Grupos tradicionais se apresentam em Juazeiro do Norte

De 25 de dezembro a 6 de janeiro (hoje), o chamado "Ciclo de Reis" colore as ruas de Juazeiro do Norte. Durante esse período, foram mais de 25 apresentações realizadas nas diversas terreiradas por 45 grupos tradicionais

Escrito por Antonio Rodrigues , regiao@verdesmares.com.br
Legenda: Crianças integram os grupos de brincantes e reforçam movimento de atualização permanente da tradição popular
Foto: FOTO: ANTONIO RODRIGUES

Os magos são citados apenas no evangelho de Mateus, que simboliza o reconhecimento de Jesus por todos os povos. Somente na tradição medieval, 800 anos depois do nascimento de Cristo, é que recebem o título de "reis" e são reconhecidos com Melchior, Baltasar e Gaspar. Seriam estes três os responsáveis por presentear a criança com ouro, incenso e mirra. O dia 6 de janeiro se tornou, pela tradição cristã, a data da chegada daqueles "homens do oriente" para adorar o nascimento do Senhor. No Brasil, também é celebrada a "Folia de Reis", ou popular "Reisado".

Como manifestação folclórica, o Reisado tem no Cariri uma de suas maiores vitrines. As brincadeiras, folguedos e festas tradicionais misturam os saberes do povo ameríndio, do branco invasor e dos negros africanos trazidos como escravos para trabalhar no cultivo da cana-de-açúcar.

A diversidade presente na região como o "Reisado de Congo", o "Reisado de Careta", também recebe novos elementos a partir das romarias. A vinda de milhares de peregrinos de todo Nordeste pela fé no Padre Cícero transformaram e enriqueceram a cultura popular.

É nessa diversidade que 45 grupos de tradição, entre reisados, lapinhas, guerreiro, banda cabaçal, maneiro-pau, mamulengo, bacamarteiros e coco, se apresentam na terra do Padre Cícero. De 25 de dezembro a 6 de janeiro, o chamado "Ciclo de Reis" colore as ruas de Juazeiro do Norte. Durante esse período, foram mais de 25 apresentações realizadas nas diversas terreiradas organizadas pelos mestres.

Hoje, a partir das 10 horas, na principal data da festa, uma grande programação encerrará o ciclo com atrações em quatro espaços públicos diferentes, nas Praças José Geraldo da Cruz, Praça Padre Cícero, Praça do Cinquentenário. Já a partir das 14h30, o Largo Basílica de Nossa Senhora das Dores receberá mais oito grupos folclóricos.

Até a culminância neste domingo (6), as terreiradas atraíram milhares de pessoas. No bairro João Cabral, onde estão concentrados a maioria dos folguedos do Município, as apresentações lotavam as calçadas e ruas. As crianças sentavam nos "batentes" sem piscar o olho para o coloridos das roupas e das danças. O som do batuque e do apito atraiu de longe os curiosos.

Anfitriã

A mestra Yara Maria Pereira, comandante do grupo Guerreira de Santa Madalena, foi a anfitriã de uma das festas. Por isso, antes da "brincadeira", uma luta de espadas recepcionou o mestre visitante, como um ritual de encontro. "Quando eu comecei a brincar guerreiro, tinha apenas 10 anos de idade. Já passei por vários grupos", conta a brincante. Desde 2011, ela assumiu a patente de mestre do reisado que une 30 mulheres.

Como a maior parte dos brincantes, a influência de Yara vem da família. No seu caso, o avô José Lino, tocava em banda cabaçal. "Decidi continuar", garante. Foi "no meio da cultura", como ela mesmo descreve, que conheceu seu marido, que faz parte do Reisado Discípulos do Mestre Pedro, o popular "Reisado dos Irmãos", um dos mais conhecidos de Juazeiro do Norte. Seu filho, de quatro anos, atua como o personagem, enquanto a filha, de três, vai entrar no grupo no próximo mês. "Está no sangue", conta sua irmã, Williamara Silva, contra-mestre das Guerreiras de Santa Madalena.

União

Yara acredita que o projeto Ciclo de Reis, realizado pela Comunidade Zaila Lavor, vencedora de uma chamada pública da Secretaria de Cultura de Juazeiro do Norte, uniu os grupos de reisado do Município. "Havia muita rivalidade", lembra. Além disso, acredita que a cultura popular tem tido mais visibilidade.

"Os grupos não dançam só em Juazeiro. Nós saímos muito para fora", completa. No mês de maio, o Guerreiras de Santa Madalena se apresentará no Rio de Janeiro.

Resistência

Ainda criança, mestre Valdir Vieira, 40, corria nas ruas do João Cabral atrás dos grupos de reisado, mas sua mãe não queria que ele participasse. Só aos 18 anos ele pôde, finalmente, ingressar nos Discípulos de Mestre Pedro. "Como diz os mais velhos, 'passarinho cria asa e quer voar'", compara. Depois de oito anos, começou a pesquisar mais sobre a cultura popular e, após brincar em outros grupos, criou o Reisado São Miguel, onde assumiu a patente e o apito.

Após um ano, criou o Guerreiro de Nossa Senhora Aparecida, voltado para a cultura alagoana, que valoriza a brincadeira de guerreiro. Depois de três anos afastado, após a morte de sua mãe, retornou e criou Reisado Arcanjo Gabriel no bairro Jardim Gonzaga.

No início, eram apenas três crianças, hoje já são 35 componentes. "Este é o terceiro que crio e pretendo gritar pela cultura enquanto tiver forças. Enquanto tiver sangue nas veias correndo e olho batendo, brigarei pela cultura, por essa molecada aí", garante Valdir.

Nas ruas do desnivelado João Cabral nasceram vários grupos de tradição. Para Mestre Valdir, o Reisado dos Discípulos de Mestre Pedro é um espelho que fez a cultura popular se multiplicar. "É um grupo muito resistente", afirma. "Marginalizado" e "temido", por conta da violência, o brincante explica que o bairro é "efervescente de muita coisa. Aqui resiste a todo esse preconceito, porque a cultura ajuda", completa.

Mais de 20 grupos de cultura popular vão comemorar a Folia de Reis no Município do Crato. Um cortejo de reis, anjos e pastores segue da Praça São Vicente, às 17h, até a Praça da Sé, neste domingo (6). Lá, farão apresentações e uma homenagem ao nascimento de Cristo. No dia 13 de janeiro próximo, a Opereta de Natal marca a data do batismo do filho de Deus.

Assuntos Relacionados