Igrejas são atraentes na disputa por votos

Parlamentares que buscam reeleição dizem que não fazem política nos templos, mas miram o eleitorado religioso

Escrito por William Santos - Editor Assistente ,
No Estado laico brasileiro, o crescimento das bancadas religiosas – ligadas, principalmente, às igrejas Católica e Evangélica – nos parlamentos têm feito de templos religiosos espaços de busca e disputa de votos no período pré-eleitoral. Além daqueles deputados já eleitos a partir de trajetórias construídas nas igrejas, outros também têm apostado em uma aproximação com comunidades religiosas ao desenharem estratégias de reeleição. Alçados ao Poder Legislativo unindo, no mesmo discurso, religião e política, eles sustentam que é possível desempenhar função parlamentar com isenção no Estado laico no qual estão inseridos, mas reclamam que pautas conservadoras têm sendo utilizadas de maneira “oportunista” com interesses eleitorais.

Na Assembleia Legislativa do Ceará, fazem parte da bancada religiosa, declaradamente, ao menos quatro dos atuais 46 deputados estaduais, embora a religião também seja tema recorrente em pronunciamentos de outros parlamentares. São eles: David Durand (PRB), Carlos Matos (PSDB), Silvana Oliveira (PR) e Walter Cavalcante (MDB). 

Já no Congresso Nacional, 10 dos 22 deputados federais cearenses em exercício compõem a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional: Adail Carneiro (PODE), Cabo Sabino (Avante), Chico Lopes (PCdoB), Domingos Neto (PSD), Genecias Noronha (SD), Gorete Pereira (PR), Leônidas Cristino (PDT), Moses Rodrigues (MDB), Ronaldo Martins (PRB) e Vitor Valim (PROS). 

Espaço

Cinco destes, curiosamente, também são signatários da Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana, caso de Chico Lopes, Domingos Neto, Genecias Noronha, Gorete Pereira e Vitor Valim, além de André Figueiredo (PDT), Aníbal Gomes (DEM), Antônio Balhmann (PDT), Danilo Forte (PSDB), José Guimarães (PT), Odorico Monteiro (PSB) e Raimundo Gomes de Matos (PSDB), também integrantes do grupo.

Entre tais parlamentares, porém, alguns fazem questão de demarcar que chegaram às casas legislativas a partir das trajetórias iniciadas nas igrejas. Deputada estadual em primeiro mandato, Silvana Oliveira (PR), por exemplo, é membro da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Questionada sobre como é fazer política dentro de um espaço voltado à religiosidade, ela diz que conquista espaço entre os fiéis “sem precisar falar de política”. “Como nasci lá, não tenho dificuldade de falar igual aos meus irmãos”, explica. “Em uma igreja na Messejana, o pastor me disse: ‘doutora, a senhora conquista a gente até sem precisar falar’!”, relata a deputada, que é médica.

Ao defender a preservação do “ambiente sagrado”, entretanto, Silvana diz que nunca fez – e nem fará – discurso político na igreja que frequenta. “Acho que a igreja é um espaço para a conscientização política. A nossa escola dominical veio esse semestre com várias pautas voltadas à conscientização política, à necessidade do crente na política, ao (debate sobre) aborto na igreja, à ideologia de gênero”, expõe. “A igreja está levando esses temas para a sala de aula da igreja, a escola dominical”.

Isso não representa necessariamente, segundo ela, uma cooptação de eleitores. A deputada pontua que, na Assembleia de Deus, não há “candidato oficial”, embora reconheça que a indicação de um nome para votação por toda a comunidade é “bem frequente” em outras igrejas. “Tem sim. Tem líderes de igrejas que serão candidatos, mais de um, inclusive, e agora enfrentarei concorrência pesada com os próprios irmãos, mas isso não me assusta, até porque sempre estive onde estou e não avanço os territórios dos outros”.

Interesse

A parlamentar reclama, entretanto, de políticos sem ligação com igrejas que, conforme observa, têm buscado se aproximar de um segmento religioso do eleitorado a partir da apropriação “oportunista” de um discurso conservador. Ela cita, por exemplo, a visita de uma comitiva do ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, à igreja que frequenta em Fortaleza, quando o ex-ministro esteve com auxiliares na Capital no início do ano, tendo tratado, inclusive, de possível pré-candidatura à Presidência da República. “Eles foram deselegantes ao extremo. Não recebi nenhuma ligação deles. Eu estava no culto e me recusei a cumprimentá-lo. Ele (Meirelles) que veio me cumprimentar”.

O tucano Carlos Matos, membro da Comunidade Católica Shalom, por sua vez, afirma que “a política está em todo lugar, na igreja e fora da igreja”, e por isso ressalta que, embora seja católico, tem se relacionado, nos trabalhos do mandato, com lideranças de diversos segmentos. “A igreja faz parte da sociedade, e me considero um deputado que me relaciono com a sociedade”.

Ao considerar que o País vive um contexto de maturidade democrática, ele vê como “natural e legítimo” que não só membros das bancadas religiosas busquem dialogar com as igrejas, inclusive porque defende que, ainda que os católicos sejam maioria do eleitorado cearense, não é apenas a “identidade religiosa” que deve determinar a escolha de um candidato pelos eleitores. “São diversos fatores. Tem gente querendo passar-se por isso e por aquilo, não só na identidade religiosa, mas o eleitor deve investigar a vida do candidato, deve ver a trajetória dele, a experiência de vida. Esse é o ponto mais puro para escolher o seu voto”, argumenta.

Encontros

Da Assembleia para a Câmara, opinião semelhante tem o deputado federal Danilo Forte (PSDB), que, embora ressalte ser católico, teve, no fim de abril, reunião com representantes da Igreja Mundial, em São Paulo, para “construir uma pauta capaz de resgatar valores e estimular a estruturação de uma sociedade pacífica e longe da cultura de violência”, conforme nota divulgada por sua assessoria. “Para quem quer estar perto do povo, do sentimento da população, é importante estar perto dos movimentos de igrejas”, justifica o tucano. “Nas periferias dos grandes centros e das cidades do Interior, hoje, as igrejas têm um trabalho social muito forte, devido a uma ausência do Estado”.

Danilo Forte diz que tem buscado discutir com diferentes igrejas “uma pauta legislativa” que dialogue com as bandeiras das comunidades, além de ser “solidário àquilo que a gente pode ajudar a fortalecer as ações sociais”. Ele responde às críticas de que a aproximação tem apenas interesses eleitorais com o argumento de que “na democracia não existem reservas de mercado”. “Todos temos direito a dialogar sobre os diversos pontos de vista e com todos os setores da sociedade. Onde você encontra espaço para debater suas ideias, que você o faça. Eu não tenho nenhum sectarismo ou nenhum dogmatismo em relação a isso”.

Em primeiro mandato, Cabo Sabino, que faz parte da Igreja Assembleia de Deus Ministério da Graça, observa que, no passado, a vivência política nas igrejas estava relacionada, em muitos casos, a “trocas de favores”. “Algum líder, em troca da reforma de um piso para a igreja, acabava se comprometendo a pedir votos para A, B ou C”, recorda. Atualmente, contudo, ele diz que há uma “conscientização política” do eleitorado evangélico.

“Durante muito tempo, foi um tabu se falar de política e de religião, mas os evangélicos têm notado que se vive na Terra. Não podemos deixar de votar em pessoas que conhecemos e pessoas que têm uma cultura voltada àquilo que a igreja defende, principalmente em relação à família, contra o casamento homossexual, contra o aborto, contra a liberação das drogas. São pautas da igreja, então, hoje, o segmento evangélico tem essa conscientização”, sustenta. “São pautas não só da igreja evangélica, mas a própria renovação carismática, hoje, tem tido pautas voltadas a isso”, completa.

Isenção

Assim como Silvana Oliveira, Sabino diz que nunca usou o púlpito da igreja “para falar de questões de política”. Ele também ressalta que líderes religiosos apenas orientam os fiéis a apoiarem determinados candidatos, sem pré-definição dos que devem ser votados. Questionado sobre como desempenhar função parlamentar com isenção no Estado laico, o parlamentar diz que suas posturas na Câmara não estão condicionadas apenas à igreja. 

“A nossa cultura não é por questão de sermos da igreja. Nós não defendemos porque a igreja defende isso ou deixa de defender, mas porque sabemos que é o correto. Respeitamos todas as pessoas, os posicionamentos, mas não comungamos com elas quando se trata de votação, de defender algumas pautas”.

Silvana Oliveira, por sua vez, afirma que o Estado laico não é ateu e, portanto, protege a liberdade de manifestações de fé. Isso se traduz, segundo ela, na pluralidade presente na convivência com colegas de posicionamentos diferentes na Assembleia. Para a deputada, contudo, o eleitorado evangélico tem sido visado por políticos porque representa um voto “que não tem custo”. “É bem mais barato. É um voto realmente ideológico, então muitos oportunistas estão tentando embarcar nessa onda do voto ideológico”, conclui.

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