Flexibilização da posse de arma volta ao debate e divide opiniões

Mudança é prioridade do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Na primeira de uma série de reportagens sobre o tema, entidades discutem o Estatuto do Desarmamento e alterações já propostas

Escrito por Kilvia Muniz ,

Em 2005, ano em que foi realizado referendo sobre a proibição da venda de armas de fogo e munições no País, a maior parte da população se manifestou contra a proibição, já fincando as bases do que viria a se tornar uma das bandeiras mais populares no Brasil 13 anos depois. No primeiro discurso como presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL) já deixou claro que a pauta armamentista é prioridade do próximo governo. 

Nas palavras do militar reformado, “ninguém apoia o Estatuto do Desarmamento onde qualquer um possa comprar arma e andar com ela por aí. Inclusive, isso é para a posse de arma de fogo. Não estamos tratando de mudança no tocante ao porte de arma de fogo”. O principal argumento a favor é a garantia da legítima defesa. 

Para além das paixões que o tema desperta, existem também muitas dúvidas e desinformação. De um lado, opositores temem que o País se torne um “Faroeste”, onde todos estarão armados e a violência interpessoal tende a aumentar. Por outro, os defensores reivindicam que a pessoa comum possa se defender da insegurança que toma conta do País, sob o argumento de que só quem está armado é o “bandido”.

Mas o que, de fato, é porte ou posse de arma? As regras são regidas pelo Estatuto do Desarmamento, uma lei federal que entrou em vigor de 2003 e proíbe o porte de armas por civis, com exceção para os casos onde haja necessidade comprovada. De acordo com o presidente da Federação Cearense de Caça e Tiro, Gustavo Fruet, “o cidadão, hoje, tem dois caminhos para a arma de fogo. Ele registra a arma na Polícia Federal, para tê-la na residência e, se for arma curta, poder tirar o porte de arma, se for o caso. Ou ele se filia a um Clube de Tiro, se registra no Exército como praticante do esporte e poderá transportar e atirar em vários clubes do Brasil com as armas”.

Proposta 

As mudanças que se avizinham na legislação dizem respeito, num primeiro momento, não ao acesso para quem quer se tornar atirador esportivo, mas para quem, independentemente do motivo, quer ter arma em casa. Essa é a chamada posse. O porte, que de acordo com Bolsonaro não deve entrar na pauta agora, diz respeito à autorização para transportar a arma, que hoje, é restrita a profissionais como os agentes de segurança. 

De acordo com o Instituto Sou da Paz, organização não governamental (ONG) que há 15 anos trabalha para a redução da violência no Brasil, há mais de 160 propostas de alteração do Estatuto do Desarmamento em tramitação no Congresso Nacional atualmente. O projeto mais popular é o PL 3722/2012, de autoria do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC). 

O texto traz itens polêmicos, como a revisão dos requisitos para adquirir arma de fogo. Hoje, a aquisição é proibida para quem tem qualquer tipo de antecedente criminal. Na proposta, ela seria proibida apenas a quem tem passagem pela prática de infração penal dolosa, quando houve intenção de cometer o crime, e liberada se o crime tiver natureza culposa, sem intenção, como um conflito pessoal. 

Outras mudanças têm caráter mais prático, como explica Vitor Holanda, presidente da Federação Cearense de Tiro Prático, como a redução de 25 para 21 anos a idade mínima para requerer a posse. “Com 18 anos uma pessoa pode ser policial militar, utilizar arma de fogo, e por que o cidadão somente vai poder utilizar aos 25 anos?”, questiona. 

Outros itens

Para o diretor executivo do Sou da Paz, Ivan Marques, a escolha da idade de 25 anos, estabelecida pelo Estatuto do Desarmamento, não foi por acaso. “Quem mais comete crime com arma de fogo e sofre com a violência armada no Brasil é o jovem na faixa de 17 a 24 anos, então, é razoável que se espere que quem queira ter uma arma e queira fazer um uso responsável dela, estivesse fora desse grupo da população”. 

O PL em tramitação também prevê a não obrigatoriedade de justificativa para solicitar posse. “Hoje, contamos com uma legislação ainda com a subjetividade de vir a se justificar ou não a necessidade da arma de fogo para que seja autorizada a compra. A nova legislação pretende retirar essa subjetividade”, explica Vitor Holanda. 

Ainda não está claro como será a proposta oficial de Bolsonaro. Se ela irá aproveitar o PL 3722 ou se uma nova legislação será apresentada. Ontem, o deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente eleito, defendeu que a ampliação do acesso da população a armas de fogo seja feito por meio de decreto presidencial. 

No Ceará, apoiadores do militar se mobilizam para formatar novo projeto. Para o deputado federal eleito e principal articulador de Bolsonaro no Estado, Heitor Freire, é necessário desburocratizar os processos. “Uma vez que você nasce, você tem sua Certidão de Nascimento para o resto da vida. Com a arma, deveria ser a mesma coisa. Uma vez que foi devidamente registrada, não precisa ficar sendo renovada a cada dois, três, quatro anos”, argumenta. 

O outro lado 

Para Ivan Marques, a renovação, prevista no Estatuto, é fundamental. “A gente, por exemplo, de cinco em cinco anos, precisa provar para o Estado que tem condições de dirigir um automóvel. O projeto original que foi apresentado falava que você tinha a possibilidade de tirar essa licença e nunca mais prestar contas, se você continua em condições físicas e psicológicas de ter uma arma de fogo”. 

Segundo o diretor da ONG, flexibilizar a legislação “é jogar fora uma grande conquista civilizatória no Brasil. O Brasil é um país que mata mais de 63 mil pessoas por ano, a maior parte delas com uma arma de fogo. E qualquer medida que deixe mais fácil o acesso das pessoas a arma de fogo é como colocar lenha numa fogueira que já arde com labaredas muito altas”. 

Dados que mostram benefícios ou malefícios da flexibilização são a base de argumentos dos diversos lados envolvidos na questão. Na próxima reportagem da série sobre a flexibilização do acesso a armas de fogo, a ser publicada amanhã (7), a discussão recai sobre histórias de vida, pesquisadores e profissionais da área de segurança pública.

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