Comunidade rural de Quixadá vive sem água encanada

A localidade, onde vivem 17 famílias, era abastecida pelo Açude Cedro, seco há anos. Sem acesso a água encanada, os moradores precisam adquirir água, quinzenalmente, A agricultura também foi amplamente afetada

Escrito por André Costa e Alex Pimentel , regiao@verdesmares.com.br
Legenda: Cisternas construídas na porta das casas acumula água comprada de um carro-pipa
Foto: FOTO : ALEX PIMENTEL

"Poderia ter água bem ali, quase na porta de casa, mas para encher a cisterna, precisa da ajuda divina, da chuva", lamenta o agricultor Manoel Vicente Chaves, 75, que viu seus filhos irem embora por não ter como sustentá-los diante da seca. A fonte de renda era oriunda das águas do Cedro, que só encheu seis vezes em mais de um século de existência - a primeira em 1924 e a última em 1989. Havia sido exatamente uma cheia na mais antiga barragem do Nordeste o motivo da vinda da família para o Pote Seco, no ano de 1980, então ribeirinha do açude, onde passou a morar.

Água não faltava, e nem alimento à mesa. "A felicidade era medonha, de uma ponta a outra das orelhas", recorda saudosa a esposa Rita Vicente Chaves, de 72 anos. Escorada na porta da casinha de taipa erguida há mais de meio século, ela olha para o céu à procura das nuvens do inverno e não as encontra. "Faz tempo que não chove", conta, com uma voz fragilizada pelo (duro) tempo. O carro-pipa, que abastecia a comunidade, também não está indo ao local, conforme garante o casal. "E dinheiro pra comprar água a gente não tem", acrescenta, expondo o difícil cenário no qual estão hoje inseridos.

A comunidade, no entanto, é atendida pelo Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), desenvolvido pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), mas a demanda não é suficiente para banho, lavar as roupas e outras atividades domésticas, explica Vicente. A salvação, por enquanto, tem sido uma vizinha. "Na casa dela a água chega às torneiras". O segredo, revelam, é uma cisterna construída na calçada de casa. "Com boas chuvas, cheio, dá para aguentar até a chuvarada do próximo ano", conta o agricultor, referindo-se à capacidade da cisterna. "Dá até para atender ao pedido de algum vizinho que já esteja sem água", completa Rita, justificando a presença de um cadeado na cisterna que, segundo ela, é para proteger o "líquido sagrado".

Divisão

"Aqui, a gente precisa dividir a conta para não morrer de sede", comenta a agricultora Karina Andrea da Silva Pereira, 31 anos, mencionando a cota feita por sete famílias da comunidade para pagar uma carrada de água potável, a cada 15 dias. Eles vivem essa rotina há mais de ano, quando o carro-pipa do programa emergencial federal parou de atender com frequência moradores do Assentamento São Francisco, onde residem 17 famílias.

A conta varia de R$ 200 a R$ 300, dependendo do fornecedor e da qualidade da água. Embora haja uma cisterna construída em frente a cada casa, o líquido é depositado no reservatório de Manoel Nonato da Silva, 71 anos, conhecido como Bebé. Ele é o responsável pela coleta do dinheiro e distribuição da água. "Como não dá para o caminhão despejar em quantidades iguais para cada um, essa foi a melhor forma encontrada", pontua Bebé. Para fugirem dessa conta - que ao fim do mês, somada às demais, pesa no bolso dos agricultores que, em sua grande maioria, sobrevivem apenas do aposento ou auxílios de programas federais - só com muita chuva, avaliam os moradores.

"Quando tem inverno bom a gente não precisa se preocupar. Os 12 mil litros que caem na cisterna são suficientes para consumo e para todos os afazeres domésticos", detalha Andréa da Silva. A agricultora Terezinha Alves da Silva Lima, 54, é uma das que sobrevivem apenas com o dinheiro do Bolsa Família, cerca de R$ 166 - valor médio recebido pelos 12.059 beneficiados inscritos no Município de Quixadá. Deste total, ela se vê obrigada a retirar parte do valor para comprar água. "Não posso morrer de sede". A matemática, já difícil de entender, ganha contornos surreais, quando ela conta que tem um filho com deficiência. "Se chovesse, seria mais fácil, pois não teria que comprar água e teria como tirar algum sustento do roçado", pondera ao se dirigir para o fogão com apenas uma panela a postos. "A gente escolhe se vamos almoçar e jantar, ou se vamos beber água limpa".

Assuntos Relacionados