Ausência de critérios motiva 'banalização' de candidaturas

Em 2014 e 2016, foi considerável o número de postulantes com votações inexistentes ou pouco expressivas

Escrito por William Santos - Editor assistente ,

A oito meses das eleições gerais, partidos desenham suas chapas proporcionais, assim como as eventuais coligações, sem definir, por enquanto, como darão aos futuros candidatos condições mínimas de terem postulações igualmente competitivas para a disputa. Em alguns casos, faltam critérios para a escolha dos aspirantes a cadeiras na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados e, na ânsia por atingirem o mínimo de votos necessários para que o partido ou a coligação eleja candidatos para o Legislativo - o chamado quociente eleitoral -, surgem centenas de candidaturas que, assim como em pleitos anteriores, são até registradas, mas não passam disso.

Como consequência, é considerável o número de postulantes ao Poder Legislativo que chegam ao fim da disputa eleitoral com votações inexistentes ou pouco expressivas, o que evidencia, na avaliação de dirigentes partidários entrevistados pelo Diário do Nordeste, fragilidades das agremiações e do sistema político-eleitoral do País.

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Nas últimas eleições gerais, em 2014, por exemplo, quatro candidatos a deputado federal no Ceará não tiveram nenhum voto. Outros dez terminaram a disputa com menos de 100 sufrágios conquistados, enquanto 74 não alcançaram sequer mil votos. No total, 195 postulantes a deputado federal tiveram seus nomes nas urnas, mas muitos não foram considerados na distribuição dos pouco mais de quatro milhões de sufrágios nominais contabilizados pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) para o cargo.

O último colocado na lista dos 22 deputados federais eleitos pelo Estado foi Chico Lopes (PCdoB). Ele recebeu 80.578 votos. O mais votado, na outra ponta, foi o atual vice-prefeito de Fortaleza, Moroni Torgan (DEM), eleito com 277.774 sufrágios. O quociente eleitoral foi de 198.501 votos.

Já na disputa por vagas na Assembleia Legislativa, com mais nomes colocados nas urnas, 22 candidatos não receberam nenhum voto e outros três tiveram a preferência de apenas um eleitor. A quantidade daqueles que terminaram o pleito com votação abaixo dos 100 votos chegou a 84 postulantes, enquanto 247 receberam menos de mil sufrágios.

Quem conseguiu uma cadeira na Casa com a menor votação entre os 46 eleitos foi Julinho (PDT), que terminou o pleito com 23.642 votos. O mais votado, Capitão Wagner (PR), recebeu 194.239. Também foram pouco mais de quatro milhões de votos nominais, mas o universo de candidatos supera o dos que buscavam vaga na bancada federal cearense: foram 553 pedidos de registro de candidatura para deputado estadual. O quociente eleitoral, por sua vez, foi de 97.185 sufrágios.

Banalização

O cenário se repete em eleições municipais. No pleito de 2016, 26 candidatos a vereador da Capital não tiveram nenhum voto. Outros 11 foram votados por apenas um eleitor, enquanto 104 não chegaram aos mil sufrágios. Dummar Ribeiro (PPS) foi o último colocado entre os 43 vereadores eleitos, com 3.115 votos. Célio Studart (SD), o mais votado, somou 38.278.

Dirigentes partidários apontam diferentes fatores para quantidade considerável de candidatos com votações inexistentes ou inexpressivas. Alguns falam em banalização da quantidade de candidaturas, em um cenário no qual faltariam critérios para a definição de quem estaria apto a disputar um cargo no Legislativo, enquanto outros dizem que os números são reflexo de desistências de postulantes que, mesmo após o registro das candidaturas, optam por abrir mão das campanhas.

Questionados se há diferença de tratamento das siglas em relação a "puxadores de voto" e candidatos com pouco capital político, porém, presidentes de diferentes legendas no Ceará defendem que tentam dar condições mínimas de competitividade a todas as candidaturas, o que já estaria em discussão, inclusive, para as eleições deste ano.

Segundo o deputado federal Domingos Neto, presidente estadual do PSD, a quantidade de candidaturas inexpressivas resulta de três fatores: desistências, falta de rigor dos partidos no cumprimento da cota de gênero - que exige que pelo menos 30% das chapas proporcionais sejam formadas por mulheres - e o equilíbrio de interesses nas coligações.

"Acontece muito de gente que começa a campanha e, no meio, desiste para votar em alguém", observa. No caso do cumprimento da cota de gênero, ele reconhece que alguns partidos registram candidaturas de mulheres apenas para cumprir a legislação, mas não investem nas candidatas para que tenham condições de alcançar boas votações. "A outra coisa é quando existe coligação, porque nós temos que mesclar os nossos candidatos com os do outro (partido)".

Interesses

O presidente do PSB no Ceará, deputado federal Odorico Monteiro, por sua vez, opina que há uma banalização da quantidade de candidaturas aos parlamentos, o que resulta, muitas vezes, em campanhas individualizadas e pouco alinhadas com as plataformas dos partidos. "A eleição é para o fortalecimento das teses partidárias", defende.

Para Odorico, tal realidade fortalece a necessidade de uma Reforma Política profunda no País, uma vez que a pulverização de candidatos, conforme sustenta, é reflexo da pulverização de partidos. "Não dá para achar que vai fazer uma democracia forte com tantos partidos, e muitas vezes essa pulverização de candidaturas está ligada a interesses muito localizados, pessoais, e não está dentro de uma estrutura programática, de propostas e de representatividade".

Neste cenário, o presidente da sigla com maior representatividade no Estado atualmente, o PDT, deputado federal André Figueiredo, argumenta que é importante que as siglas tenham critérios para definir quem serão os candidatos ao Legislativo. Na formação das chapas do partido, ele diz que são levados em consideração pontos como o histórico individual na legenda e a inserção do pretenso candidato em segmentos sociais. Figueiredo pondera, contudo, que na construção das chapas proporcionais não cabe ao partido avaliar "se a pessoa tem ou não votos".

Mas como garantir tratamento igual a candidaturas de nomes já considerados eleitos em avaliações internas e àqueles filiados sem expressão eleitoral consolidada? Ao mencionar o fundo de financiamento público que deve custear as campanhas neste ano, André Figueiredo expõe que o PDT deve dividir uma parte dos recursos recebidos pelo partido igualmente entre todos os candidatos, mas a direção da sigla ainda deve discutir definição no sentido de que "aqueles que tenham maior visibilidade possam receber um pouco mais". Segundo ele, entretanto, qualquer decisão cabe à direção nacional do partido.

Ao refletir sobre o financiamento de campanha, o presidente do PSDB no Ceará, Francini Guedes, também diz que a sigla "ajudará a todos os candidatos, sem distinção". Para isso, porém, ele afirma ser fundamental que pretensos postulantes sejam alinhados às ideias e ao plano de trabalho da legenda tucana, que está em elaboração por uma equipe de dirigentes do partido no intuito de ser um pontapé do futuro plano de governo do candidato da oposição ao Governo do Estado. "O PSDB lança as suas ideias, demarca no seu plano de trabalho aquilo que é importante para a sociedade e os candidatos defendem aquelas ideias e aderem às suas ideias pessoais", explica.

A quantidade considerável de candidatos sem nenhuma ou pouca votação, segundo o dirigente tucano, decorre, por vezes, mais de fatores pessoais do que partidários. "É possível que tenham alguns com desempenho melhor e outros com desempenho pior, às vezes é uma questão de simpatia (do eleitorado), algo muito mais pessoal do que partidário", considera.

Análise

Na avaliação da cientista política Carla Michele Quaresma, professora do Centro Universitário Estácio do Ceará, há diversos fatores que influenciam a considerável quantidade de candidaturas sem expressão nos últimos pleitos. O mero cumprimento da cota de gênero é um deles, uma vez que, conforme observa, em um contexto no qual candidaturas femininas são apenas apresentadas, sem investimento interno das legendas, "é comum e expressivo o número de mulheres que não recebem nenhum voto".

Soma-se a isso a forma como algumas chapas são construídas, sob a mentalidade de que uma grande quantidade de candidaturas é útil para o alcance do quociente eleitoral, além da influência financeira nos pleitos. "Não há incentivo da distribuição do fundo partidário, ainda não existe essa igualdade dentro dos partidos. Muitas vezes, os principais adversários estão dentro do próprio partido, disputam os mesmos votos, então aquele que tem o poder econômico leva vantagem", aponta. "No contexto em que você tem a formação de currais eleitorais, muita compra de votos, isso faz com que alguns candidatos tenham essa posição mais privilegiada".

Carla Michele Quaresma destaca, entretanto, que a própria Justiça Eleitoral estabelece critérios para que alguém possa ser candidato. Movimentos recentes de partidos que propuseram processos seletivos para a escolha das chapas, segundo a cientista política, soam como "discurso eleitoral" momentâneo.

"O que não existe no Brasil é organização partidária sólida, partidos que trabalhem a formação de quadros. Não há conhecimento de democracia, não conhecem ideologia. O Capitão Wagner (deputado do PR) anunciou que vai para o PROS, que é o partido que foi criado para servir de abrigo para os dissidentes dos Ferreira Gomes. Que ironia um negócio desses. Não existe solidez partidária, e se não tem isso não tem formação de quadros, excetuando os partidos políticos de esquerda", analisa.

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