Moradores de Santana do Cariri aguardam beatificação

Escrito por Redação ,
Moradores de Santana do Cariri estão contentes com a possibilidade de a órfã virar santa reconhecida

Santana do Cariri. Era um fim de tarde, do dia 24 de outubro de 1941. Benigna Cardoso da Silva perdia a vida ao defender sua castidade. Tornou-se a mártir da pureza na pequena vila, hoje conhecida como distrito de Inhumas, a 2 quilômetros da sede de Santana do Cariri. Aos 13 anos, a menina órfã teve o destino selado pelos golpes do facão do seu algoz, Raul Alves Ribeiro. Hoje, mais de 71 anos depois, a menina Benigna, como é chamada pela maioria dos moradores de Santana, tornou-se "Serva de Deus", uma designação da Igreja Católica. A recente autorização para abertura do processo de beatificação da adolescente martirizada é motivo de comemoração na cidade, onde a maioria das pessoas, pelas centenas de graças alcançadas e milagres, a consideram uma santa.


Os restos mortais de Benigna Cardoso da Silva foram sepultados na Igreja Matriz de Santana do Cariri no mês de maio do ano passado. Milhares de pessoas participaram do ato. Muitas delas já louvam a menina santa fotos: Elizângela Santos

No próximo dia 16 de março, segundo o postulante da causa de Benigna, o monsenhor italiano, Vitaliano Matiolli, deverá ser iniciada a abertura oficial do processo, numa cerimônia simples, no Crato, para análise de todos os procedimentos, inclusive jurídicos. O encaminhamento dos documentos deve acontecer até o mês de dezembro deste ano, para o Vaticano. Possivelmente, até o Natal, conforme o monsenhor. Ele é responsável pela tradução do processo para o latim, designado pelo bispo diocesano do Crato, dom Fernando Panico.

De acordo com o postulante, monsenhor Matiolli, os documentos devem estar perfeitos, em todos os aspectos exigidos pela Congregação dos Santos. Foram apenas oito meses para a resposta, após o encaminhamento da primeira parte da documentação do pedido de abertura do processo. A Diocese iniciou as pesquisas em 2011, 70 anos depois da morte da mártir.

A primeira parte da documentação foi enviada, então, para análise. Até outubro, mês da Romaria de Benigna, em Santana do Cariri, a expectativa é que a maior parte dos levantamentos históricos e testemunhais esteja finalizada. Vários aspectos são analisados nos processos, desde questões econômicas, sociais, culturais, históricas e propriamente religiosas, que envolvem os fatos relacionados ao primeiro caso de processo de beatificação no Estado.

São 13 depoimentos de contemporâneos da menina Benigna. Para preencher os critérios exigidos, faltam apenas três deles, que deverão acontecer nos próximos dias. São 42 perguntas a serem respondidas. Isso quer dizer que a Diocese, com uma comissão diocesana pela causa de Benigna, trabalhou bem. São cerca de 100 depoimentos com testemunhas de graças alcançadas e milagres. E no pequeno povoado de Inhumas, de pouco mais de 500 pessoas, os moradores não se cansam de expressar a alegria e continuar rezando pela causa de Benigna o seu reconhecimento oficial.

O monsenhor destaca a rapidez da resposta para a abertura dos processos, o que normalmente, segundo ele, pode demorar até três anos. E são dezenas de pedidos no Brasil, segundo o chanceler da cúria diocesana e integrante da comissão, Armando Rafael. Para monsenhor Matiolli, a esperança é que a análise do processo seja breve. Ele afirma que será feito um trabalho com carinho e responsabilidade.

Quanto à mudança do papa Bento XVI, nem o monsenhor ou mesmo o pároco da matriz de Nossa Senhora Santana, Paulo Lemos, acreditam que haverá mudanças que possam atrasar ou impedir o processo, até porque não deverá ter alterações na Congregação dos Santos.

Os fogos de artifícios ecoam pela cidade, desde o último dia 6 de fevereiro, quando foi feito o anúncio pela Diocese. Agora, segundo o pároco local, é importante que a população compreenda o que está acontecendo. "Muitas pessoas ainda não estão entendendo e a Igreja cumpre o papel de levar essas informações", diz ele.

O historiador Ypsilon Félix faz parte da comissão diocesana. Tem a responsabilidade de um dos capítulos do processo, relacionado à "Fama de Santidade de Benigna". Tem reunido todos os documentos, depoimentos e divulgações relacionados à propagação do milagre. E esses fatos não param de ocorrer. Um santuário foi construído pelos próprios moradores, na entrada do distrito, próximo do local onde a menina foi assassinada, no Sítio Oitis. "Agora vamos iniciar a preparação de um filme contando a vida de Benigna. Todas as informações sobre os fatos estão sendo levantadas, para dar segmento do projeto", ressalta.

Para o padre, o sinal verde nada impede que o processo de beatificação da "Heroína da Castidade" seja iniciado. O sacerdote traz a experiência das grandes romarias de Juazeiro, como administrador da Basílica de Nossa Senhora das Dores por vários anos. Ano passado, mais de 10 mil pessoas estiveram na cidade para participar da romaria pelos 71 anos de morte da "Serva de Deus", pelo reconhecimento do Vaticano. No período em que houve o sepultamento dos restos mortais, na igreja matriz, mais outra leva de milhares de pessoas. Na pequena Inhumas as pessoas apontam a escola onde a menina estudou, falam das pedras negras, com as marcas do sangue de Benigna. O místico envolve a comunidade de senhores e senhoras.

Celebração

72 anos de morte de Benigna serão lembrados no dia 24 de outubro deste ano, durante celebração. Neste período acontece a maior romaria do ano em seu louvor

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER


Devotas recordam infância da menina

Santana do Cariri.
Nesta cidade, ainda pode-se ouvir depoimentos de pessoas que conviveram com Benigna Cardoso e até mesmo de irmãs adotivas, como Terezinha Alencar. As recordações de infância são vagas. Ela tinha cinco anos, quando perdeu a irmã. Fica emocionada ao falar das últimas notícias sobre o andamento do processo e da aceitação pela Igreja da menina como uma "Serva de Deus". Simples, de vestimentas comuns para uma adolescente pobre da época. Órfã de pai e mãe, vivia em uma pequena propriedade rural. Estudou na escola da própria comunidade, local onde atualmente mora uma família.


Dona Maria Fernandes chegou a conhecer Benigna. Tinham a mesma idade. Não imaginava que ela fosse um dia chegar a ter esse reconhecimento da Igreja Católica, mas sempre a considerou uma pessoa pura

Aos 84 anos, dona Maria Fernandes da Silva lembra dos momentos em que Benigna chegava na escola. Descreve que a menina de vestido estampado, com mangas, e um colete. Era tímida, muito calada. O seu sogro, Pedro Cirineu, chegou a ajudá-la por várias vezes.

O crime, naquele período, deixou todo mundo apavorado. Ninguém jamais imaginaria que um rapaz, na mesma idade de Benigna, convivendo com todos os moradores de Inhumas, fosse capaz de tamanha barbaridade. Por alguns dias, conta dona Maria Fernandes, que a polícia percorreu a comunidade e até o irmão da mártir chegou a ser preso, acusado do assassinato, como outras pessoas. Até que um dia, por uma brincadeira de um vizinho, Raul, que na verdade chamava-se Raimundo, acabou sendo preso. Ele se assustou ao ser surpreendido pelo amigo de que a polícia estava à sua procura. Saiu correndo e veio em seguida a desconfiança.

O facão usado no crime apareceu. "Era enorme", conta Maria Fernandes. Ele foi levado, inicialmente, para um abrigo de crianças e adolescentes, em Fortaleza, e chegou a cumprir a pena. Não se sabe por quantos anos, segundo o historiador Ypsilon Felix, já que o processo ainda não foi encontrado, para ser anexado à documentação.

Era uma menina que tinha hábitos religiosos para a época muito evidenciados. Maria Fernandes afirma que ela chegou a fazer a primeira comunhão sozinha, por ter conseguido aprender antes de todos as orações, na capela de São Vicente, na comunidade. Não existe uma foto sequer da menina, apenas um retrato falado, que segundo a contemporânea da mártir nada parece com a criança que ela conheceu. Tinha traços mais fortes. "Aquele desenho não tem comparação. Era um rosto pequeno, cabelo curto e nariz achatado".

Promessas

Do momento trágico em diante, as pessoas começaram a visitar o local onde a menina foi morta. Faziam promessas e alcançavam graças. A fama da mártir e milagreira foi se espalhando pelos povoados da Chapada do Araripe. Agora, chegou a Roma. Para a devota de Benigna, Antônia Gonçalves da Silva, que há 50 anos passou a residir em Inhumas, é muito importante ter uma santa no lugar onde mora. "A minha esperança é ver ela um dia santificada", admite.