Estilo de Mourão divide analistas políticos no início do Governo

Para cientistas políticos, o vice-presidente pode se apresentar como um polo de poder em meio a demonstrações de falta de coerência no Governo Bolsonaro, mas há divergências quanto ao lugar de destaque ocupado por ele

Escrito por Renato Sousa ,

Ele não quer ser um vice sem prestígio. Primeiro na linha sucessória da Presidência da República, Hamilton Mourão (PRTB), desde a eleição de 2018, tem dado demonstrações de estilo próprio que, com frequência, vão de encontro ao que defende o próprio presidente Jair Bolsonaro (PSL). Para analistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste, isso evidencia a correlação de forças por trás do presidente neste início de mandato.

Duas semanas atrás, Mourão foi presidente durante dois dias em razão da cirurgia a qual Bolsonaro foi submetido para a retirada de uma bolsa de colostomia. Antes disso, durante a ida do chefe do Governo Federal ao Fórum Econômico Mundial, na Suíça, Mourão também comandou o Palácio do Planalto.

"Ele vai se fazer ouvir o tempo todo", avalia Carlos Ranulfo de Melo, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ele, o vice tem potencial para ser uma figura influente ao longo do Governo, e seu poder pode ser inversamente proporcional ao do próprio presidente.

"Se Bolsonaro se enfraquece, se essas denúncias em relação ao 'garoto' crescem, e a vinculação com milícias ficarem mais robustas, nesse sentido, o vice ganha protagonismo", diz, referindo-se às investigações voltadas a assessores do senador Flávio Bolsonaro (PSL) durante seu mandato como deputado estadual pelo Rio de Janeiro.

Outro ponto a favor do vice-presidente seria a organização - ou a falta dela - no Governo. Ranulfo separa a gestão Bolsonaro em quatro grupos: o liberal - comandado pelo ministro da Economia Paulo Guedes -, o religioso - que tem representantes como a ministra da Família Damares Alves e o chanceler Ernesto Araújo -, o da Justiça - liderado pelo ministro da Pasta homônima Sérgio Moro - e o militar, o qual integra Mourão. Esses grupos, com frequência, não se entendem. E Mourão, como vice, está em uma posição de força nessas disputas.

Nem todos, porém, dão a Mourão o título de "líder" do grupo militar. Márcio Juliboni, cientista político da universidade paulista Mackenzie, aponta que o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, parece ter mais ascendência sobre Bolsonaro. "Ele está dentro do Palácio do Planalto", declara, referindo-se à localização da Pasta de Heleno.

Discurso

O especialista também aponta que Mourão não foi a primeira escolha para o posto de vice. Antes, o senador Magno Malta (PR) e a deputada estadual eleita Janaína Paschoal (PSL-SP) foram cotados para o posto.

Juliboni concorda, entretanto, que o estilo de Mourão vai em outra direção em relação ao de Bolsonaro. Enquanto o presidente não teria alterado seu comportamento em relação à campanha, o vice já o teria feito. "Ele conseguiu pelo menos descer do palanque ou entender que a postura particular de um cidadão não necessariamente pode ser a postura de Estado e de Governo", analisa. Para o cientista político, Mourão "tem sido um dos pontos de referência" neste início de Governo.

Na avaliação de Felipe Nunes Santos, também cientista político da UFMG, as declarações do vice-presidente têm soado menos à direita do que durante a campanha. "Ele tem uma estratégia muito clara de reposicionamento da imagem dos militares na política", declara. Santos também observa a existência de núcleos no Governo, e considera que Mourão tem tentado garantir o seu quinhão. "O que o Mourão está fazendo é testar o próprio tamanho", opina.

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