Entraves inibem projetos populares no Congresso

Em três décadas da Constituição, apenas quatro projetos de iniciativa popular foram convertidos em leis

Escrito por William Santos - Editor assistente ,

A Constituição Federal, que em 2018 completa três décadas desde que foi promulgada, garante a qualquer brasileiro a prerrogativa de apresentar ao Congresso Nacional um projeto de lei de iniciativa popular. Diante de um longo caminho para que uma propositura desta natureza seja levada ao Legislativo - e votada -, porém, até hoje apenas quatro propostas surgidas desta forma viraram lei no País.

A tramitação lenta de muitas matérias na Câmara dos Deputados é apontada por parlamentares cearenses como um dos fatores para o número pouco expressivo, além das exigências para que um projeto vindo do povo possa ser analisado por seus representantes. Como resposta a isso, um projeto de lei do Senado, pronto para ser votado pelos deputados federais - embora tenha sido retirado de pauta no último dia 13 de março -, promete facilitar a apresentação de proposições de iniciativa popular, mas o mérito e os possíveis efeitos dele ainda dividem membros do Poder Legislativo.

Ao alterar a Lei 9.709/98, conhecida como Lei de Soberania Popular, o projeto de lei do Senado 7005/2013, de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT/MT), permite a coleta de assinaturas eletrônicas de eleitores para a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular. Atualmente, para que alguma proposição desta natureza seja remetida ao Congresso, a lei exige a assinatura manual de 1% dos eleitores do País, distribuídos em, pelo menos, cinco estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.

De acordo com a Câmara, apesar da previsão constitucional, a Lei 9.709/98 determina que as assinaturas exigidas para caracterizar este tipo de projeto - mais de um milhão - sejam conferidas uma a uma, o que dificulta o processo na prática. "O que é conhecido como projeto de iniciativa popular são todas as proposições que chegam ao Legislativo apoiadas publicamente por mais de 1,3 milhão de eleitores, o que confere força política extraordinária ao tema e pressiona os parlamentares a considerar sua inclusão na pauta de votações", esclarece a Casa, por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa.

Trâmite

Chegar à Câmara, contudo, ainda é apenas o começo de uma tramitação que, muitas vezes, encontra entraves na Casa. Até o ano passado, para que uma propositura avançasse no Legislativo, o que ocorria era a "adoção" do projeto popular por um parlamentar, como ocorreu nos casos dos que deram origem às leis contra a compra de votos e de criação do fundo de habitação popular, ou a inclusão das medidas sugeridas em outras proposições enviadas à Câmara - como na Lei "Daniella Perez", que tem origem em projeto enviado pelo Poder Executivo.

"Havia ainda a possibilidade de 'adotar' o projeto de iniciativa popular por meio de resgate de um projeto antigo sobre o mesmo tema, arquivado ou com tramitação parada. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, enquadra-se neste último caso, já que tem origem em um projeto encaminhado pelo Executivo em 1993, que foi recuperado e votado no Congresso após a apresentação de milhões de assinaturas exigindo a inclusão da medida na legislação", detalha, na nota, a Casa Legislativa.

Dois anos atrás, entretanto, ao determinar que o PL 4.850/2016, resultante do movimento "10 medidas de combate à corrupção", que recolheu 2.028.263 assinaturas de eleitores do País, voltasse à tramitação inicial na Câmara após ter sofrido mudanças por deputados, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), reiterou um outro entendimento sobre a tramitação de projetos do tipo.

Ao deferir liminar no Mandado de Segurança (MS) 34530, impetrado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), para suspender atos referentes à tramitação do projeto popular de combate à corrupção, o ministro argumentou que, segundo o Regimento Interno da Câmara, a matéria deveria ter tramitação diferenciada e não poderia ter sido apropriada por parlamentares. Ele explicou que o projeto deve ser debatido na essência, "interditando-se emendas e substitutivos que desfigurem a proposta original para simular apoio público a um texto essencialmente distinto do subscrito por milhões de eleitores".

Avanços

Fato é que, de um jeito ou de outro, ainda é difícil a aprovação de um projeto de lei de iniciativa popular. Deputados cearenses entrevistados pelo Diário do Nordeste, neste contexto, têm diferentes posicionamentos sobre a proposta que permite a consideração de assinaturas eletrônicas, mas, em comum, reconhecem que a Câmara ainda tem muito a avançar no quesito participação popular. A divisão é reflexo do contexto maior na Casa. Entre fevereiro e abril, o projeto já foi colocado na pauta do Plenário em pelo menos nove oportunidades, mas não foi votado por falta de acordo ou pelo tempo gasto em outras discussões.

O deputado Chico Lopes (PCdoB) se diz favorável à proposta por entender que, ao permitir a adoção de assinaturas eletrônicas, o que se propõe é a utilização da tecnologia para dar "mais rapidez" à apresentação de projetos de iniciativa popular, que são importantes, segundo ele, por darem ao povo "o poder de apresentar as suas necessidades". O parlamentar aponta, entretanto, que não basta avançar nas possibilidades de apresentação dos projetos, mas também na tramitação deles.

Demora

"O grande problema é a quantidade de projeto que tem na Câmara e não passa. Todas as comissões levam tempo, ou então uma comissão 'X' pega o projeto de um deputado, coloca lá no armário e, não sendo de interesse dos senhores deputados, para escolher um relator e votar, não avança", relata. Para ele, a proposta "democratiza" a apresentação de projetos populares, que ainda não se efetivam, em muitos casos, por conta da "máquina burocrática que funciona na Câmara". "A não ser que seja interesse do presidente da República ou de um grupo importante, que tem agilidade, é um negócio impressionante", compara.

Raimundo Gomes de Matos (PSDB) também defende que a apresentação de projetos de iniciativa popular possa ser feita com assinaturas eletrônicas, mas pondera que é preciso garantir segurança ao processo. "No modo de colher as assinaturas, precisamos, até por uma margem de segurança, que efetivamente esteja presente o desejo daquele que vai apoiar, quer dizer, a questão de iniciativa eletrônica nos projetos precisa ter um controle", afirma.

Relevância

Segundo o tucano, a sistemática de coleta de assinaturas prevista atualmente pela legislação não é barreira à apresentação de propostas. "Não vejo essas grandes dificuldades em assuntos de relevância para você colher um milhão de assinaturas", opina, afirmando que, neste processo, é determinante a relevância do projeto apresentado.

"Na questão da Ficha Limpa houve uma boa mobilização; houve uma boa mobilização na (proposta de lei) do abuso de autoridade, na questão das medidas anticorrupção. O que eu defendo é que se, efetivamente, ocorre um desejo nacional, não vejo dificuldade em colher assinaturas", coloca. Além disso, Raimundo Gomes de Matos pontua que senadores e deputados têm a prerrogativa de "apresentar constitucionalmente o desejo da população", o que permitiria que projetos de lei surgidos do eleitorado pudessem também ser apresentados pelos próprios parlamentares.

Opinião diferente tem o deputado José Guimarães (PT), que define o projeto de lei do Senado em tramitação na Câmara como "moderno, transparente e importante para a sociedade". "Os partidos é que têm medo da participação popular, não tem outra razão. Não é política, econômica. Dizem que vai haver uma enxurrada de projetos na Câmara. Ora, nós temos que fazer, temos que democratizar cada vez mais o acesso às informações".

Participação

Na avaliação do parlamentar petista, o processo de tramitação de projetos no Legislativo, atualmente, "é muito conservador e pouco ágil, aí a sociedade não se interessa". "Acho que as mídias sociais avançaram muito e esse projeto precisa, sim, ser aprovado. Só quem tem medo da participação do povo não quer votar", critica Guimarães.

Questionado sobre como avalia a efetividade dos meios que permitem a participação popular no Legislativo, o deputado Raimundo Gomes de Matos, por outro lado, diz que, para haver efetividade, é preciso haver investimentos em educação para uma formação política da sociedade. "Precisa ter esse grau de conscientização para formação popular", sustenta.

Já Chico Lopes avalia que "a burocracia na Casa é muito grande" para a tramitação de projetos de iniciativa popular e, com mudanças, a quantidade de proposições desta natureza convertidas em lei poderia aumentar. "Com a burocracia da Casa, acho que as coisas demoram muito a acontecer, a não ser quando o presidente da República coloca urgência, aí chama dois ou quatro deputados para dar parecer oralmente na sessão. Agora, os projetos normalmente passam dois anos ou três (para a tramitação ser concluída)".

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.