouco", diz.

Francisco João da Silva, seu empregado, é outro que ressalta o valor que a mandioca tem para o Município. "Eu não entendo de comércio. Mas se não tivesse isso aqui, estava todo mundo parado. Eu mesmo, se não estivesse farinhando, estava sem fazer nada. Não tinha como ir todo dia para o sítio, a pé ou de bicicleta, ou para a cidade para trabalhar".

Preocupação

O aumento nas áreas de plantio por causa da última quadra chuvosa tem preocupado alguns moradores com o avanço do desmatamento, já que Salitre está dentro da Área de Proteção Ambiental da Chapada do Araripe.

"Acredito que, nos próximos anos, deve haver um incentivo para se reflorestar uma parte do que foi perdido até aqui e ver um modelo de equilíbrio, que melhore a produção por hectare e preserve a floresta. Temos que usá-la sem desmatá-la. Temos que encontrar a lenha para produzir a mandioca, plantando outras culturas que se adaptem à região", pontua Elias.