Pronunciamento de novato gera mal-estar entre deputados na AL

André Fernandes (PSL) chegou a dizer que denunciaria colegas que, em tese, fossem ao seu gabinete com dinheiro. Outros deputados se ofenderam com a insinuação e as reações ganharam repercussão durante e após a sessão

Escrito por Miguel Martins ,

Foi preciso a Assembleia Legislativa realizar apenas duas sessões ordinárias para que os ânimos na Casa se exaltassem. O primeiro confronto passou longe da discussão de temas entre oposição e situação, mas partiu de um ataque frontal a todos os membros do Legislativo Estadual. O deputado André Fernandes (PSL), em seu primeiro pronunciamento, afirmou que denunciaria qualquer colega que fosse ao seu gabinete com dinheiro, o que gerou embate entre os demais presentes.

As falas do deputado incomodaram, principalmente, parlamentares da ala mais conservadora da Casa, como Silvana Oliveira (PR) e Fernando Hugo (PP), decano do Legislativo cearense. Com a chegada de deputados de diferentes perfis à Casa, o teor do pronunciamento desviou até mesmo do tom que costumavam adotar membros da oposição na última legislatura.

"Não estou acusando ninguém, mas no dia em que algum amigo, colega deputado chegar ao meu gabinete oferecendo dinheiro para qualquer que seja o motivo, no outro dia eu venho ao plenário tornar público. Não venham no meu gabinete oferecer dinheiro, porque no outro dia vai ser matéria em todos os jornais", insinuou Fernandes.

Bate-boca

Fernando Hugo, que, inclusive, havia solicitado aparte para elogiar o desempenho do colega nas urnas, se exaltou com as falas do novato na Casa e chamou de "molecagem" o pronunciamento do colega.

Ele solicitou até que a taquigrafia da Casa retirasse termos utilizados por Fernandes dos registros da sessão. "É um insulto ao Parlamento cearense. Que ele fique com a molecagem dele. Ele está insinuando coisas que nunca vi. Não traga para cá essa molecagem".

A presidência da Mesa teve dificuldades de conter os ânimos dos parlamentares após o bate-boca. Silvana Oliveira também se sentiu ofendida e partiu para o embate com André Fernandes. Ela citou um vídeo publicado pelo deputado, que é "youtuber", nas redes sociais em que ele diz abrir mão do uso de "carro oficial", que seria, segundo ele, oferecido aos parlamentares da Assembleia.

"Eu não tenho carro oficial e não vou servir de escada para quem quer que seja. Não queira crescer em cima dessa Casa Legislativa. Quando fala de Previdência para deputado, deixa de dizer que vai ganhar R$ 5 mil a mais", atacou Silvana. André rebateu dizendo que a deputada, apesar de se dizer uma "serva de Jesus", se aliou a Camilo Santana (PT), segundo ele "o pai da ideologia de gênero".

"Não venha falar essas asneiras. Venha de forma digna. A senhora recebeu quase meio milhão do seu partido (na campanha). Eu não recebi um centavo do partido", disse André. "Renuncie à VDP (Verba de Desempenho Parlamentar). Me deixe dizer o que tiver para dizer. Se você não aguenta, não ceda o aparte", retrucou a republicana.

Os deputados do PT, apesar de o partido ter sido citado por Fernandes, não se envolveram no embate travado na manhã de ontem. As discussões mais calorosas se resumiram a parlamentares conservadores, todos eleitores do presidente Jair Bolsonaro.

Os ânimos só foram contidos minutos depois, com a chegada do presidente da Assembleia Legislativa, José Sarto (PDT), que, ainda com dificuldade, tentou colocar ordem no Plenário 13 de Maio. Diversos deputados quiseram se pronunciar a respeito do tema para esclarecer alguns pontos colocados pelo novato tanto na tribuna quanto em suas redes sociais.

Regimento

No período em que deputados podem fazer uso da palavra por até três minutos, o deputado Vitor Valim (PROS) partiu em defesa de André Fernandes, mas foi repreendido por José Sarto quando insinuou que os demais parlamentares eram subservientes à presidência da Assembleia. "O presidente não manda em nada. Quem manda é o Regimento. Aqui é uma Casa de iguais e todos têm os mesmos direitos", disse o pedetista em resposta a Valim.

Esclarecendo pontos sobre a previdência privada dos deputados, João Jaime (DEM) afirmou que os parlamentares cearenses possuem uma carteira de previdência opcional, que está avaliada em R$ 5 mil atualmente. "O deputado não precisa abrir mão da aposentadoria. É só aderir a opção de não contribuir", disse.

Sobre a VDP, o parlamentar do DEM explicou que não é necessário abrir mão de verba destinada a gastos com veículos ou passagens aéreas. "É só não usar. O deputado tem direito a usar R$ 29 mil (na verdade, são R$ 39 mil). Se não usar, não precisa mandar ofício. Cabe a cada deputado optar pelo que vai usar ou não. Ele tem um limite. Fora isso, tudo é querer se promover em cima do Parlamento".

Nos corredores

Nos bastidores, outros parlamentares comentavam o pronunciamento de André Fernandes destacando que, com tal atitude, o deputado seria “enquadrado” pelos demais membros da Assembleia em futuros discursos.

Movimentação

Os 42 deputados presentes na Casa também se deslocaram até o Plenário 13 de Maio para acompanhar o embate. A deputada Silvana Oliveira, após a discussão, precisou ser amparada, pois estava passando mal.

Ironia

Depois do embate, Fernandes não se desculpou: “Meu Deus! Não tem político corrupto no Ceará? Isso tem que ser notícia mundial”. Um oposicionista chegou a dizer que ele tem um estilo jovem de fazer política, mas que terá que aprender a se comportar na Assembleia.

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