Desigualdade de gênero se mantém nas chapas

Mesmo que constem nas atas das convenções, algumas candidatas ainda estão sujeitas a conveniências eleitorais

Escrito por Redação ,

No País em que, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres representam 52,5% do eleitorado, o discurso majoritário entre diferentes partidos, de uma eleição a outra, é de incentivo à participação feminina na política. Na contramão de campanhas e decisões da Justiça Eleitoral ao longo dos últimos anos, além de definições em lei e mobilizações empreendidas dentro e fora de algumas legendas, porém, as convenções deste ano se passaram e o número de candidatas homologadas por várias siglas no Ceará ainda restringe-se ao cumprimento da chamada “cota de gênero”, abrindo caminho, assim como em outras eleições, para o risco de possíveis candidaturas fictícias. 

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Na prática, são poucos os casos em que mais de 30% das candidaturas oficializadas à Câmara dos Deputados e à Assembleia Legislativa – percentual mínimo estabelecido pela Lei das Eleições para que um partido ou coligação possa registrar chapa proporcional – são de mulheres e, não raramente, mesmo com o cumprimento da lei, alguns nomes figuram nas atas das convenções apenas por conveniências eleitorais. 

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Neste ano, em que o TSE decidiu que a distribuição do fundo eleitoral para financiamento de campanhas e do tempo de propaganda em rádio e televisão também deve ser proporcional ao quantitativo de candidaturas femininas e masculinas, tais conquistas das mulheres serão testadas nas urnas, que dirão se elas terão mais condições de sustentar postulações competitivas ao longo do pleito.

A desigualdade presente nas chapas proporcionais, apesar da “cota de gênero”, se repete nas candidaturas majoritárias. No Ceará, ainda que, em quatro das seis chapas que disputarão o Governo do Estado, as postulantes ao cargo de vice sejam do gênero feminino – Izolda Cela (PDT), vice de Camilo Santana (PT); Emília Pessoa (PSDB), vice do General Theophilo (PSDB); Raquel Lima (PCB), vice de Ailton Lopes (PSOL); e Ninon Tauchamman (PSL), vice de Hélio Góis (PSL) –, nenhuma é cabeça de chapa. Do total de 11 postulantes ao Senado pelo Estado, apenas duas são mulheres: Anna Karina Cavalcante (PSOL) e Mayra Pinheiro (PSDB). 

No pleito presidencial, duas mulheres – Marina Silva (Rede) e Vera Lúcia (PSTU) – e 11 homens disputam o Palácio do Planalto, mas, na hora de escolher vices, quatro chapas optaram por mulheres: Ana Amélia (PP), vice de Geraldo Alckmin (PSDB); Kátia Abreu (PDT), vice de Ciro Gomes (PDT); Sônia Guajajara (PSOL), vice de Guilherme Boulos (PSOL); e Suelene Balduino (Patriota), vice de Cabo Daciolo (Patriota). 

Conveniência

Para disputar vagas de deputado estadual e federal, os partidos cumprem a “cota de gênero”, mas em poucos casos a proporção de mulheres que compõem o eleitorado tem reflexo equânime no número de candidatas. Levantamento das postulações homologadas pelos partidos, realizado pelo </MC></MC>Diário do Nordeste</CF> a partir das atas das convenções disponíveis no site do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), mostra que, além da maioria das candidatas serem desconhecidas ou pouco conhecidas no cenário político, algumas estão nas listas sem garantia de que os partidos solicitarão à Justiça Eleitoral os registros das candidaturas. 

Presidido pelo deputado federal Cabo Sabino, o Avante, por exemplo, homologou em convenção seis candidatos à Câmara dos Deputados e 14 à Assembleia Legislativa. No primeiro grupo, Mônica Silva Santos de Sousa é a única mulher e, no segundo, há três indicadas como candidatas: Antônia Aureni de Carvalho Albuquerque, Luana Moraes Moreira e Rochana Lyvian Oliveira Rocha. 

Na ata do PDT, há sete mulheres na lista de 30 candidatos à Assembleia e outras quatro dentre os 15 candidatos à Câmara. Uma delas, no documento, é a deputada estadual Mirian Sobreira, que já havia dito que não disputaria eleição e tem apoiado a candidatura do filho, Marcos Sobreira, ao Legislativo estadual. Segundo o presidente do PDT no Ceará, deputado federal André Figueiredo, no último domingo, dia da convenção do partido, “ela pediu para registrar o nome dela, mas ainda vai decidir se vai ser candidata”.

O PSD também tem caso em que uma candidatura feminina está sujeita a conveniências eleitorais. Das seis candidaturas homologadas para deputado estadual, duas são de mulheres, mas uma delas, Patrícia Aguiar, ex-prefeita de Tauá, só deve ser candidata se o marido, Domingos Filho, for impedido de disputar vaga na Assembleia por ser conselheiro em disponibilidade do Tribunal de Contas do Estado (TCE). No PSDB, o nome de Emília Pessoa consta na ata como uma das 19 candidaturas à Assembleia. Sete eram de mulheres, mas agora são seis, já que a tucana, após a convenção, tornou-se candidata a vice, e não mais ao Legislativo estadual. 

Desequilíbrio

Entre lideranças de alguns partidos, tal retrato é explicado a partir de diferentes perspectivas. Presidente do PDT, André Figueiredo, por exemplo, avalia que “há uma cultura pouco enraizada no universo feminino de se candidatar a mandato eletivo”, mas ressalta que a sigla buscou “diferentes mulheres” para dar “diversidade” à chapa.

“Fizemos a destinação dos recursos do fundo eleitoral para candidaturas femininas, a nossa vice-presidente é mulher, temos candidatas a vice em Sergipe, na Paraíba e no Ceará, mas temos, realmente, muita dificuldade de buscarmos candidaturas proporcionais femininas”, admite. Perguntado sobre quais fatores contribuem para a “dificuldade”, o dirigente afirma não saber dizer.

A deputada federal Gorete Pereira, presidente do PR, por sua vez, pondera que, historicamente, os partidos não têm preocupação em dar “condição estrutural” para que mulheres tenham candidaturas competitivas. A definição de que ao menos 30% do fundo eleitoral devem ser destinados a postulações femininas, para ela, representa um avanço em relação à desigualdade, mas a parlamentar diz que “alguns partidos ainda não absorveram a forma de repasse”. 

Otimismo

“Eu bato palmas para alguns partidos que já definiram essa condição, mas muitos estão preocupados muito mais com o que fariam para burlar a legislação, porque a quantidade de homens ainda é maior”, reclama. 

A petista Luizianne Lins, também deputada federal, reconhece que, embora no PT haja avanços conquistados pela militância feminina, a “falta de compromisso dos partidos com as mulheres” é realidade em várias legendas. Ela cita que, de acordo com o TSE, 14.417 mulheres não receberam nenhum voto nas eleições de 2016 no País, enquanto o número de homens não votados foi de 1.714. “Vários partidos têm claramente burlado a legislação com candidaturas-laranja fictícias, sem real chance de concorrência e efetivação”.

Luizianne, porém, destaca estar otimista quanto ao aumento da representatividade feminina nas casas legislativas nestas eleições, inclusive por acreditar que temas de interesse da população feminina serão colocados no debate eleitoral. “Essa é uma demanda já posta, não aceitamos mais a invisibilidade, cada vez mais ampliamos o alcance de nossas vozes”, sustenta.

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