Artista do Interior se destaca na arte do entalhe

As esculturas são ricas em detalhes, despertam a atenção de moradores desta cidade, localizada no Sertão Central

Escrito por Honório Barbosa - Colaborador ,
Legenda: Na casa, encontram-se várias esculturas. Uma peça representa o quadro Abaporu, de 1928, obra da artista plástica, Tarsila do Amaral, símbolo do Movimento Antropofágico
Foto: Foto: Honório Barbosa

Solonópole. Transformar toras de cumaru, oriundos do sertão cearense, em esculturas, que retratam santos, personagens regionais, engenhos, animais, o contexto político e até obras de arte do movimento antropofágico. A isso tem se dedicado o artista, Francisco Íris Pinheiro, 77. As esculturas são ricas em detalhes, despertam a atenção de moradores desta cidade, localizada no Sertão Central, e mostram a criatividade de mais um artista autodidata sertanejo.

Quem visita a casa de número 136, na rua Vereador Antônio Valterno Nogueira Pinheiro, no centro da cidade, fica encantado com as esculturas dispostas em uma garagem e em um dos cômodos dos fundos da residência. São peças de rara beleza. Outros exemplares estão guardados no sítio 'Suor, sangue e lágrima' a 15Km da sede urbana, às margens da Rodovia Padre Cícero.

Autodidata

Íris Pinheiro é mais um exemplo de artista autodidata do sertão cearense. "É um artesão de traços bem delineados e de peças bem-acabadas", diz a professora do curso de Letras da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Socorro Pinheiro. Ele revela, ainda, um outro dom: produz poemas e frases, inscritas nas paredes das casas do sítio e da cidade.

O artista tem origem em uma família de agricultores, mas o bisavô, José Correia Pinheiro, foi um dos construtores, na segunda metade do século XIX, da Igreja Matriz de Solonópole, dedicada a Bom Jesus Aparecido. Além de produtor rural, ele era carpinteiro. "Trago a vocação de trabalhar com madeira da família", pontuou. "Antes das esculturas, fazia coberta completa de casa, portas, móveis. Fui carpinteiro", completa Francisco Íris.

Migração

Homem simples, uma vida dedicada ao trabalho, ele mostra um talento nato para a produção das esculturas. Antes, entretanto, trabalhou em São Paulo e em Brasília. "Fui embora quando tinha 17 anos, em busca de uma renda melhor, de novas oportunidades e trabalhei como garçom, operário de fábricas e motorista", contou. "Fui candango na construção de Brasília", conta o escultor.

No fim da década de 1970, retornou à terra natal e concluiu o Ensino Fundamental. "Estudei pouco, mas foi um avanço terminar o ginásio, pois, quando era mais jovem, não havia oportunidade em Solonópole", explicou. Retornou a São Paulo, fez curso de radiotécnico e trabalhou em indústrias. "Havia um polonês que lutou na Segunda Guerra Mundial e era um gênio, entendia tudo de eletrônica. Eu aprendi muito com ele".

Ainda nos anos 70 voltou em definitivo para Solonópole onde instalou oficina de conserto de rádio e, graças ao curso na capital paulista, migrou, sem esforço, na mudança tecnológica da válvula para o transístor. "Com facilidade, eu consertava os aparelhos, naquele tempo, toda casa na cidade e no sítio tinha que ter um rádio", contou.

Nessa época, ocorreram as primeiras inspirações para os desenhos das futuras esculturas em madeira. A primeira peça foi uma onça pintada. "Levei 40 dias para fazer", disse. "Um Luiz Gonzaga com sanfona, foram 90 dias". Não parou mais. "Só vendo os trabalhos sob encomenda", explica. O artista, com esforço, tenta construir no sítio um espaço para armazenar as peças. "Quero fazer um museu", revelou. "Deixar tudo guardado para visitação".

Exposição

Algumas de suas peças já participaram de uma exposição itinerante por cidades do Ceará e do Rio Grande do Norte, e de uma mostra no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. "A gente fica feliz por as pessoas conhecerem, gostarem da nossa arte", frisou. Além de ser artesão, Francisco Íris tem gosto pela leitura e na estante da casa, feita por ele, há dezenas de livros - "lidos e relidos", afirma.

O artesão fez outros móveis da residência - portas talhadas, estantes, guarda-roupas, armários de cozinha, santuário, cristaleira. Tudo em madeira maciça. "Abra essa porta, tem 40 anos, veja como fecha como se fosse nova", ordena.

No canto da sala, um baú, também talhado, cujas peças seguem um estilo antigo, conhecido por malhete. "Não se usa prego, faz o encaixe entre os lados côncavo e convexo e fica fixo", ensinou. Os detalhes são perfeitos, com excelente acabamento.

Na casa, encontram-se várias esculturas. Uma peça representa o quadro Abaporu, de 1928, obra da artista plástica, Tarsila do Amaral, símbolo do Movimento Antropofágico. Há uma representação da farmacêutica Maria da Penha; Nossa Senhora Aparecida; Menino Jesus, pássaros, Padre Cícero, um jaguar, Santa Luzia, Nossa Senhora de Lourdes e de personagens da família, como a avó e a mãe.

Uma das esculturas desperta a atenção, pois tem duas faces: de um lado é Jesus Cristo; do outro, Maria Madalena, com os seios expostos. "Minha mãe não gostava quando eu fazia esculturas de mulheres", recordou. "A próxima peça será um pavão gigante", adiantou. A madeira para a escultura já está comprada. O cumaru é também conhecido por outras denominações: umburana, amburana-de-cheiro, cerejeira, cerejeira-rajada e cumaru-do-ceará. "Enquanto puder quero continuar produzindo as minhas esculturas", finaliza.