Após seguidos anos de estiagem, chuva torna-se sonho do sertanejo

Os últimos anos foram marcados pela escassez hídrica no Estado. Com precipitações abaixo da média, o sertanejo padece. A lavoura acumula perdas e o agricultor sofre para alimentar o rebanho. A chuva é a única esperança

Escrito por Honório Barbosa e Alex Pimentel , região@verdesmares.com.br
Legenda: 'Chico Leite' sonha com tempos melhores, de fartura no campo, "com alimento para saciar a fome de todos".
Foto: Foto: Alex Pimentel

Depois de sete anos de chuvas irregulares e escassas, os agricultores mantêm viva a esperança e sonham com um bom inverno para o próximo ano. Esse sentimento geral é expresso com simplicidade pelo produtor rural, Francisco Nascimento do Carmo. "Penso que o meu sonho é o sonho de todos os agricultores", reforça. "Já imaginou os açudes cheios novamente, os pequenos e grandes, como seria bom", afirma.

O sonho é ver todos os açudes cheios, os agricultores tirando boa safra e o gado bem alimentado

Sob a sombra de um juazeiro, o camponês lamenta a perda seguida de plantio de grãos - milho, feijão e fava e de algumas cabeças de gado. Apesar das dificuldades, não há espaço para mágoa no coração. "Faz sete anos que o inverno têm sido ruim, a gente sempre perde a lavoura, chove em um lugar perto e em outro não, chove bem uma semana, depois ficam muitos dias sem chover, aí, se perde tudo".

Francisco do Carmo pergunta o que estão falando sobre o inverno (quadra chuvosa) do próximo ano, mas antes de ouvir a resposta, já adianta: "Acho que esse ano que vem, os homens vão errar, vamos ter um bom inverno".

Esperança

A esperança tem por base as precipitações das últimas semanas, intensas. "Faz tempo que a gente não via um fim de novembro e um começo de dezembro assim, chuvoso em quase todo canto". Para ele, a antecipação das chuvas é um indício de um bom inverno em 2019. "Se janeiro entrar chuvoso assim vou aproveitar e plantar mais cedo, quero pegar as primeiras chuvas, acho que vai ser melhor".

Ele está animado e mostra a paisagem que mudou rapidamente na Caatinga. "Há duas semanas, estava tudo seco, agora as folhas estão verdes, a terra molhada, já nasce a pastagem nativa. O campo fica mais bonito".

No Distrito de José de Alencar, zona rural de Iguatu, Francisco do Nascimento mantém uma pequena criação de bovinos e todos os anos faz um plantio de milho, feijão e fava. Com financiamento do Banco do Nordeste conseguiu construir um pequeno açude e adquirir uma máquina forrageira, que tritura as espigas de milho e adiciona farelo de soja ou resíduo de algodão para alimentar as dez cabeças de gado que tem.

Legenda: Francisco Nascimento do Carmo afirma que o sonho dele "é o sonho de todos os agricultores" com "muita água nos açudes"
Foto: Honório Barbosa

Quantidade

Caminhando entre a propriedade, volta a falar do sonho. "Meu sonho também é manter o que consegui até agora: a terrinha, o gado para continuar vivendo da agricultura, tirando da terra o sustento da família, mas para isso é preciso que a chuva volte para o sertão no tempo e na quantidade certa", prevê.

Vizinho do agricultor, o aposentado José Custódio, 81 anos, aproxima-se e diz que está esperando o posicionamento da Estrela Dalva, 'quando partir do nascente para o poente' para saber se haverá boas chuvas ou não em 2019. Já enfrentei muitas secas, perdi muitas lavouras, caminhava com outros homens para Iguatu em busca de comida, nos anos de seca. "Hoje não tem mais isso, venho plantando todos os anos e perdendo, desde 2013, mas já estou aposentado", disse. "Vou plantar de novo".

Outro agricultor, Gilson Rodrigues, também morador da Vila União, em Iguatu, aproxima-se, ouve um pouco da conversa e expressa o sonho de ver boas chuvas, muita lavoura produzindo, rios e açudes cheios. Francisco do Nascimento retoma a conversa para reafirmar: "Bem que eu disse, que o meu sonho deve ser o sonho de todos os agricultores. A gente quer produzir, e não perder mais a safra. É simples. É isso que a gente sonha e quer: muita chuva e os açudes cheios".

Profetas

Respeitados e admirados, sobretudo pelos sertanejos, os profetas da chuva prenunciam todos os anos a esperança de boas colheitas no ciclo das chuvas no sertão. Eles têm no conhecimento, herdado ao longo de gerações, o dom de encontrar nos sinais da natureza o momento ideal para o plantio das sementes e boas colheitas. O agricultor Francisco Leite Filho, 62, é um desses sábios. Ele sempre sonha com tempos melhores, de fartura no campo, "com alimento para saciar a fome de todos".

Filho mais novo de 10, Francisco Leite é hoje o único a seguir os passos do bisavô, do avô e do pai. Chico Leite, como o agricultor é popularmente conhecido, recorda saudosamente da infância, onde iniciou "o processo de aprendizado para entender os sinais da natureza que indicam se terá um bom inverno".

Rezo para que as chuvas cheguem. São quase 10 anos de seca, a gente não aguenta mais

Ainda criança, conta ele, começou "a aprender as manhas de sobreviver em terras tão áridas e a conviver com as adversidades da natureza". Era preciso aproveitar os meses das chuvas para assegurar o sustento do resto do ano, relembra Chico.

"Também era necessário não desperdiçar o pouco que se tinha". Hoje a realidade é semelhante, avalia. "Sem chuva, há quase uma década, temos novamente que racionar, que saber utilizar os recursos com sabedoria, senão o alimento não dura. A terra não está produzindo como antes", detalha o sertanejo.

Missão

Essa matemática da vida, Chico Leite e um irmão mais velho, José Leite, dizem ter "aprendido de cor". A ele foi atribuído a missão de "observar os pássaros, os astros e até a tradição religiosa da experiência do sal, de Santa Luzia", para avaliar o início dos trabalhos no roçado e o plantio. "Previsão malfeita significa perda das sementes e de tempo apertado pelo resto do ano", pontua Chico, para, depois, desejar: "Para além das previsões, há um desejo meu e de quase todos: precisamos de chuva", finaliza o agricultor que, desde 1996, participa do "Encontro de Profetas da Chuva" em Quixadá.

A reunião no Sertão Central é uma dos mais conceituadas e procuradas pelo público nordestino. O evento é considerado o mais antigo do País nesse gênero.

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