Proposta de extinção da Justiça do Trabalho divide agentes do Direito

Presidente Jair Bolsonaro (PSL) levantou a possibilidade em entrevista no começo do mês. Críticos temem que haja piora na qualidade dos serviços, mas defensores apontam que alternativas não gerariam prejuízos

Escrito por Renato Sousa ,

Em meio à série de declarações polêmicas de Jair Bolsonaro (PSL), neste começo de mandato, uma acabou ganhando pouca repercussão no noticiário: no dia 3, em entrevista ao SBT, o presidente declarou que a Justiça do Trabalho pode acabar, pelo menos da maneira como funciona hoje. "Está sendo estudado. Em havendo clima, poderíamos discutir e até fazer uma proposta", declarou. A fala ficou em segundo plano diante do anúncio de que o Brasil poderia sediar uma base militar americana, mas a discussão não tem escapado aos personagens da área do Direito Trabalhista.

Na última segunda-feira (21), diversas entidades - como centrais sindicais, sindicatos e associações - organizaram manifestação em defesa da manutenção do ramo do Judiciário em Fortaleza. O presidente da secção cearense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Erinaldo Dantas, esteve presente. Ele afirma que a medida pode trazer mais problemas do que soluções para o País.

"(A Justiça do Trabalho) é uma justiça rápida, célere e eficiente. A legislação trabalhista no Brasil é respeitada porque o patrão que não respeitar sabe que a Justiça do Trabalho garantirá aquele direito", diz.

De acordo com Erinaldo Dantas, não procede a questão levantada por Bolsonaro, ao afirmar que apenas o Brasil teria um ramo do Judiciário dedicado exclusivamente a questões trabalhistas. Segundo ele, a França, por exemplo, tem órgãos similares aos brasileiros, enquanto países como a Inglaterra possuem duas instâncias para o tema.

O advogado também destaca que, com a perda da especialidade, a Justiça trabalhista também pode perder em agilidade. "Você prefere fazer uma operação cardíaca com o um cardiologista ou um clínico geral?", questiona.

De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2017, os mais recentes disponíveis, enquanto nas justiças estaduais comuns e federal a execução de sentença em primeira instância pode levar seis anos em média, na seara trabalhista esse prazo cai para pouco mais de dois anos.

Defesa

Para Rodrigo Marinho, professor da pós-graduação em Direito Processual da Universidade de Fortaleza (Unifor), essa agilidade não precisa ser perdida com um eventual fim da Justiça do Trabalho.

Defensor da medida, ele declara que o rito processual trabalhista pode se manter se as questões forem abordadas por varas específicas da Justiça Federal. "Você teria uma comunicação da Justiça do Trabalho com outras áreas de Direito", afirma.

Marinho também questiona o preço da manutenção da estrutura da Justiça do Trabalho, que custa aos cofres públicos mais do que toda a Justiça Federal. O CNJ aponta que a seara trabalhista consome 20% de todos os gastos do Judiciário, apesar de ter apenas 12% dos servidores. "Você vai diminuir tremendamente o custo da Justiça, devolvendo milhões de reais para a Justiça da União", argumenta.

O Sindicato dos Servidores da Justiça Federal do Ceará (Sintrajufe-CE) afirmou, em nota, que o equipamento é fundamental para a garantia de compromissos internacionais do País na área de Direitos Humanos. "Caso se torne factível a supressão ou mesmo uma suposta incorporação da Justiça do Trabalho à Justiça Federal, configuraria uma violência ao princípio da dignidade humana, desamparando judicialmente milhares de trabalhadores, bem como representaria contrariedade ao interesse público e grave violação à Constituição".

Sem detalhes

Para Elton Batalha, professor de Direito Trabalhista na Universidade Mackenzie (SP), a questão não é o fim (ou não) da Justiça do Trabalho, mas como isso pode ser feito. Para ele, a grande questão é que Bolsonaro lança a ideia, mas não a detalha, o que acaba gerando apreensão a vários setores. "Entendo a reação de todos que fazem parte da Justiça do Trabalho, mas o que me preocupa mesmo é como isso seria feito", diz. Segundo ele, vários países asseguram garantias básicas aos trabalhadores, sem um ramo específico da Justiça voltado apenas para questões afins.

Para o professor, se Bolsonaro quiser que a pauta avance, tem que correr. A mudança demandaria uma emenda à Constituição, que precisa do aval de 3/5 das duas Casas do Congresso, em duas votações cada, para ser aprovada. Batalha lembra que há uma tendência de que presidentes tenham menos apoio no fim do que no começo das gestões. "Ele teria que aproveitar esse momento", considera.

TRT-7 não se pronuncia

Representante no Ceará da Justiça trabalhista, o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7), procurado pela reportagem, informou que não iria se manifestar sobre as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre a possibilidade de extinção da Corte. “A decisão do desembargador Plauto Porto (presidente do TRT-7) segue orientação do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro João Batista Brito Pereira que, em ofício-circular emitido aos presidentes dos TRTs de todo o País, na sexta-feira (18), recomendou pela não manifestação institucional da direção desses órgãos sobre o referido assunto”, explica o Tribunal em nota. 

A Corte também fez questão de se afastar das manifestações contra a possibilidade. “Ressalte-se que os atos em defesa da Justiça do Trabalho, verificados em várias cidades do País, na manhã da segunda-feira (21), foram de responsabilidade exclusiva das entidades associativas que os promoveram”, aponta.

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