Os riscos do extremismo político que relativiza a violência no País

Alicerçados em preconceito, polarização política e nas crises econômica e de segurança, episódios de ameaças, agressões e até homicídios relacionados ao contexto político se espalham pelo Brasil, avaliam sociólogos e psicólogos

Escrito por Flávio Rovere ,

Não é uma suástica, disse o delegado Paulo César Jardim, responsável por investigar o caso da jovem de 19 anos que teve o corpo marcado a canivete por três homens em Porto Alegre, no último dia 8, ao descer de um ônibus com uma mochila com as cores LGBT, uma bandeira do movimento e camiseta com a frase “Ele não”, de campanha feminina contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL). “O que temos é um símbolo milenar religioso budista. Símbolo de amor, paz e harmonia”, afirmou a autoridade policial. O episódio expõe o extremismo que tem permeado manifestações políticas e a relativização da violência no País. 

O capitão da reserva já declarou dispensar o voto de quem pratica violência contra eleitores do seu opositor, Fernando Haddad (PT), e vem lembrando, em declarações recentes, ter sido ele próprio vítima de uma facada. A campanha, porém, tem sido manchada com episódios de ameaças, agressões e até homicídios relacionados a posicionamentos políticos, caso do capoeirista e músico baiano Moa do Katendê, morto com 12 facadas após discussão em um bar, também no dia 8. 

Alicerçada em preconceito, polarização política e nas crises econômica e de segurança pública, a escalada de violência é fruto, também, de questões históricas mal resolvidas no Brasil. É o que afirma Leonardo Danziato, doutor em Sociologia e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor). 

Descrença

“Desde a redemocratização, algumas questões não foram colocadas em pauta, como toda a problemática da violência, da tortura, nos tempos de ditadura. A Nova República fez um acordo, o Lula resolveu fazer outro, então todas essas discussões sobre os nossos fantasmas políticos e sociais não foram tratadas e, agora, estão retornando de uma maneira muito mais grave, muito mais aguda, muito por conta do fracasso político do PT, com o governo Dilma”. 

Danziato está entre os descrentes na figura do brasileiro como “homem cordial” e afirma que a atual preferência da maioria do eleitorado tem muito de identificação com o discurso de quem afirma que vai “acabar com qualquer tipo de ativismo” e que “as minorias se adequam ou simplesmente desaparecem”. “A grande sedução do Bolsonaro é que ele diz coisas que a classe média brasileira gostaria de dizer e não tem coragem, por pudor, mas que já dizia de alguma maneira, de uma forma velada”, diz o professor. Para ele, o Brasil caminha para uma “cisão social”, independentemente do resultado do segundo turno. 

Também especialista em Sociologia e Psicologia, a professora Inês Detsi aponta outra razão para a onda de intolerância: a fragilização das instituições. “As pessoas passam a perceber que os parâmetros democráticos estão deixando de valer, e que não há mais garantia do cumprimento das leis e do respeito aos direitos de cidadania. Isso leva a uma sensação de desamparo e medo, podendo também fazer emergir o ódio e a violência, que numa situação de normalidade, com instituições mais fortalecidas, conseguiriam ser contidos”, avalia. 

Na linha de frente dos conflitos sociais, estão expostos grupos minorizados. Em Fortaleza, o professor Júlio César Araújo, da Universidade Federal do Ceará (UFC), relatou, no Facebook, ter sido vítima de ameaça no campus onde trabalha. “Quero só ver como ficarão os professores viados e negros dessa porcaria de universidade! Deixe meu presidente assumir, sua bicha preta”, repetiu, na publicação, a fala ouvida do agressor. 

À frente de um site de conteúdo feminista desde março, uma publicitária cearense de 31 anos, que reside em São Paulo, relata ter recebido um e-mail com ameaças de morte há pouco mais de 15 dias. “O Brasil só irá mudar quando um homem assumir uma ditadura totalitária, vulgo fascismo, e assim você será fuzilada em praça pública”, diz a mensagem.

“Dava para sentir o ódio nas palavras dele e eu não conseguia enxergar o porquê. Basicamente a minha existência deixava ele furioso”, desabafa. “Para mim, tem tudo a ver com o momento político de hoje”, acrescenta ela, lésbica e feminista. Ao buscar duas Delegacias de Defesa da Mulher, a cearense diz que foi desencorajada a seguir com a denúncia. “No fim, me disseram que seria muito trabalho para um só e-mail”, lamentou.

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