Centro de Cultura Mestre Noza terá espaço renovado

Mesmo reconhecendo os benefícios, os artesãos se preocupam com a pouca visibilidade do local provisório

Escrito por Antonio Rodrigues - Colaborador ,

Juazeiro do Norte. Uma das principais referências do artesanato nordestino no Brasil, o prédio do Centro de Cultura Popular Mestre Noza está sendo reformado há três semanas. Com investimento de R$ 241.371,24, em parceria do Ministério da Cultura e Secretaria Municipal de Cultura, a reforma contempla a instalação de um Café Cultural e a criação de uma área de convivência para artistas e visitantes.

Os espaços onde os artesãos criam suas peças estão sendo readequados para oferecer mais segurança e conforto. Até o fim da obra, previsto para outubro, os trabalhadores foram realocados no Centro Multiuso.

A última reforma foi há mais de 18 anos. O equipamento vinha sofrendo com o piso danificado e instalações elétricas ultrapassadas. Agora, os artistas passarão a ter um local readequado para suas criações, além de um ambiente para o armazenado da matéria-prima e estoque. No fim da reforma, o espaço para comercialização estará integrado a essa nova estrutura. A ideia é que o fluxo para a circulação de pessoas, desde a entrada até a saída, possa ser interativo, intuitivo e ofereça acessibilidade.

Segundo a diretora administrativa da Secretaria Municipal de Cultura (Secult), Luciana Dantas, a reforma sempre foi um anseio dos artesãos. "Ela foi planejada de forma participativa com os artesãos. O espaço vai passar por uma requalificação. A estrutura em si não vai passar por mudanças. Está sendo preservado em seus detalhes, mas terá um espaço adaptado para trabalharem", descreve.

Além das reformas físicas, a parte elétrica está sendo reinstalada. O palco, agora poderá receber shows com segurança. "Os artesãos poderão receber atrações, ter intercâmbio. É um ganho para a linguagem artística e também um reconhecimento desse patrimônio cultural", reconhece Luciana.

No entanto, ela garante que a ocupação deste equipamento se dará a partir de diálogo com os artesãos. "É de interesse da municipalidade trabalhar em todos os equipamentos, dar a devida ocupação a eles. Se formos desenvolver alguma atividade, podem ter certeza que será dialogado de forma respeitosa", diz.

Consequências

Enquanto acontece a reforma, os artesãos estão ocupando um espaço no terceiro andar do Centro Multiuso, vizinho ao Vapt Vupt, cedido pela Universidade Regional do Cariri (Urca), por meio do Instituto de Pesquisa José Marrocos (Ipesc). A parceria foi viabilizada pela Secult de Juazeiro do Norte. Os artesãos estão trabalhando normalmente. Quando a reforma do Centro Mestre Noza for finalizada, eles retornarão ao espaço.

"Esses seis meses de reforma, para mim vão ser dois anos", afirma o artesão Beto Soares, que lamenta a pouca divulgação da realocação, até agora, já que no Centro Multiuso, o Mestre Noza recebeu pouquíssimos visitantes. Apesar do espaço grande, o conjunto de peças forma uma grande galeria de arte, similar a um museu, mas o silêncio é um contraste, bem diferente da loucura do barulho do Centro de Juazeiro do Norte, onde fica o equipamento em reforma.

No entanto, o local foi escolhido pela própria Associação de Artesãos de Juazeiro do Norte, pois, apresentava as melhores condições de receber os trabalhadores. Hoje, são cerca de 80 associados, 12 trabalham diariamente no Centro Mestre Noza. O restante cria seus produtos em casa e expõe no equipamento.

"A dificuldade é divulgação. Os clientes já iam de olhos fechados, hoje não sabem nem onde estamos. Era para ter uma plaquinha indicando, mas, até agora, não há nada", reclama Beto.

"A mudança dos artesãos para o outro local foi dialogada com todos. As possibilidades foram colocadas em discussão e a decisão foi deles que seria melhor ir para o Centro Multiuso. A gente teve o cuidado de estabelecer o elo com outras instituições para garantir um local seguro e que no momento era viável", explica Luciana Dantas.

Ela adianta que já está sendo feito um trabalho de divulgação e que uma placa de localização está sendo planejada. Além disso, estão sendo pensadas estratégias para garantir um fluxo maior até outubro, como o City Tour - roteiro turístico realizado durante as romarias.

Apesar de aguardar ansioso a reforma e admitir sua necessidade, Beto não esconde que isso tem afetado o bolso dos artesãos. "Nós vendemos mais nas férias" garante. Inclusive, ele destaca que os romeiros compram poucos itens e, em contrapartida, turistas do Sul e Sudeste são os principais clientes. "Estamos alegres que vão melhorar as coisas. Aqui, estamos desanimados, esperando que termine logo para voltar. Lá é minha segunda casa", afirma.

O comércio vizinho ao Centro Mestre Noza, na Rua São Luiz, também vem sendo afetado pelas obras, porque o local se tornou um ponto turístico de Juazeiro do Norte. Hoje, a poeira incomoda vendedores e clientes. "O movimento que a gente esperava no meio do ano não vai acontecer por conta da reforma", lamenta a comerciante Dayana Ribeiro. Com a reforma, a loja de artesanato Eufran Art contabiliza uma perda de 60% neste mês. A saída encontrada pelos proprietários é participar de feiras de artesanato pelo Brasil.

Importância

Tom Cavalcante, Belchior, Gilberto Gil, Dráuzio Varela e Regina Casé são algumas das celebridades que já pisaram no Centro de Cultura Popular Mestre Noza. O local possui uma diversidade de peças em barro, madeira, entre outras, que se misturam nas celas da antiga Cadeia Pública de Juazeiro do Norte. São itens que custam de R$ 5 a R$ 10 mil. Lá, além de importante ponto de vendas, também se tornou uma escola para novos artesãos.

É o caso de Beto Soares, natural de Juazeiro do Norte, que trabalhava como verdureiro no Mercado do Pirajá. Ele passava horas, admirando seu irmão, Cícero Araújo, já falecido, trabalhando nas esculturas de madeira. "Achava bonito", conta. Nas várias imagens do Padre Cícero, resolveu se inspirar e começou a talhar suas primeiras formas. Ele fazia o corpo e Cícero a cabeça, área que é mais complicada, pois possui mais detalhes. Levou para à Associação dos Artesãos que ficou com seu trabalho e não parou mais.

"Você já viu um Padre Cícero cabeludo?", essa foi uma das primeiras broncas que levou no Centro Mestre Noza. "Aquilo foi uma lição para mim", conta. Hoje, aos 46 anos, Beto tem 30 como associado, dando vida ao equipamento. Na Imburana de Cambão, trazida de Salgueiro (PE), foi se especializando em imagens de santos, mas também criou uma peça que batizou de "Grandes Nomes do Nordeste". Além do patriarca de Juazeiro, Frei Damião, Luiz Gonzaga, Lampião, Patativa do Assaré e Antônio Conselheiro compõem e obra. "São pessoas que fizeram história. Quem vem de fora, acha muito bonito e acaba levando. Representa muito", explica.

Outro artesão que fez do Mestre Noza sua escola foi Cícero Tavares, o popular Panta Tavares, 26. Há seis anos, ele esculpe na madeira, mas há três se especializou em imagens sacras. Antes de pegar na goiva e no martelo, utilizava a agulha para tatuar. Quando sua esposa ficou grávida, resolveu arrumar um complemento de renda e se ofereceu para trabalhar no Centro. Não conseguiu o emprego, mas, ao observar o trabalho dos artesãos, se imaginou executando o mesmo serviço. Pediu para fazer um curso, mas indicaram que comprasse as ferramentas e utilizasse o espaço para aprender. "No começo, me cortava bastante, mas lá são todos professores", garante.

No início, Panta achou que conseguiria conciliar os dois trabalhos, mas, na medida que ia evoluindo e tendo mais paixão em esculpir, resolveu fazer uma escolha. Aos poucos, foi se afastando da agulha e, hoje, trabalha somente com artesanato. "A satisfação de ver a obra pronta é imensa, principalmente quando sabe que ela vai ser bem cuidada, protegida, as pessoas terão um certo carinho. Isso é muito bom. Dói muito ver uma obra sua jogada, quebrada, danificada. Querendo ou não, a gente está dando nosso suor", afirma.

Fique por dentro

Alguém sabe quem foi o Mestre Noza?

Romeiro de Taquaritinga do Norte (PE), Inocêncio Medeiros da Costa, o Mestre Noza, nasceu em 1897. Em 1912, percorreu 600Km a pé, junto com a família, de Quipapá (PE), e se estabeleceu em Juazeiro do Norte, desde então. Na Terra do Padre Cícero, trabalhou como funileiro e, depois, numa oficina de rótulos. Começou no artesanato atendendo aos pedidos de romeiros, que queriam pequenas esculturas de santos. Na década de 1930, começou a talhar capas de madeira para ilustrar cordéis. Ali, nascia também o xilógrafo.

Dizem que sua primeira xilogravura ilustrou a capa de literatura de cordel encomendada por José Bernardo da Silva, "A propaganda de um matuto com um balaio de maxixe", folheto de José Pacheco - um dos primeiros produtos da Tipografia São Francisco, atual Lira Nordestina. Seu trabalho ficou conhecido internacionalmente, em 1965, quando Sérvulo Esmeraldo, artista plástico de Crato, levou algumas matrizes de madeira de Mestre Noza para a França. Algumas de suas xilogravuras fazem parte do Museu de Arte do Ceará e do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP).

Morreu em São Paulo, em 1983. No mesmo ano, a Fundação Nacional das Artes (Funarte) passou a discutir a difusão da arte do sertão caririense e incentivar artistas locais. Depois, o antigo prédio da Policia Militar foi reformado para dar espaço ao Centro de Cultura Popular Mestre Noza.