‘Becco do Cotovelo’ se mantém vivo

Considerado a alma do Centro Comercial da cidade-polo da Zona Norte do Estado, o local continua a reunir as pessoas como no passado

Escrito por Marcelino Júnior - Colaborador ,
Sobral. É inegável que toda cidade tem aquele espaço considerado pitoresco, que chama atenção por suas particularidades e que, apesar do tempo, não envelhece, mas acompanha as mudanças e se conserva especial no imaginário de seus moradores. Em Sobral, no Norte do Estado, uma estreita passagem que interliga dois pontos do Centro Comercial mantém seu charme e curiosidades.

Com apenas 75 metros de extensão e cinco metros de largura, o famoso “Becco do Cotovelo”, assim mesmo, com dois cês, ou ainda, o “Elbow Street”, como é carinhosamente chamado pelo sobralense, até perdeu um pouco da efervescência comercial do passado, por conta da modernidade do comércio ao redor, mas o que chama a atenção é a movimentação constante de pessoas que circulam diariamente pela estreita via.

História

“Se você vem a Sobral e não conhece o Becco do Cotovelo, então não conhece nada da Cidade”, afirma Expedito Vasconcelos, 70, reforçando uma frase clichê, mas característica do amor do sobralense pela sua história, ainda mais quando remonta a mais de 150 anos.

Criado em 1842, o local recebeu o nome inusitado com apoio de uma lei municipal a pedido dos frequentadores assíduos. A história é bem interessante, afirma seu Expedido, dono do tradicional Café Jaibaras, um dos pontos mais visitados, e presidente da Associação dos Amigos do Becco do Cotovelo (AABC).

“Aqui era uma passagem obrigatória para o mercado público, daí a grande movimentação. O Becco foi construído com um erro de engenharia, que deu a ele uma certa curvatura, servindo à criatividade da sabedoria popular. Há cerca de 40 anos, o nome foi mudado para Travessa do Xerez, mas conseguimos oficializar como Becco, com sanção do prefeito da época, José Parente Prado, em 1974”, relembra.

Movimentação

Frequentar o Café Jaibaras é como fazer uma viagem no tempo. A estrutura mantém um certo charme vintage. As paredes são recheadas de fotos de filhos ilustres da cidade, que se projetaram até nacionalmente. O espaço é dividido por imagens fotográficas de políticos e artistas. Algumas denunciam a inegável ação do tempo e mudaram de cor.

Entre os que tiveram passagem eternizada estão a escritora cearense Rachel de Queiroz e o presidente Fernando Henrique Cardoso. O café, sempre quentinho, convida a uma conversa entre amigos ou a uma leitura para matar o tempo. O vai e vem de pessoas que vendem algum produto ou serviço, como engraxates, se mistura ao burburinho das conversas, das buzinas dos carros ou à declamação de algum poeta ou a apresentações musicais, principalmente aos fins de semana.

Política

Instalado no ponto comercial há 40 dos 65 anos de existência do Café Jaibaras, Expedito Vasconcelos, chamado de “prefeito do Becco”, faz questão de marcar presença diária em meio à movimentação local, que começa cedo da manhã, e se estende até o fim da tarde, com grande frequência de aposentados. Entre os personagens ilustres, os irmãos Ferreira Gomes, que vez ou outra caminham pelo lugar.

O “Becco” também é palco das novidades políticas e sociais. Tradicionalmente, o espaço ainda recebe grande volume de pessoas em eventos do Poder Público Municipal, quando o prefeito, Ivo Gomes ou secretários se dirigem aos moradores para divulgar ações ou serviços. As novidades do futebol, dos rumos do País e o cotidiano da cidade também são desfiados em conversas animadas.

Comércio

Ao atravessar a estreita via, o visitante segue uma trilha de pequenas lojas, bares, lanchonetes e bancas de revista. Artistas plásticos também têm espaço para oferecer seus trabalhos. O músico Danilo Pacheco, de Fortaleza, montou um cantinho para comercializar livros usados.

“Aqui é um ponto de encontro. Vejo que alguns comércios mantém um pé no passado, como o estúdio fotográfico que ainda mexe com disquetes. Realmente, o Becco é a cara da cidade”, reconhece, assim como o jornalista Adonias Filho, que mora na cidade há 42 anos. “As pessoas, apesar da internet, ainda vêm para cá para saber das notícias. Apesar do crescimento da Cidade, o calor humano, o aperto de mão, essa proximidade entre as pessoas é que revela a alma desse lugar”, acredita.

Personagens

Outro local bastante visitado no “Becco do Cotovelo” é o Salão Cometa, tradicionalmente frequentado por homens, desde 1966. O empreendimento familiar tem à frente José Osmar Carlos. Entre um corte de cabelo ou uma barba, o local também serve de ponto de encontro para animadas conversas.

“Este espaço é tudo para mim. Aqui, me profissionalizei e fiz muitos amigos. Apesar das muitas mudanças, principalmente nos estabelecimentos, me mantenho firme nesse ramo”, comemora, assim como o músico Jorge Albuquerque, que mantém, há quase 50 anos, um sebo. O espaço também comercializa discos de vinil, bastante procurados, segundo o comerciante.

“O Sebo do Becco é minha vida. Há anos, eu divido meu tempo entre a Banda de Música, onde atuo, e os livros e discos que vendo nesse cantinho”, revela, enquanto atende mais um cliente que seleciona, com carinho, algumas pérolas da MPB, antes de encerrar o passeio pelo Becco do Cotovelo, tomando um caldo de cana com pastel. “O melhor da cidade”, dizem.