Uso do WhatsApp no pleito expõe necessidades à Justiça e ao eleitor
A ferramenta de comunicação digital, utilizada por 120 milhões de brasileiros, assumiu centralidade em uma campanha marcada por desinformação e deixa lições ao debate democrático, que vão do uso à fiscalização
O aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp tomou a dianteira do compartilhamento online de informações durante a campanha deste ano, ocupando espaço central na disputa e no debate sobre a difusão de notícias falsas no pleito. Mas o que tornou o WhatsApp tão poderoso a ponto de ter seu uso questionado na Justiça Eleitoral? A utilização de redes sociais e ferramentas de comunicação digital para difundir notícias falsas, apesar de não ser nova, pegou de surpresa órgãos de fiscalização e estudiosos da área.
Para especialistas, a decisão do voto pode ser, sim, influenciada pelas redes sociais. Segundo a pesquisadora em Comunicação Política Camila Mont'Alverne, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), as instituições não estavam preparadas para combater o fenômeno das "fake news", mas não por falta de aviso.
"As eleições na Índia já indicavam que o WhatsApp iria desempenhar um papel importante neste pleito. O problema é que o Judiciário tem pouquíssima ideia do fenômeno com o qual está lidando", avalia. Ela pondera, contudo, que "é muito difícil haver uma prova cabal de que uma eleição foi decidida por isso, o que torna a decisão predominantemente política - e abre uma série de brechas para a violação da vontade popular".
Apesar de indicar que ferramentas como o WhatsApp não são suficientes para decidir eleição, a pesquisadora ressalta que o mau uso delas é problema grave. "A qualidade da informação é algo básico em uma democracia, especialmente em momentos críticos como a decisão do voto. O cidadão precisa - e tem o direito de - estar bem informado para tomar uma decisão e a avalanche de notícias duvidosas é bastante prejudicial", afirma.
Empresas
Para Camila Mont'Alverne, as empresas também devem atuar para combater a disseminação indiscriminada de informações. "No caso das redes sociais, podem ser desenvolvidas ferramentas para coibir a verbalização de discurso de ódio", argumenta.
Algumas ações, no entanto, são apenas paliativas, uma vez que o surgimento de novas ferramentas pode impor outros desafios à fiscalização. A pesquisadora defende uma formação da população para o reconhecimento de informações duvidosas ou mal-intencionadas, e também para o cultivo do apreço pelas instituições democráticas, inclusive pelo jornalismo.
Ao refletir sobre a centralidade do WhatsApp na campanha, o professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Wilson Gomes, por sua vez, avalia que o WhatsApp tem vantagens sobre as redes sociais digitais, visto que, nestas, a visibilidade é gerenciada por algoritmos, fora do controle dos usuários.
Diferenças
"O WhatsApp não tem algoritmos controlando a distribuição e o alcance dos conteúdos. Redes sociais são públicas e, portanto, quem publica algo pode ser chamado a responder judicialmente pelo que publica, enquanto o WhatsApp é privado e particular e facilmente passa sob o radar da autoridade eleitoral".
Geralmente, diferencia Wilson Gomes, o que é publicado em redes sociais digitais chega ao público se ele ativamente se conecta a essas redes e procura tais conteúdos, enquanto o material publicado e compartilhado no WhatsApp chega aos telefones pessoais até de forma passiva, inadvertidamente. "É um conteúdo invasivo e onipresente que chega aos bolsos e às mentes das pessoas por meio dos hoje indispensáveis e altamente disseminados aparelhos celulares", destaca o pesquisador.