Morte da Beata Maria de Araújo completa 105 anos

Inviabilizada por mais de um século, a história da Beata começou a ser resgatada em janeiro do ano passado, quando, por iniciativa de artistas populares, foi assinado um manifesto em memória de Maria de Araújo

Escrito por Antonio Rodrigues , regiao@verdesmares.com.br
Legenda: A Beata chegou a transformar o "Corpo de Cristo" em sangue por 82 vezes
Foto: FOTO: ANTONIO RODRIGUES

Após 20 anos enclausurada numa casa, Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo, a beata Maria de Araújo, morreu no dia 17 de janeiro de 1914, em Juazeiro do Norte. Exatos 105 anos depois, ninguém sabe onde estão seus restos mortais, desde que seu túmulo foi violado e destruído na Capela do Perpétuo Socorro, em 1930. Responsável pelo início das romarias, sua reclusão foi imposição da Igreja Católica para que a mulher e seus supostos milagres fossem esquecidos. Foi nela que a hóstia virou sangue, depois de comungada pelo Padre Cícero, no popular "Milagre de Juazeiro". Os panos manchados foram os primeiros objetos de adoração.

Uma praça em frente a Basílica de Nossa Senhora das Dores com um busto erguido é um dos poucos lugares que carrega o nome da beata Maria de Araújo, em Juazeiro do Norte. Além disso, a mulher está presente no nome de uma rua, no bairro João Cabral, como estátua no Museu Vivo do Padre Cícero, no Horto, no vitral e em um jazigo vazio, na Capela do Socorro. Ao contrário do "Padrinho", que tem estátuas de gesso, madeira e até de borracha, por todos os lados, sendo comercializadas, a protagonista do milagre sequer é reconhecida pelos romeiros.

Tudo isso é muito pouco para quem pode ter sido responsável pelo início do fenômeno das peregrinações e, consequentemente, do crescimento e desenvolvimento da cidade de cerca de 270 mil habitantes. "Não foi suficiente sumir com a memória", resume a historiadora Edianne Nobre para explicar o episódio do roubo dos restos mortais de Maria de Araújo. "É simbólico", completa. Após sua morte, muitas pessoas ainda visitavam o túmulo da Beata deixando flores e pedindo graças.

Para Edianne, que pesquisou durante 12 anos a vida de Maria de Araújo, o Padre Cícero não "invisibilizou" a beata, mas foi toda uma estratégia da Igreja para que o episódio fosse esquecido. No fim do século XIX, o catolicismo perdia muitos fiéis para o protestantismo e foi necessário aumentar seus representantes oficiais. "A Igreja não está disponível para assumir um novo culto popular. Foi o próprio contexto histórico", acredita. Outras mulheres, em várias partes do mundo e de classe social diferente, também foram condenadas pelo Vaticano por seus milagres. Deveriam existir, apenas, as romarias oficiais.

A Beata transformou a hóstia em sangue, pela primeira vez, em 1886. No entanto, já havia manifestado estigmas, tinha visões, realizava profecias e viajava em espírito para salvar as almas do purgatório. Muitos destes milagres foram creditados pela oralidade popular ao Padre Cícero. Até 1889, ela chegou a transformar o "Corpo de Cristo" em sangue por, pelo menos, 82 vezes. Cinco anos depois, após vários padres analisarem seu caso, ela foi condenada à reclusão em 1894. Seu nome sequer podia ser mencionado.

Nem ela, nem o próprio Padre Cícero admitiram que os fenômenos foram "embustes" como a Igreja exigia. O sacerdote teve suas ordens suspensas e sua reconciliação com o Vaticano só aconteceu há três anos, após carta escrita pelo Papa Francisco. Quanto a Maria de Araújo, ela nunca voltou a ser objeto de culto popular. Os próprios romeiros a confundem com a Beata Mocinha, que trabalhava como governanta na casa do "padrinho". "Não há possibilidade de ela se tornar santa", admite a historiadora Edianne Nobre.