TCE intensifica fiscalizações e julgamentos municipais

Seis meses após decisão do STF que confirmou o fim do TCM, presidente do TCE faz balanço positivo da transição

Escrito por William Santos - Editor assistente ,

Em 26 de outubro de 2017, oito dos dez ministros presentes àquela sessão de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) selaram uma sentença que já havia sido dada, meses antes, pela Assembleia Legislativa: estava extinto o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM-CE). Seis meses após a decisão que pôs fim a um processo longo, marcado por embates políticos, trocas de acusações e incertezas sobre o futuro das atribuições da Corte de Contas extinta, fiscalizações e julgamentos de contas municipais estão sendo feitos, pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE), “a todo vapor”. A avaliação é interna, feita pelo presidente do órgão, conselheiro Edilberto Pontes, e também externa, pois compartilhada por prefeitos cearenses.

No balanço de seis meses desde que o TCE assumiu as atribuições do extinto TCM, Edilberto Pontes diz que o Tribunal trabalha para alcançar “um outro patamar em termos de fiscalização”. Dados referentes ao controle externo sobre recursos municipais já apontam para isso: de outubro de 2017 a março deste ano, 5.503 processos referentes a municípios foram instruídos na Corte de Contas. Deste universo, entre 26 de outubro do ano passado e o último dia 3 de maio, 1.738 processos municipais foram julgados pelo TCE – dentre eles, 602 prestações de contas de gestão e 252 recursos.

“A minha sensação é que o controle externo no Ceará vai ficar bem mais forte. Acho que hoje já está mais forte, pelo menos (em relação) àquele TCM em frangalhos, ameaçado de extinção. Aquilo ali nem se compara”, avalia. Mesmo ao comparar o TCE com o TCM em época de normalidade, ele ressalta que o órgão estadual é institucionalmente “mais forte” do que o Tribunal extinto, o que lhe garante mais autonomia na atuação, agora também junto às gestões municipais. “O TCE é uma instituição que o Estado não pode extinguir, então ele é muito menos suscetível, muito menos vulnerável a pressões políticas, por exemplo. É um órgão mais forte. Para você acabar o TCE, tem que ser a Constituição Federal que acaba”, observa.

Transição

O processo de transição, contudo, ainda não foi concluído. Parte da estratégia de curto prazo, de acordo com Edilberto Pontes, já foi colocada em prática, com medidas para que o Tribunal “não parasse”: ainda no ano passado, a Corte realizou 16 fiscalizações em municípios cearenses e redistribuiu os 19.994 processos em tramitação no extinto TCM entre os conselheiros do órgão estadual. 

A estrutura física também passou por mudanças, com a transferência da maioria das atividades da antiga sede do TCM, no Cambeba, para o prédio do TCE, localizado no Centro. “O prédio aqui já está abarrotado, tem mais ou menos umas 130 pessoas que ainda estão lá no Cambeba. A estratégia é que a gente consiga um prédio aqui, nas imediações do Tribunal, para trazer essas pessoas para cá”, explica.

Já em médio prazo, o Tribunal tem buscado adotar medidas para uma transição “segura”, que incluem inovações internas e, também, no controle externo das prefeituras. Após enviar projeto de uma nova Lei Orgânica do órgão para a Assembleia, equipes do TCE trabalham na elaboração de um novo Regimento Interno e de um novo Plano de Cargos e Carreiras para os servidores, que também serão enviados ao Legislativo. O Tribunal ainda funciona sob a égide de dois regimentos e dois planos de cargos e carreiras, o que recai, por exemplo, em desníveis de progressão salarial. “Por conta disso, ajustes precisam ser feitos, mas a gente encara com naturalidade, não como obstáculo. Faz parte do jogo”, aponta.

Fiscalizações

Prova disso, destaca o presidente da Corte de Contas, é que o plano de fiscalizações ordinárias do TCE prevê inspeções presenciais em 54 municípios em 2018, dos quais 10 já foram fiscalizados. Para definir quais são, a Assessoria de Informações Estratégicas do órgão elaborou uma matriz de risco e dividiu municípios nas categorias de altíssimo risco, alto risco, médio risco, baixo risco e baixíssimo risco. Municípios enquadrados em todas as tipologias serão fiscalizados, em distribuições por sorteio. De altíssimo risco, cita Edilberto Pontes, são nove, dos quais três já passaram por fiscalizações.

É prioridade do Tribunal, além disso, investir em tecnologia e governança. Softwares já utilizados nas fiscalizações estaduais, inclusive, estão sendo ou serão implementados nas fiscalizações dos municípios. A partir do Sistema de Análise Estatística (SAS), por exemplo, uma auditoria do TCE, realizada em 2017, identificou indícios de acumulação ilícita de 5.495 cargos de servidores em diferentes municípios cearenses, o que geraria prejuízo ao erário no valor de quase meio bilhão de reais por ano. Já a partir do ano que vem, o sistema Ágora, que já é utilizado para as prestações de contas de pelo menos 60 órgãos estaduais desde o início deste ano, será introduzido, de forma escalonada, nos municípios.

Após a absorção do TCM, órgão que era recorrentemente alvo de críticas, inclusive de políticos, relacionadas ao envolvimento de conselheiros com gestores, que imprimia ao Tribunal o estigma de ser mais político do que técnico em algumas decisões, Edilberto Pontes afirma que “fechar brechas” a comportamentos inadequados também tem sido uma preocupação da Corte. Parte disso, cita ele, é a ampla divulgação de medidas cautelares concedidas por conselheiros para a suspensão de licitações, por exemplo. 

“Isso constrange qualquer tipo de comportamento que pudesse desviar de um padrão ético. Só o fato de você dar a cautelar e ter que levar para o Pleno, já é uma medida de governança e tanto”, enfatiza. Uma consultoria internacional também será contratada para “reforçar ainda mais a governança no TCE”.

Produtividade

E se o volume de processos aumentou, os sete conselheiros do TCE – um deles, Ernesto Saboia, vindo do TCM –, além dos substitutos, também “estão trabalhando muito mais”. Segundo Edilberto Pontes, a produtividade de cada um está sendo apurada e divulgada aos demais, para que todos do Pleno da Corte estejam cientes dos trabalhos. 

De janeiro a março deste ano, de acordo com relatórios de processos julgados por espécie e relator, disponíveis no site do TCE, de um total de 755 processos municipais julgados, 41 foram relatados por Soraia Victor, 88 por Valdomiro Távora, 26 por Rholden Queiroz e 40 por Patrícia Saboya. Já Alexandre Figueiredo e Ernesto Saboia relataram 96 e 137 processos municipais julgados no período, respectivamente, enquanto 102 foram relatados pelo conselheiro substituto Itacir Todero, 35 por Davi Barreto, 78 por David Matos, 21 por Fernando Uchoa e 72 por Manassés Pedrosa. Já Paulo César de Souza relatou 19.

De acordo com o presidente da Corte de Contas, apesar do crescimento da demanda, o número de julgamentos estaduais também aumentou em relação ao mesmo período de 2017. A nova realidade, contudo, impõe ao TCE “esforço muito maior”. “Esse desafio é de todo mundo. É do secretário de controle externo, é de cada conselheiro, que às vezes não tinha ainda o hábito, a expertise de julgar uma conta municipal, e está tendo que aprender fazendo, mas faz”.

Relacionamento

Mesmo com tantas mudanças, porém, uma filosofia do TCE é mantida: “o Tribunal não pode ser um órgão arrogante”, resume Edilberto Pontes. “O Tribunal tem que ser um órgão com muita autonomia, tem que ser um órgão forte, um órgão altivo, mas jamais arrogante, então tem que estar sempre aberto ao diálogo”, completa. Para isso, tem sido outra prioridade nesta transição o relacionamento com as prefeituras. 

De outubro de 2017 a março de 2018, por exemplo, o órgão estadual realizou 1.299 atendimentos de assistência técnica aos municípios, serviço que tinha sido parcialmente suspenso durante o processo de extinção do TCM. O presidente do TCE também salienta que o órgão está “de portas abertas” para reuniões com a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) e, por meio do projeto TCEduc, oferece capacitações a gestores em todas as regiões do Ceará. Na última semana, equipes do Tribunal foram até Russas e Quixadá. “Até junho, a gente vai ter abrangido todos os 184 municípios”, garante.

O bom relacionamento descrito por uma das partes é reverberado na outra ponta. “Cada um está fazendo a sua parte. O TCE, como também fazia o TCM, está dando capacitação, está levando informações aos municípios, capacitando e também fiscalizando. É uma fiscalização mais rígida, mais localizada. A gente tem observado isso. Os prefeitos estão relatando que é uma fiscalização mais de perto”, relata Expedito Nascimento, diretor de relações institucionais da Aprece. “O TCE tem levado vários técnicos, com tecnologias novas, e tem buscado dar apoio aos municípios, procurando qualificar os gestores”, aponta.

Expedito Nascimento também reconhece que o TCE tem sido acessível às demandas da Aprece. Um seminário sugerido pelos prefeitos, por exemplo, foi realizado em parceria com o Tribunal em dezembro do ano passado. Segundo ele, ainda, os julgamentos têm sido “mais rápidos”. “A Aprece está buscando essa aproximação exatamente porque tem a obrigação de proteger os municípios e de conhecer toda essa dinâmica, esse aparato do TCE. É um trabalho de convivência boa e esperamos colher mais frutos”, diz.

Século XXI

Ao olhar para o que está por vir, Edilberto Pontes, por sua vez, reconhece que o TCE ainda tem desafios a superar, mas destaca que os traumas do processo de extinção do TCM ficaram, majoritariamente, para trás. O objetivo, agora, é incorporar à atuação municipal da Corte de Contas um pensamento que já era trabalhado em esfera estadual: em uma metáfora que passa pela formação dos quadros internos e do uso de tecnologias em prol de fiscalizações, prestações de contas e julgamentos, fazer do TCE um tribunal “no século XXI”. 

“Foi um conjunto de forças políticas que, certo ou errado, fez e depois veio o Supremo, disse que aquilo era constitucional e está feito. A onda já veio. Eu digo para o pessoal: ‘olha, gente, ou você pega a sua prancha e surfa ou você leva caldo. Vamos engajar’. A nova realidade é essa, e o que estou sentindo na prática é que quem estava reativo ficou para trás. Todo mundo está tentando se engajar nessa onda, pegar sua prancha e surfar. Na prática, isso está acontecendo. No começo, havia aquela reação. Hoje não, porque quem ficou nessa ficou pra trás”.

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