Após 5 anos, órgãos públicos do Ceará ainda têm dificuldades para cumprir Lei de Acesso à Informação

Apenas duas das oito instituições procuradas no Estado responderam integralmente à solicitação de dados

Escrito por William Santos - Editor assistente ,

Imagine a cena: você, eu ou qualquer outro cidadão decide buscar uma informação junto a um órgão público das três esferas de poder. Amparado pela Lei de Acesso à Informação (LAI), todo brasileiro pode entrar em contato com instituição pública para formalizar um pedido de informação e, quando não há restrição legal à divulgação do teor da solicitação, cada órgão ou entidade tem um prazo de 20 dias, prorrogável por mais dez, para conceder a informação. Parece simples? Cinco anos depois que tal lei entrou em vigência, porém, o cumprimento dela ainda esbarra em gargalos técnicos e estruturais que dificultam o acesso à informação e ferem o princípio da transparência em diferentes órgãos de todo o País, inclusive no Ceará.

Relatório da ONG Transparência Brasil, publicado em setembro de 2017, concluiu que quase metade dos principais órgãos públicos brasileiros descumprem a Lei nº 12.527/2011, a LAI. Para o levantamento, a Transparência Brasil enviou, entre 2016 e 2017, um mesmo pedido de informação a 206 órgãos públicos de todos os poderes e esferas federativas – destes, oito estão no Ceará. Segundo a entidade, foi solicitada a cada um a base de dados de todos os pedidos de informação, contendo as respectivas respostas, recursos e anexos, recebidos via LAI desde 2012, quando a lei passou a vigorar, até abril de 2017.

Como resultado, relatório da Transparência Brasil revela que, dos 206 órgãos avaliados, 93 (45%) ignoraram a solicitação, postura que a entidade considera grave descumprimento à LAI. Outros 36 (17%) negaram acesso à informação, 47 (23%) concederam parcialmente o que foi solicitado e apenas 30 (15%) concederam integralmente o acesso à informação pedida. Dentre os órgãos que atenderam ou atenderam parcialmente ao pedido, 73% compartilharam indevidamente dados pessoais de requerentes, o que também é vedado pela Lei de Acesso à Informação.

Apenas dois órgãos cearenses responderam integralmente à solicitação 

Estão incluídos no relatório o Governo do Estado do Ceará, a Prefeitura de Fortaleza, a Assembleia Legislativa do Ceará, a Câmara Municipal de Fortaleza, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), o Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE) e o extinto Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM), que à época do levantamento da ONG ainda estava em funcionamento. 

Destes, apenas dois – o extinto TCM e o Governo do Estado – responderam à solicitação e disponibilizaram integralmente a informação solicitada. O TCE e a Câmara dos Vereadores, segundo o relatório, também responderam ao pedido, mas concederam apenas parcialmente a informação solicitada. O MPCE e a Prefeitura de Fortaleza responderam à solicitação, mas, de acordo com os critérios estabelecidos pela Transparência Brasil, não atenderam ao pedido de informação. Com avaliação mais negativa, o Tribunal de Justiça do Estado e a Assembleia Legislativa, conforme consta no relatório, sequer responderam à solicitação realizada pela organização.

O Diário do Nordeste buscou todos os órgãos e entidades cearenses citados no relatório para ouvir seus representantes sobre o cumprimento da Lei de Acesso à Informação e, também, solicitou balanço do número de pedidos de informação recebidos e atendidos ao longo dos últimos cinco anos. Na maioria dos casos, os órgãos ressaltaram esforços feitos internamente para o cumprimento da lei, mas, mesmo após cinco anos de vigência da LAI, alguns não possuem dados sistematizados sobre as solicitações recebidas e respondidas. A reportagem também constatou o que o relatório da Transparência Brasil já havia concluído: parte dos órgãos ainda não possui um Sistema Eletrônico de Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC). 

O Governo do Estado é o único a disponibilizar, no site da Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado (CGE), relatórios estatísticos dos pedidos de informação recebidos, atendidos e indeferidos anualmente, bem como informações genéricas sobre os solicitantes. Em 2017, por exemplo, o órgão registrou 26.827 pedidos de informação recebidos pelo Sistema de Ouvidoria/Módulo SIC (Serviço de Informação ao Cidadão). Destes, 26.540 foram atendidos. O órgão detalha no relatório anual, ainda, que outros 82 pedidos estariam em atendimento e identifica os motivos do indeferimento das solicitações que não foram respondidas. 

No ano de 2016, dentre 28.234 pedidos recebidos, foram atendidos 28.031. Os números são superados pelos registrados em 2015, quando a CGE registrou 59.144 solicitações de informação e atendeu a 59.029. Em 2014, foram 25.058 pedidos registrados, dos quais 24.947 tiveram resposta. Um ano antes, em 2013, o relatório foi menos preciso: num universo de19.143 pedidos de informação recebidos, apenas 2.972 constam como atendidos. O status de 16.153 solicitações não foi informado.

Titular da Controladoria, o secretário Flávio Jucá explica que, na CGE, há um comitê gestor de acesso à informação responsável pelo recebimento dos pedidos de informação, que depois são encaminhados a comitês setoriais nos demais órgãos do Estado. A CGE, após repassar as solicitações, acompanha os prazos de atendimento junto aos órgãos do Estado. Segundo ele, cerca de 20 pessoas trabalham na operação dos sistemas de transparência do Estado – que não incluem apenas a LAI – e, em cada um dos 65 órgãos da administração estadual, há pelo menos uma pessoa encarregada dos comitês setoriais de acesso à informação. 

“Se o cidadão não estiver satisfeito com a resposta ou achar que não foi atendido, ele pode recorrer dentro do Estado. A primeira instância é o próprio comitê gestor, coordenado pela CGE”, aponta Flávio Jucá. Acima do comitê gestor, acrescenta o secretário, há ainda uma outra instância que recebe recursos, chamada Comitê Estadual de Acesso à Informação, que é formado por representantes dos três poderes.

Para ele, o sistema utilizado pelo Executivo é um diferencial que coloca o Ceará à frente de outros estados no quesito transparência. Prova disso é que o Estado obteve notas máximas em avaliações de transparência feitas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Controladoria Geral da União (CGU). Ao reconhecer, contudo, que é preciso aprimorar avanços relacionados à transparência do Estado, Flávio Jucá destaca que, em março próximo, será lançado o novo sistema de transparência do Estado, o Ceará Transparente, que incluirá um novo Portal da Transparência, um novo sistema de Ouvidoria e de acesso à informação. 

Dentre as inovações, ele explica que as novas plataformas devem ser mais acessíveis por smartphones. “A ideia é estar sempre melhorando a forma que o cidadão pode acessar o sistema”, justifica. Além disso, o titular da CGE destaca que o órgão promove reuniões bimestrais de capacitação dos agentes encarregados de promover a transparência do Estado.

Aumento de demanda no TCE

No Tribunal de Contas do Estado, segundo o assessor especial da presidência do órgão, Juraci Muniz, a média de demandas recebidas, anualmente, varia de 160 a 250 pedidos de informação, mas, desde que assumiu as atribuições do extinto TCM, no segundo semestre do ano passado, a busca por informações junto ao órgão aumentou. “O TCE atuava no que tange à atuação do Governo do Estado, em pouco mais de 100 unidades gestores. Essa demanda era menor que em relação aos municípios, que envolve em média 3.800 unidades gestoras nos 184 municípios”, explica. Resultado disso é que em 2017, de acordo com o representante do Tribunal, mais de 10 mil demandas foram recebidas pela Ouvidoria do TCE.

É a Ouvidoria, aliás, a porta de entrada dos pedidos de informação via Lei de Acesso à Informação no TCE. O setor é formado por uma equipe de sete pessoas, além do ouvidor. “Depois que passa pelo registro, é feita uma análise prévia e (o pedido) vai para o setor competente para responder, se é uma ação de controle externo, de planejamento... A Ouvidoria manda para o setor e passa a controlar o prazo internamente”, detalha o assessor especial.

Ao avaliar o cumprimento da LAI, ele destaca, ainda, que a Ouvidoria do TCE programa para este ano a realização de encontros de capacitação de gestores e representantes da sociedade civil em dez regiões do Estado, com a participação da Ouvidoria do órgão. O primeiro está marcado para esta terça-feira (20), em Iguatu. “O Tribunal tem adotado diversos mecanismos não só tecnológicos, mas de contato com a sociedade, para trazer ao cidadão, cada vez mais, essa liberdade de solicitar informações”, coloca.

MPCE entregou dados parcialmente

O Ministério Público do Estado do Ceará respondeu à solicitação da Transparência Brasil, mas, conforme relatório publicado pela entidade, não atendeu ao pedido de informação, nem mesmo após recurso ter sido interposto à primeira resposta. Ao Diário do Nordeste, o promotor de Justiça Iran Coelho Sírio, coordenador do Núcleo de Atuação Especial Gestor da Transparência e Acesso à Informação (NUTRI), ressaltou que o órgão implementou o núcleo em 2012, quando a LAI entrou em vigor, e desde então “o MPCE tem desenvolvido neste aspecto ações afirmativas para responder dentro do prazo previsto na LAI todas as solicitações registradas pelas pessoas físicas e jurídicas, salvo aquelas informações resguardadas pelo sigilo”. Ele ressalta, porém, que “a regra é o acesso. O sigilo é a exceção”. 

Por outro lado, o órgão só enviou à reportagem dados referentes ao cumprimento da LAI nos últimos dois anos. De acordo com o MPCE, em 2017, foram recebidas 94 solicitações de informações, pelos canais SIC e e-mail, divididas nos macrotemas institucional, concurso público, idoso, saúde, crimes contra a administração pública, meio ambiente e outros. Já em 2016, foram realizados 55 pedidos de informação, tendo como áreas mais demandadas assuntos ligados a recursos humanos e planejamento (área-meio do MPCE), além de cidadania, defesa do consumidor, idoso e improbidade administrativa (área-fim do MPCE).

Os pedidos podem ser protocolados na sede da Procuradoria Geral de Justiça ou em formulário eletrônico disponível no site do Ministério Público. “As solicitações dirigidas ao MPCE, tão logo registradas, são encaminhadas aos diversos órgãos do MPCE para manifestação e retorno ao cidadão. A LAI prevê que a informação seja prestada no prazo de 20 dias, o que o MPCE tem procurado cumprir”, ressalta o promotor.

Ele enfatiza, ainda, que implementar a LAI no âmbito interno é apenas um dos papeis “fundamentais” do Ministério Público em relação à lei. O outro é o de fiscalizar os demais órgãos e entidades quanto à implementação da referida lei, o que é feito, segundo Iran Coelho Sírio, “pelos diversos órgãos de execução no espaço territorial cearense”. Apesar de não ter sido bem avaliado no relatório da Transparência Brasil, o promotor destaca que as ações de transparência são acompanhadas periodicamente pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a partir de uma ferramenta denominada “Transparentrômetro”, e no primeiro trimestre de 2017 o cumprimento da LAI pelo MPCE foi classificado como “Excelente”.

Prefeitura diz que está aprimorando o sistema

A Prefeitura de Fortaleza, que aparece no relatório da Transparência Brasil como um dos órgãos que não atenderam ao pedido de informação, mesmo após interposição de recurso, contrapõe o resultado da avaliação da entidade com outros dados. Coordenadora de Transparência da Controladoria Geral do Município de Fortaleza, Deyse Aguiar Lôbo Rocha sustenta que a gestão municipal tem trabalhado “de forma exaustiva, a fim de aprimorar seu sistema e de estar com suas informações sempre disponíveis para o cidadão, quer seja colocando de maneira atualizada suas informações no Portal da Transparência (Transparência Ativa), quer seja respondendo às solicitações dos cidadãos por meio físico e por meio eletrônico (Transparência Passiva)”. 

Prova disso, acrescenta ela, é que a Capital subiu do 14º para o 1º lugar na 3ª Avaliação do ranking Escala Brasil Transparente (EBT), metodologia criada pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) que avalia o grau de cumprimento de dispositivos da LAI. Em 2017, a Prefeitura de Fortaleza obteve nota dez.

“A dita avaliação concentrou-se na transparência passiva e, em vista disso, foram realizadas solicitações reais de acesso à informação aos entes públicos avaliados. Tal resultado traz, como pontos positivos, além da redução de discordâncias informacionais entre a sociedade e os agentes públicos municipais, uma redução de falhas da gestão e um maior controle da população sobre o setor público, aumentando, em contrapartida, a obrigação dos líderes eleitos de responder por suas decisões políticas e melhorando a Economia de nossa Cidade”, afirma.

Em relação à solicitação da Transparência Brasil, Deyse Rocha diz que a Prefeitura entendeu que se tratava de “pedido genérico”, o qual não obedeceu aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e que exigiam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, motivo pelo qual foi parcialmente negado. “Vale salientar que tal negativa parcial não esteve livre de fundamento, uma vez que teve como base o disposto no Art. 11 do Decreto Municipal nº. 13.305/2014”, pondera.

De novembro de 2014 a setembro de 2017, de acordo com a administração municipal, 2.404 pedidos de informação foram recebidos pelo Sistema eletrônico de informação ao cidadão (e-SIC). “Este sistema funciona na internet e centraliza todos os pedidos de informação de interesse público que forem dirigidos ao Poder Executivo Municipal, ou seja, ele permite que qualquer pessoa, física ou jurídica, encaminhe pedidos de acesso à informação para órgãos e entidades do Poder Executivo Municipal. Por meio dele, além de fazer o pedido, é possível acompanhar o prazo pelo número de protocolo gerado e receber o aviso da resposta da solicitação por e-mail; entrar com recursos, apresentar reclamações e consultar as respostas recebidas”, explica a representante do Executivo Municipal. 

TJCE e Assembleia não responderam 

Em situação mais delicada na avaliação de cumprimento da Lei de Acesso à Informação, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e a Assembleia Legislativa não responderam à solicitação da Transparência Brasil. A Ouvidoria do Poder Judiciário informou ao Diário do Nordeste que, desde 2017, o tratamento dado aos pedidos de informação segue rito cuja porta de entrada é a própria Ouvidoria, a partir de formulário eletrônico, e-mail, correspondência, sistema eletrônico ou de forma presencial. As solicitações são tratadas e analisadas para, depois, a Ouvidoria cadastrar processo administrativo a ser distribuído ao órgão competente para responder o questionamento. “De posse da informação do objeto pedido, a Ouvidoria, após análise das informações prestadas, a encaminha ao manifestante”, diz o órgão, em nota assinada pela Ouvidora do Poder Judiciário, Maria Iraneide Moura Silva.

Quanto à quantidade de pedidos de informação recebidos via Lei de Acesso à Informação, o TJCE expôs que, entre 2012 e 2017, foram recebidas 73 demandas. Em 2018, o órgão recebeu nove pedidos de informação com base na LAI. 

A assessoria de imprensa do Poder Legislativo, por sua vez, afirmou que, em contato com o controlador da Assembleia Legislativa do Ceará à época da divulgação do relatório da Transparência Brasil, Lindolfo Cordeiro, recebeu a informação de que o pedido de informação feito pela entidade nunca chegou à Controladoria, órgão responsável pelo recebimento e encaminhamento das demandas na Casa, para qualquer tipo de análise. “Todos os pedidos de informações que chegam ao setor são respondidos. Quando é identificada uma informação já diretamente disponível no Portal da Assembleia, a Controladoria indica inclusive o link específico para que cada cidadão possa encontrar o que está procurando”, disse, em nota.

A assessoria informou, ainda, que a Assembleia Legislativa do Ceará não dispõe de uma estatística sobre a quantidade de pedidos de informação feitos com base na LAI, mas ressaltou que “o então controlador nos informou que a quantidade de pedidos com este teor é muito pequena”.

Diretora de operações da Transparência Brasil e uma das autoras do relatório em questão, Juliana Sakai relata que, durante o levantamento de dados, a entidade encontrou dificuldades até mesmo para enviar os pedidos de informação para alguns órgãos. Ele observa que deficiências estruturais são uma das principais barreiras para o cumprimento pleno da Lei de Acesso à Informação.

“O que a gente sempre faz, em primeiro lugar, é ver se existe um canal específico de acesso à informação, que é o e-Sic. Muitos órgãos têm um canal específico para ser enviado o pedido de informação. Quando não há esse canal, quando o e-Sic não está disponível, o que a gente faz é procurar um canal de comunicação alternativo. A Ouvidoria, por exemplo. A gente se dirige para esse canal dentro do site para ver se consegue enviar o pedido. Se não há um formulário online, a gente liga para o órgão para saber para onde mandar”, detalha.

Ao avaliar a falta de estrutura tecnológica mínima para o cumprimento da lei, como a falta de uma página para envio de formulários de pedidos de informação, a diretora de operações lembra que a própria Controladoria Geral da União oferece ferramentas prontas para implementação, o que não justificaria a ausência de tais canais nos órgãos públicos. Além disso, ela ressalta que é preciso haver equipes qualificadas para o atendimento da lei.

“O que a gente viu com alguns órgãos é que havia problemas de entendimento da Lei de Acesso. Dizer que o órgão é transparente não significa que o órgão não deve proteger informações que são sensíveis. Os servidores precisam saber que, ao fornecer uma informação, não é qualquer informação que pode ser compartilhada”.

Juliana Sakai considera, ainda, que todo ranking de transparência tem a sua utilidade, mas aponta que nenhum é absoluto. Segundo ela, ao destacarem boas notas em avaliações dos portais da transparência, por exemplo, os órgãos estão se referindo à transparência ativa. A Lei de Acesso à Informação, por outro lado, diz respeito à transparência passiva. “Se aqui a gente está falando de transparência passiva e ele responde: ‘ah, mas eu estou bem na transparência ativa’, ele está respondendo outra coisa”, critica. Cinco anos após a vigência da lei federal, arremata a representante da Transparência Brasil, “não é admissível que eles não cumpram a lei”.

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